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Crianças podem ser as últimas a receber vacina contra covid

Por não serem o grupo mais afetado, elas entram mais tarde nos testes clínicos do imunizante; especialista acredita que população de faixa etária mais baixa será vacinada depois de 2021

24 set 2020 - 11h10
(atualizado às 11h19)
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SÃO PAULO - Quando uma vacina segura e eficaz contra a covid-19 estiver disponível à população, é provável que apenas adultos sejam imunizados primeiro. As crianças, grupo de menor risco para o novo coronavírus, entraram há pouco tempo em testes clínicos pontuais, então até que se confirme a devida segurança para elas, vai levar meses, talvez anos. Especialistas ouvidos pelo Estadão explicam que a prioridade é definida pelos dados epidemiológicos e que os pequenos não devem ser vacinados nem em 2021.

Funcionária no local onde são realizados os testes com potencial vacina contra Covid-19 da AstraZeneca com Universidade de Oxford na Universidade Federal de São Paulo 
24/06/2020 REUTERS/Amanda Perobelli
Funcionária no local onde são realizados os testes com potencial vacina contra Covid-19 da AstraZeneca com Universidade de Oxford na Universidade Federal de São Paulo 24/06/2020 REUTERS/Amanda Perobelli
Foto: Reuters

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a condução de testes clínicos de quatro candidatas ao imunizante. A que engloba participantes mais jovens é a produzida pela Pfizer junto com a BioNTech, que vai avaliar o produto em pessoas a partir dos 16 anos. Já a vacina elaborada pela Universidade de Oxford e a AstraZeneca, considerada uma das mais promissoras, incluiu idosos e crianças de 5 a 12 anos nos testes de fase 2 em maio deste ano apenas no Reino Unido. Aqui, a farmacêutica informou que "a prioridade atual é reunir evidências sobre o potencial da vacina para proteger as populações mais vulneráveis a resultados graves".

"A inscrição de crianças começará assim que dados suficientes forem reunidos em adultos, indicando que a AZD1222 tem potencial para ser seguro e protetor em crianças", disse a empresa. O mesmo caminho vai seguir o Instituto Butantã, que tem feito testes no País de um imunizante da chinesa Sinovac Biotech. O centro de pesquisa brasileiro vai aguardar os resultados de estudos clínicos em 552 voluntários saudáveis com idade entre 3 e 17 anos na China, que devem começar este mês. Só depois será definido se e como as crianças serão incluídas aqui.

No caso da vacina produzida pela Johnson&Johnson, também no Brasil, o estudo clínico de fase 3, cujo início foi anunciado nesta quarta-feira, 23, vai avaliar a segurança e eficácia do produto em cerca de 60 mil adultos com idades acima de 18 anos. Ainda não há informações sobre a inclusão de crianças nos testes.

Pensar em uma vacina para esse público exige certo cuidado, porque crianças não são simplesmente adultos em miniatura. Elas podem ter resposta imunológica diferente dos mais velhos e precisar de doses diferentes também. Especialistas afirmam que, no caso do imunizante contra a covid-19, os dados epidemiológicos e os primeiros achados sobre os impactos da doença nortearam as pesquisas. Desse modo, o foco está nos grupos com mais risco de complicações pela infecção, situação que não contempla as crianças.

"Em geral, essas fases de pesquisa focam nos grupos mais vulneráveis para determinada doença, mas, para chegar ao grupo, a pesquisa precisa de dados epidemiológicos que vão guiar para faixas etárias. Para covid, epidemiologicamente, são os idosos e profissionais da saúde, mas, na primeira fase, que tem uma abordagem inicial para avaliar a segurança e eficácia, os voluntários são adultos, jovens e saudáveis. Nas crianças, em relação à covid-19, foi observado que não era o grupo mais afetado em gravidade. Pode ter na transmissão, mas elas são as que melhor evoluem e têm menos gravidade", explica Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

Isso não quer dizer, porém, que os estudos com crianças não devam ser realizados. "É importante ter braços de pesquisa que apliquem nas crianças. Esta é uma doença nova. Com o retorno às aulas e da mobilidade, podemos ver o que não vimos com as crianças fora da escola", diz o médico.

Para Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), a imunização das crianças pode demorar. "As crianças não serão prioridade porque não adoecem com mais gravidade do que outros grupos e não transmitem com mais frequência. Em um plano de imunização, seriam vacinados os idosos, profissionais de saúde, doentes crônicos e as crianças estariam no último lugar da fila como estratégia em geral de programas públicos de imunização. É um erro esperar a vacina para voltar às aulas e para brincar, porque elas não serão vacinadas tão cedo. Acredito que nem em 2021 a gente vai vacinar as crianças."

