Coronavírus: o que fazer para evitar depressão, ansiedade e pânico durante isolamento
Especialistas recomendam fazer ligações em vídeo, usar a criatividade para evitar a rotina, dividir as tarefas domésticas e checar notícias em veículos de imprensa confiáveis.
As medidas adotadas para conter o novo cornavírus, como fechamento do comércio e estímulo ao home office, manterão milhões de brasileiros isolados dentro de casa nas próximas semanas. Muitos deles, sozinhos, em pequenos espaços e por um período ainda desconhecido.
A reportagem da BBC News Brasil entrevistou psicólogos para saber o que fazer para evitar que o isolamento cause ansiedade, síndrome do pânico ou depressão — principalmente entre crianças e idosos.
O vice-presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Claudio Martins, disse que é fundamental não perder o contato virtual com amigos e familiares, além de se manter ocupado. E recomenda que as pessoas que trabalham continuem seus projetos em casa sempre que possível.
"É importante manter o autocuidado com a alimentação, hidratação e se comunicar por meios eletrônicos. É necessário ocupar a mente com outras coisas e não passar o dia vendo notícias sobre coronavírus. Não pode ficar concentrado na doença, pois isso pode gerar uma obsessão mental e incapacitar as pessoas de se desenvolverem", afirmou Martins.
Segundo ele, essa mudança comportamental repentina e a diminuição das relações interpessoais, associados a um estresse coletivo de medo, podem resultar em diversos transtornos psicológicos.
Martins afirma que aproximadamente 25% da população brasileira possui algum grau de depressão e que a falta de cuidados durante o isolamento pode fazer esse número disparar.
Mas o que fazer para evitar que isso aconteça?
1. Interação virtual
O professor de psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, Nelson Fragoso diz que o isolamento é um importante fator de risco para aumentar a ansiedade e, por consequência, a depressão. E que uma das saídas para evitar esses quadros é a interação virtual.
"O ideal é fazer conversas em vídeo para ver as reações da outra pessoa e ter um contato mais humano do que uma simples ligação de voz. Isso também diminui a sensação de distanciamento", afirmou.
Ele disse ainda que é importante participar de grupos de WhatsApp com colegas do trabalho ou até vizinhos, desde que os integrantes não mandem mensagens pessimistas ou apocalípticas.
O ideal, segundo ele, é que as pessoas discutam pontos positivos do isolamento, como dizer o que estão preparando para o almoço, o que fazem durante a tarde para se distrair e sugerir atividades em grupo, mesmo à distância.
O vice-presidente da Associação Brasileira de Psicologia disse que, durante o tempo de isolamento, toda a convivência com os colegas de trabalho e as outras relações externas — antes dispersas — agora se concentram num espaço restrito. E toda essa carga emocional é descarregada dentro de casa e em todos que estão nesse ambiente.
O especialista diz que é importante usar essa energia em outras atividades para evitar conflitos.
"O principal a se fazer nesse momento é se manter ocupado e calmo. Seja com exercícios físicos, leitura ou qualquer outra atividade. Esse é um fenômeno novo. As pandemias têm um perfil de guerra sem ter uma bomba e contra um inimigo invisível. Isso deixa as pessoas permanentemente inseguras", afirmou.
2. Não fazer tudo no mesmo dia
Mas na ânsia de manter tudo em ordem e ocupar a mente, os especialistas em saúde mental ouvidos pela reportagem disseram que é comum as pessoas em isolamento social tentarem resolver todas as tarefas de uma só vez.
Eles aconselham que essas atividades sejam feitas de maneira parcelada para que elas não se esgotem rápido demais.
"É importante não fazer tudo num dia, como lavar toda a roupa ou limpar a casa inteira. Serão pelo menos 30 dias isolados, então o ideal é fazer tudo com calma e dividir as atividades entre toda a família. Se o filho lava a garagem, o pai cuida do banheiro, e assim por diante", afirmou o professor Nelson Fragoso.
Ele disse ainda que também é importante fazer exercícios de respiração, meditação e, caso a pessoa siga uma religião, ler os livros sagrados dela. A intenção, diz Fragoso, é se manter o mais calmo, amparado e relaxado possível.
3. Fobia social e transmissão de pânico
Outra preocupação levantada pelo psiquiatra Claudio Martins é que o medo de contrair coronavírus desenvolva um Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC).
"A pessoa pode manifestar esse transtorno pelo vício de passar álcool gel nas mãos, além de desenvolver uma fobia social. Principalmente aquelas pessoas que já têm dificuldade de interação acabam ampliando seus medos, mesmo após o fim do isolamento. Para piorar, outras ainda são contaminadas pelo pânico externado pelo outro e passaM a reagir da mesma maneira", afirmou o psiquiatra.
Ele explica que esse contágio do pânico causa efeitos sociais, como a corrida desesperada aos supermercados em busca de papel higiênico ou em revendas de gás, como se tivessem de fazer um estoque por conta de uma possível crise de desabastecimento.
Esse pânico coletivo, diz ele, mobiliza a sociedade de maneira inadequada. E esses fatores psicológicos também podem ser explorados politicamente.
"Um exemplo desses é a pessoa que está calma em casa, mas sabe que o vizinho estocou comida para três meses. Ela, sem necessidade, vai querer fazer o mesmo para se sentir segura e isso pode desencadear uma cadeia de comportamento e gerar um desabastecimento real", afirmou o especialista.
Os especialistas afirmam que a melhor forma de combater esse pânico generalizado é se informar apenas por veículos de comunicação de credibilidade e checar informações, principalmente aquelas recebidas por WhatsApp.
4. Usar a criatividade para fugir da rotina
O professor Nelson Fragoso disse que mesmo sem seguir muitas recomendações, é possível conviver em isolamento por algumas semanas. Mas que a partir da terceira ou quarta semana, é necessário inovar.
"É importante, por exemplo, fazer novas receitas no almoço. Fazer exercícios diferentes em casa. Procurar novos canais no YouTube e tentar quebrar a rotina ao máximo. Parar uma série no meio e começar outra, interromper o livro no meio e começar outro. Desobedecer a ordem natural das coisas e tentar sermos pessoas diferentes é essencial", afirmou.
O professor de psicologia do Mackenzie compara esse período a uma prisão domiciliar, na qual a punição ocorre com quem sai de casa. Ele disse que nesse momento de autodefesa e isolamento também é importante praticar a solidariedade.
"É importante ser criativo, se adaptar a essa nova rotina e não lamentar. Também é hora ser ser solidário. Ajudar o próximo com o que puder. Seja uma aula, fazer uma companhia virtual ou produzir algo que possa doar. Temos esse espírito em grandes tragédias e acho que agora não deve ser diferente."