Coronavírus: Brasil corre risco de ser atingido por surto originado na China?
Casos já foram confirmados em mais sete países, mas OMS decidiu não declarar surto como emergência global; no Brasil, Ministério da Saúde descartou cinco possíveis suspeitas.
Casos do novo tipo de coronavírus identificado em dezembro na cidade de Wuhan, na China, já foram confirmados em mais sete países — Cingapura, Coreia do Sul, Estados Unidos, Japão, Tailândia, Taiwan e Vietnã.
Apesar disso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decidiu não declarar este surto uma situação de emergência global, após uma reunião que se estendeu por dois dias.
Ainda que o vírus tenha chegado a outros países, é cedo para tomar tal medida, disse a OMS, porque o número de casos notificados fora da China é pequeno — foram 12 de um total 584 até agora — e o vírus aparentemente não está se espalhando dentro destes países.
"A transmissão parece estar limitada a familiares e profissionais que cuidaram dos pacientes. Não há evidências de transmissão entre pessoas fora da China, mas isso não significa que não vá acontecer", afirmou Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS,
"Não se enganem. Isso é uma situação de emergência na China. Ainda não se tornou uma emergência global de saúde. Mas pode vir a se tornar."
Os coronavírus são uma ampla família de vírus, mas sabe-se que apenas sete deles infectam humanos. Eles podem causar desde um resfriado comum até a morte. O novo vírus aparentemente está em algum lugar no meio do caminho entre esses dois extremos.
No momento, nenhum caso do 2019-nCoV foi confirmado no Brasil — e, segundo o governo federal e epidemiologistas ouvidos pela BBC News Brasil, mesmo que isso ocorra, o risco é baixo de que haja um surto por aqui.
Transmissões entre pessoas só foram detectadas na China
O Ministério da Saúde anunciou na quinta-feira que as cinco possíveis suspeitas notificadas desde 18 de janeiro por quatro Estados (Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo) e pelo Distrito Federal foram descartadas.
De acordo com a pasta, estes casos não atenderam aos critérios clínicos (febre e mais algum sintoma respiratório) e epidemiológicos (ter viajado para Wuhan ou ter entrado em contato com um paciente suspeito ou confirmado) estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para a identificação de suspeitas.
Até o momento, disse o secretário-substituto de Vigilância em Saúde, Júlio Croda, foram detectadas transmissões entre pessoas apenas em Wuhan, por isso, ter passado pela cidade é considerado um aspecto crítico para identificar uma suspeita.
Na quarta-feira, autoridades chinesas pediram que cidadãos deixem de entrar e sair de Wuhan e que a população local evite aglomerações. Tanto essa cidade quanto a vizinha Huanggang estão sofrendo uma espécie de quarentena, com a suspensão do transporte público.
Croda disse que surtos como este "geram muita confusão na população", mas ressaltou ser importante seguir rigidamente estes critérios ao avaliar cada caso.
"Essas definições são bem restritas, mas podem mudar no futuro, porque são dinâmicas e dependem do contexto epidemiológico. Se surgirem evidências de mais locais onde houve uma transmissão entre pessoas, a definição vai mudar. Faremos atualizações diárias sobre isso", afirmou Croda.
Governo não fará triagem nos aeroportos e portos
O ministério também anunciou ter instalado um Centro de Operações de Emergência para tratar do surto do novo coronavírus, que operará no primeiro dos três níveis de gravidade possíveis.
Esse grupo fará reuniões diárias para monitorar o 2019-nCoV e trabalhar junto aos serviços de emergência do país para que eles estejam preparados se a situação se agravar.
A pasta disse ainda que, por enquanto, não será feita triagem de passageiros para identificar pessoas que possam ter sintomas do vírus, como passaram a fazer países como Estados Unidos, Reino Unido e Indonésia.
"A própria Opas (Organização Panamericana de Saúde) disse em um comunicado que não há evidências científicas de que fazer esse tipo de triagem seja uma medida de controle efetiva, porque o paciente pode chegar sem sintomas", afirmou Croda.
O 2019-nCoV tem um período de incubação — o tempo entre a exposição ao vírus e o surgimento dos primeiros sintomas — estimado em 14 dias. Ele causa febre, tosse, falta de ar e dificuldade em respirar.
Em casos mais graves, pode evoluir para pneumonia e síndrome respiratória aguda grave ou causar insuficiência renal.
Novo vírus é similar ao Sars e Mers
O Ministério da Saúde explicou que o novo coronavírus é similar a outros dois identificados nas últimas décadas.
Um deles foi responsável por causar a Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars, na sigla em inglês), e matou 774 das 8.098 infectadas em uma epidemia que começou na China em 2002.
Outro esteve por trás da Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers, na sigla em inglês), que matou 858 dos 2.494 pacientes identificados com a infecção desde 2012 nesta região do mundo.
Até o momento, entre os mais de 800 casos notificados do 2019-nCoV, houve 26 mortes — todas na China.
"Se o comportamento do novo coronavírus for igual ao do Sars e do Mers e mantiver uma transmissão limitada localmente e entre familiares e profissionais de saúde, ele deve ficar restrito a algumas poucas cidades", disse Corda.
"Não podemos gerar um pânico desnecessário na população. Se houver um risco de transmissão por contato eventual entre pessoas, aí sim existirá o risco de uma epidemia global. Mas não existe neste momento nenhum risco disso."
'Risco baixo' de haver surto no Brasil
O infectologista Benedito Antonio Lopes da Fonseca, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, avalia que não há motivos para a população brasileira ter receios no momento sobre o surto do 2019-nCoV ao Brasil.
"Com o Sars, houve uma grande epidemia na China e pequenos surtos em outros países, mas acabou ali. Uma grande vantagem da globalização é que as medidas de contenção de epidemias são colocadas em prática muito mais rápido do que no passado", afirma Fonseca.
"É preciso avaliar a movimentação de pessoas entre esta região da China e o Brasil. Se for baixo, acredito que o risco é mínimo, quase inexistente, de o vírus chegar ao país."
O infectologista Marcos Boulos, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, explica que o novo coronavírus é preocupante por ser desconhecido, mas que sua disseminação, na China e internacionalmente, é aparentemente mais "suave" do que as do Sars e do Mers.
"Pelo tempo desde que a doença começou até agora, o número de casos notificados, de casos graves e de mortes ainda é baixo, especialmente levando em conta o tamanho da população chinesa", afirma Boulos.
O médico afirma que a possibilidade do novo coronavírus chegar ao Brasil existe, mas é "baixa, pouco provável". "Isso não descarta a necessidade de ficarmos alerta. Mas o Brasil tem outras doenças mais alarmantes com que devemos nos preocupar."
Ambos os infectologistas concordam que, diante desta situação, não é necessário fazer a triagem de passageiros em portos e aeroportos do país.
Mas recomendam que sejam tomadas algumas medidas nestes locais para orientar os passageiros, por meio de cartazes nos terminais e avisos sonoros nos aviões, para que busquem um posto de saúde caso tenham sintomas como febre e problemas respiratórios.
"Se virar uma emergência global, vai ser necessário ter um controle muito mais rígido das fronteiras", alerta Fonseca.