Covid: Alta de casos após Ação de Graças nos EUA expõe risco de festas de fim de ano no Brasil
Mortes de americanos têm batido recordes nas últimas semanas; deslocamentos e encontros familiares aumentam chance de infecção
Os Estados Unidos têm batido recordes de infecções e mortes pela covid-19 semanas após o feriado de Ação de Graças, quando milhões de americanos se deslocaram pelo País e fizeram encontros familiares. De 3 a 10 de dezembro, foram registrados 1,4 milhão de novos casos e 15.966 óbitos. Especialistas alertam para o risco de o Brasil, que já assiste a uma nova piora da pandemia neste mês, repetir esse cenário crítico depois das festas de Natal e ano-novo, com explosão de doentes no fim de janeiro.
O número médio de mortes de americanos por dia nesta semana ficou acima de 2 mil, ultrapassando a maior média que havia sido notificada. Mais de 109 mil pessoas estão atualmente hospitalizadas com covid-19 nos EUA.
As hospitalizações pela covid nos EUA também registraram recorde nacional na sexta-feira, 11, pelo quarto dia consecutivo, chegando a 68.516, conforme o Covid Tracking Project. O número mais que dobrou em cinco semanas.
No Brasil, a média móvel está em 651 óbitos, em curva ascendente. Pelo País, hospitais reportam UTIs lotadas e adiam cirurgias eletivas para evitar colapso do sistema de saúde. Entre as regiões com situação mais grave, estão o Rio e os Estados do Sul. O presidente Jair Bolsonaro, por outro lado, disse que estamos no "finalzinho da pandemia".
No feriado, grande parte dos Estados Unidos ignorou as recomendações para ficar em casa e evitar contatos. Conforme relatório de mobilidade do Google, em 26 de novembro, data do feriado, houve alta de 23% no deslocamento entre residências americanas, em comparação ao valor de referência utilizado (de 6 de janeiro a 3 de fevereiro de 2020). Durante o fim de semana de Ação de Graças, a Administração de Segurança do Transporte (TSA - sigla em inglês) rastreou 1,18 milhão de passageiros de companhias aéreas no domingo, o maior desde meados de março.
O pesquisador Vitor Mori, membro do Observatório Covid-19 BR, aponta que não é coincidência o aumento de casos nos Estados Unidos por causa dos deslocamentos no Dia de Ação de Graças. "Viagens são um problema enorme porque basicamente a gente acaba levando vírus pra regiões onde a pandemia esteve controlada", comentou o especialista, que vive em Vermont. "Uma semana depois do Thanksgiving, chegamos ao recorde de novos casos diários: 178", escreveu em seu Twitter.
Mais uma coisa. Não é coincidência que estamos vendo recordes de casos pós Thanksgiving. Viagens são um problema enorme porque basicamente a gente acaba levando vírus pra regiões onde a pandemia esteve controlada
— Vitor Mori (@vitormori) December 5, 2020
Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas americano, previu o crescimento significativo de hospitalizações logo no dia seguinte ao feriado, em função dos deslocamentos. Segundo especialistas, as consequências da aceleração do contágio na Ação de Graças ainda não foram totalmente sentidos. E Fauci alerta para o fim do ano: "pela primeira vez em 30 anos não vou passar o Natal com as filhas", para evitar a chance de transmissão.
No último dia 8, circulou nas redes sociais o relato de Rebecca Karb, de um hospital do Estado americano Rhode Island. "Na noite passada, uma dos (muitos) pacientes com a covid-19 me contou que teve um grande jantar de Ações de Graças com a família - 22 pessoas. No dia seguinte, um parente testou positivo. Desde então (segundo a paciente), TODOS desenvolveram sintomas, alguns deles severos", escreveu ela.
Em 17 de novembro, o governador de Vermont, Phil Scott, já havia publicado nas redes sociais a análise das infecções registradas no Estado. Conforme o rastreamento realizado pelas autoridades locais, 71% dos novos casos diagnosticados desde o início do mês anterior estavam ligados a pequenas festas e encontros. As comemorações de Halloween, também tradicionais entre os americanos, contribuíram para o aumento de infectados.
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Para o pesquisador do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica do Hospital Universitário da USP, Marcio Bittencourt, o que se vê nos EUA é apenas o início do pico do Dia de Ação e Graças, que começa após duas semanas, "mas os valores mais intensos devem se dar por volta de quatro semanas". Ele ainda diz que "para nós a consequência mais intensa de possíveis grandes reuniões devido ao Natal e Ano Novo deve chegar no final de janeiro ou mesmo no início de fevereiro". Os reflexos vistos nos EUA, afirma, "devem ocorrer de forma parecida aqui no Brasil".
O Centro de Contingência de Combate à Covid-19, montado pelo governo João Doria (PSDB) para coordenar ações contra a propagação da doença no Estado de São Paulo, recomendou que as celebrações de Natal e ano-novo tenham até 10 pessoas. O ex-chefe do comitê de especialistas e professor de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) José Medina também destacou que esse tipo de encontro deve ter duração curta, preferencialmente por até uma hora.
O diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) braço da OMS para as Américas, Marcos Espinal, recomendou que a população evite deslocamentos. "Quem puder evitar de viajar nos feriados, que o faça. É muito melhor viver vários outros feriados do que ter problema neste", alertou.
Questionado sobre o uma possível segunda onda nos países das Américas, Espinal citou o Brasil como exemplo em que os números estão crescendo nas últimas semanas: "Como vimos na Europa, em que países passam por uma 2ª onda, também estamos vendo em países das América Latina um aumento de casos, sinais de uma 2ª onda. Entre eles o Brasil, que já está reportando mais de 50 mil casos, quando há um mês reportava em torno de 20 mil. Não se deve baixar a guarda. A população tem de fazer a sua parte", afirmou. / COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS