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Desnutrição de mães contribui para bebês com microcefalia

Estudo revela que alimentação pobre em proteína torna mulheres mais vulneráveis ao vírus zika; correlação foi feita por grupo de cientistas e publicado na 'Science Advance'

10 jan 2020 - 17h49
(atualizado às 18h12)
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RIO DE JANEIRO - Uma alimentação pobre em proteína torna mulheres mais vulneráveis a infecções e teria contribuído para o nascimento de bebês com microcefalia durante a epidemia de zika, em 2016 no Brasil. A correlação foi feita por um grupo internacional de cientistas que assina novo estudo publicado nesta sexta, 10, na Science Advance.

A hipótese foi testada originalmente em camundongos. O trabalho, feito na UFRJ, revelou que entre as roedoras infectadas por zika apenas as que tinham um déficit proteico significativo na alimentação tiveram filhotes com microcefalia. Dados epidemiológicos confirmaram a tendência também entre seres humanos.

"O que vimos no modelo animal foi muito impressionante", afirmou Patrícia Garcez, da UFRJ, uma das principais autoras do estudo. "Eles se tornaram muito mais suscetíveis à infecção, apresentavam uma carga viral maior e, além disso, vimos que o vírus causava uma alteração placentária muito maior do que a do animal controle. Essa barreira (a placenta) foi totalmente destruída."

Os cientistas, então, resolveram entrevistar mulheres que tiveram bebês com microcefalia para determinar seus hábitos alimentares. Os dados epidemiológicos revelaram que um percentual alto (40%) de mães que tiveram filhos com a chamada síndrome congênita da zika também apresentavam desnutrição proteica. Foram entrevistadas 83 mulheres no Ceará.

A epidemia de crianças nascidas com microcefalia no Nordeste do país já havia chamado a atenção dos especialistas. Em países desenvolvidos como os Estados Unidos, por exemplo, a transmissão vertical do vírus (de mãe para filho) é de menos de 1%. No Brasil, durante a epidemia de zika, esse percentual chegou a 43%, com a maioria dos casos concentrados no Nordeste.

Entre 2015 e 2016, cerca de 3 mil crianças nasceram com microcefalia, a maioria delas na empobrecida região Nordeste
Entre 2015 e 2016, cerca de 3 mil crianças nasceram com microcefalia, a maioria delas na empobrecida região Nordeste
Foto: DW / Deutsche Welle

A alimentação rica em carboidratos e pobre em proteínas é comum nas áreas mais pobres do país. Do ponto de vista do número de calorias ingeridas, a dieta pode estar dentro do padrão recomendado. O indivíduo pode até não ser magro; pelo contrário, tende ao sobrepeso. Mas a carência de alimentos ricos em proteínas (normalmente mais caras que os carboidratos) induz a uma deficiência do sistema imunológico, facilitando a infecção e a transmissão do vírus para o feto.

"Nas entrevistas vimos que a dieta dessas mulheres era muito rica em carboidratos e gorduras e pobre em proteína e outros micronutrientes importantes", afirmou a pesquisadora Jimena Barbeito, especialista em dieta hipoproteica. "Vimos que, ao longo de uma semana, o alimento mais consumido era o arroz, junto com o feijão."

De acordo com as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), o recomendável para um adulto é comer cerca de 60 gramas de proteína por dia. Para se ter uma ideia, um bife de tamanho médio tem 30 gramas. Em geral, nas regiões mais pobres, a carne é substituída por ovo (um ovo tem 7 gramas de proteína) ou por mais carboidrato, como arroz e farinha.

"Já estava muito claro que a pobreza e as condições sanitárias piores tinham contribuído para o problema", atesta a médica Adriana Melo, do Instituto de Pesquisa Professor Joaquim Amorim Neto, em Campina Grande, na Paraíba, a primeira a correlacionar o vírus zika ao nascimento de bebês com microcefalia. "Quem vive em áreas muito pobres tem mais exposição ao mosquito e as deficiências alimentares tornam o indivíduo mais suscetível a replicação viral. Faz todo o sentido."

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