Testes com crianças

Segundo Cunha, há testes de vacina que já começam com a participação de crianças, principalmente quando o imunizante é para este grupo, e outros em que elas são incluídas de acordo com o avanço das fases. A participação desses voluntários depende da autorização de um dos responsáveis.

"Para a pesquisa, precisa de autorização, que é o consentimento informado. A pessoa é informada do que está recebendo. Em fase 3, que é duplo cego, não necessariamente a pessoa vai receber a vacina, pode ser o placebo. O adulto lê, geralmente acompanhado pelo pesquisador para tirar dúvidas. O responsável tem de assinar e o ideal é que os responsáveis pela criança concordem para não causar uma crise familiar", diz o presidente da SBIm.

Kfouri explica que, no caso de recrutamento posterior de crianças, isso é feito após testes com adultos saudáveis. "Tanto os estudos de fase 1 e 2 quanto os primeiros em fase 3 foram indivíduos nessas condições, adultos, jovens e saudáveis entre 20 e 59 anos. Em um segundo momento, vendo que está indo tudo bem nas primeiras etapas de fase 3, vai se ampliando para outros grupos. Na vacina de Oxford, foram incluídos indivíduos com HIV positivo, com hepatite. Se a vacina é segura, vai incluindo. As crianças entram nessa segunda etapa um pouco mais avançada, onde já tem mais experiência com a vacina em jovens saudáveis."

Cunha relata que o recrutamento de voluntários que estão na infância não é mais difícil do que dos adultos. "É uma faixa etária mais vulnerável, por isso que tem mais vacinas na infância do que nas outras faixas etárias. É feito esse mesmo tipo de pesquisa, mas são mais demoradas. Algumas demoraram dez anos na fase de pesquisa até a utilização, mas não é difícil recrutar. Temos duas vacinas para rotavírus, que foram testadas só em crianças, e mais de 60 mil crianças participaram dos testes de cada uma."

O médico diz que, no caso de uma mesma vacina que pode ser aplicada em adultos e crianças, os testes ajudam a determinar a dose que será aplicada. "Temos algumas vacinas que a gente usa que são exatamente a mesma para adultos e crianças. Outras, são metade da dose, como a vacina da gripe para menores de três anos. Tem vacinas com quantidade de antígenos diferente, como difteria, tétano e coqueluche, que a aplicação em adulto é menor do que a apresentação para crianças. Outras que, no adulto, é uma dose. Em crianças menores de 1 ano, são várias doses para conseguir a mesma resposta. E a pesquisa clínica traz essas respostas."

Segundo Kfouri, a eficácia das vacinas também pode ser diferente. "A maioria das vacinas que a gente conhece tem eficácias diferentes nas diferentes populações. Nos idosos, por exemplo, é menor do que adultos e crianças."

Estratégia de vacinação contra a covid no Brasil

Em nota, o Ministério da Saúde informou que os grupos prioritários para vacinação contra a covid-19 estão sendo estudados pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI) e que a estratégia da campanha de imunização vai "considerar as 100 milhões de doses e a transferência de tecnologia, disponibilizadas no acordo com a empresa AstraZeneca". As doses serão repassadas para os Estados, que vão fazer a distribuição para os municípios.

Segundo a pasta, a avaliação do PNI vai considerar "análises epidemiológicas da situação no país e as evidências científicas disponíveis - considerando também os grupos mais vulneráveis à infecção e complicações da covid-19". O Ministério da Saúde informou que acompanha mais de 200 estudos de possíveis imunizantes que estão em andamento. "O Brasil, junto com outros países, estuda a possibilidade de adesão à Covax Facility, mecanismo de promoção de acesso global à vacina contra a Covid-19 criado no marco do ACT-Accelerator", completou.

A Anvisa informou que ainda não recebeu qualquer pedido de autorização para estudos clínicos em crianças. "Na semana passada, a Anvisa autorizou a condução do estudo da vacina de Oxford em voluntários de 16 a 18 anos, com base nos dados de segurança dessa população. Esse é o único caso em que voluntários menores de 18 anos poderão ser testados para vacinas da covid-19 no Brasil", disse em nota.

De acordo com o órgão regulatório, "os critérios para aprovação de estudos nessa população (infantil) seguem os mesmos critérios (dos adultos), considerando as especificidades de segurança a serem observadas, tendo em vista as características próprias das crianças no que diz respeito ao seu metabolismo".

Estadão
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