Coronavírus: Brasil tem primeiros casos de transmissão local - o que acontece agora?
Dois pacientes em São Paulo que têm ligação com o primeiro caso confirmado no país foram infectados, mas vírus não circula livremente, diz governo. Critérios para identificar suspeitas e testagem deveriam ser ampliados, diz especialista.
O Ministério da Saúde informou na última quinta-feira (5/3) que foram registrados no país os primeiros casos de transmissão local do novo coronavírus.
Até então, havia no Brasil apenas casos importados do Sars-Cov-2, como é chamado oficialmente o vírus. Ou seja, ele tinha sido detectado apenas em pessoas que haviam viajado para outros países.
Mas, em dois novos casos identificados em São Paulo, os pacientes não pegaram o vírus no exterior, mas ao entrar em contato no Brasil com uma pessoa que já estava infectada: o empresário de 61 anos que foi o primeiro paciente brasileiro confirmado.
O empresário esteve na Itália e, ao retornar ao país, fez um churrasco em sua casa com a família um dia antes de ser testado. Um dos seus parentes que esteve na reunião pegou o coronavírus e, depois, o transmitiu para uma outra pessoa.
O secretário de Vigilância em Saúde, Wanderson de Oliveira, disse que isso não significa que está ocorrendo no país a chamada transmissão comunitária, quando um vírus circula livremente entre a população, porque é possível rastrear a origem de todos os casos confirmados até o momento e, no caso das transmissões locais, verificar que elas têm uma relação entre si.
"Até agora, conseguimos identificar a cadeia de transmissão do vírus. Isso significa que temos transmissão local, que é restrita, mas não temos uma transmissão comunitária, que é mais ampliada, em nosso território", disse Oliveira.
Transmissão local não muda medidas adotadas, diz o governo federal
Até agora, foram confirmados oito casos no país, em três Estados — São Paulo (6), Espírito Santo (1) e Rio de Janeiro (1). Há ainda 636 casos suspeitos.
Eduardo Sprinz, chefe do serviço de infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, diz que a confirmação no Brasil de transmissão local do novo coronavírus já era esperada e apenas reflete o que já ocorre em outras partes do mundo.
"Ainda não sabemos como ele vai se propagar. Imaginamos que São Paulo vai concentrar o maior número de casos e que, quanto maior for a densidade demográfica e o frio de uma região, mais ele vai se disseminar", afirma o infectologista.
De acordo com Oliveira, a identificação de dois casos de infecção local deve provavelmente levar a Organização Mundial da Saúde (OMS) a incluir o Brasil entre os países onde há esse tipo de transmissão do Sars-Cov-2.
No boletim mais recente, isso já foi registrado em 37 países dos 80 em que já houve casos confirmados.
"Essa classificação tem um efeito mais internacional do que local. Os brasileiros que viajarem para outros países e apresentarem sintomas poderão passar a ser enquadrados como casos suspeitos", disse Oliveira.
Mas a identificação da transmissão local no Brasil não muda as condutas e ações tomadas pelo governo até o momento, segundo o secretário.
"As medidas até o momento continuam ser de preparação e organização dos serviços de saúde, porque não temos a transmissão comunitária no Brasil e não temos muitos casos em comparação com outros países", disse Oliveira.
"Mas estamos observando os protocolos de outros países que estão vivenciando a epidemia para evitar que se cometa os mesmos erros que eles cometeram."
Brasil não adota terceiro critério da OMS para casos suspeitos
No entanto, a médica sanitarista Ana Freitas Ribeiro, do serviço de epidemiologia do Instituto Emilio Ribas, diz que as medidas adotadas pelo governo até agora são insuficientes para monitorar a evolução da epidemia e detectar a transmissão comunitária no país.
Ela afirma que o sistema de vigilância epidemiológica na rede pública vem até o momento atuando de forma "passiva", ao examinar apenas os pacientes que procuram os serviços de saúde e apresentam os critérios clínicos e epidemiológicos adotados pelo Ministério da Saúde para casos suspeitos.
Essas pessoas devem apresentar febre e algum outro sintoma respiratório e ter viajado para algum país onde há transmissão local ou ter entrado em contato com algum caso suspeito ou confirmado de infecção.
Ribeiro diz que o Ministério da Saúde deveria ampliar essa definição para englobar um terceiro critério estabelecido pela OMS.
Desde 27 de fevereiro, a organização diz que deve ser considerado um caso suspeito "um paciente com infecção respiratória aguda grave que requer hospitalização e não há outra causa que explique completamente a condição clínica".
Questionado pela BBC News Brasil sobre o motivo de ainda não estar aplicando este critério, o Ministério da Saúde não respondeu até a publicação desta reportagem.
Testagem para novo coronavírus deveria ser ampliada, diz especialista
Além disso, diz Ribeiro, seria importante incluir o teste para coronavírus entre os exames de pacientes com síndrome gripal realizados pela chamada rede sentinela, um conjunto de unidades de saúde que coletam amostras para identificar vírus que circulam entre a população.
Ribeiro diz que a rede de saúde privada já vem realizando os exames para o Sars-Cov-2 que não cumprem todos os critérios do Ministério da Saúde, algo evidenciado pelo fato de uma adolescente de 13 anos ter sido diagnosticada sem apresentar sintomas.
"Como vamos achar a transmissão comunitária se não estamos procurando? Se não fizermos isso, pode ser que a gente não consiga detectar a expansão do vírus, como aconteceu na Itália", diz ela.
Por sua vez, Sprinz considera que neste momento, diante de um número pequeno de casos confirmados, o custo-benefício de ampliar a testagem para coronavírus é pequeno. Mas ressalta que a situação pode mudar rapidamente, o que levará a ajustes nos critérios e medidas aplicados.
"Epidemiologicamente, não vale a pena varrer a população. Essa estratégia é muito dispendiosa, usa muita estrutura dos serviços de saúde para confirmar poucos casos", afirma Sprinz.
"Mas, se começa a ter casos secundários, é preciso ficar mais alerta. Talvez valha a pena fazer isso em São Paulo, que concentra mais casos."
No entanto, na avaliação de Ribeiro, a inclusão de testes para o novo coronavírus na rede sentinela não representaria um custo extra significativo. "Não é para começar a investigar todo mundo, mas usar uma estrutura de coleta de amostras que já está montada e introduzir um novo teste."