Devo ou não usar máscara facial durante corrida ao ar livre?
Quando os Estados Unidos começaram a pedir às pessoas que usassem a proteção para reduzir a transmissão do coronavírus, algumas fizeram exceções ao exercício; no Brasil, ainda não há consenso
Jane Rosen começou a gritar em algum momento de abril. Em maio, tornou-se rotina. Os incidentes geralmente ocorrem perto de sua minivan, que ela estaciona ao lado do Central Park, na cidade de Nova York. Quando ela tenta entrar ou sair do veículo, um ciclista ou corredor passa rápido, tão perto que ela pode sentir o cheiro deles. "Grito: 'Onde está sua máscara?'", disse Rosen, de 73 anos.
A filha avisou que esses confrontos poderiam terminar mal. Mas parece que vale a pena, disse ela, porque vidas estão em risco. Ela teve cerca de 18 desses confrontos. O número seria maior, ela disse, se aventurasse com mais frequência. Primeiro, vamos às regras: os corredores precisam usar máscaras, certo? Não necessariamente. Quando cidades e estados dos Estados Unidos começaram a pedir às pessoas que usassem máscaras para reduzir a transmissão do coronavírus, algumas fizeram exceções ao exercício. Carregue uma máscara, muitos pareciam dizer, mas se você estiver sozinho em uma rua vazia, não precisará usá-la.
A cidade de Nova York declara explicitamente que as coberturas faciais não são necessárias ao caminhar, correr ou andar de bicicleta, se você puder manter distância. Da mesma forma, San Francisco instou os corredores a carregar uma máscara e colocá-la quando estiverem a menos de 10 metros de outras pessoas.
No Brasil, ainda não há consenso sobre o uso ou não de máscara facial durante a corrida ao ar livre. Mas especialistas defendem com unanimidade o distanciamento entre as pessoas no momento em que praticam a atividade física, evitando grupos e aglomerações. Mesmo com a flexibilização da quarentena em diversas cidades do País, as ações preventivas deverão ser mantidas.
É preciso ter atenção com a distância entre um corredor e outro. "No caso da pessoa parada, deve manter distância de 2 metros uma da outra, caminhando, 5 metros, e correndo, 9 metros de distância da pessoa à sua frente", afirma Jean Gorinchteyn, infectologista no Hospital Israelita Albert Einstein e no Instituto de Infectologia Emílio Ribas.
"Em nenhum momento o corredor deve deixar de usar a máscara. Em locais mais isolados, pode afrouxar, mas nunca tirar. O ideal é que a pessoa opte por horários mais alternativos, o que facilitaria para correr de forma mais confortável", orienta o especialista.
Ele reforça ainda a necessidade de a máscara ser trocada com frequência durante a corrida. "Não existe uma máscara adequada. A pessoa pode usar uma de tecido mesmo, mas deve substituir por uma limpa sempre que estiver molhada, em média, no intervalo de 30 minutos para quem transpira mais, pois quando está úmida ou molhada, a máscara perde a barreira de proteção".
Há 15 dias, a aposentada Tereza Rostirola, de 71 anos, retomou a corrida, atividade que pratica há mais de 11 anos. Ela se encontra com a amiga - a uma distância considerável de segurança - e correm, em média, dezoito quilômetros.
Por fazer parte do grupo de risco da covid-19, ela optou por correr por volta das 6h30 da manhã, horário com menos movimento nas ruas. "Corro com máscara, tomando todos os cuidados. No começo foi terrível. Ficava sufocada. Parava bastante para respirar. (A máscara) acaba segurando a respiração, mas acho que é mais costume. Hoje não me incomoda tanto. O único detalhe é que a máscara acaba molhando muito". Ela confessa, porém, que não leva máscaras reservas, embora corra por mais de uma hora três vezes por semana.
A atenção precisa ser redobrada para pessoas que fazem parte do grupo de risco da covid-19. "Devem evitar sair, porém as que saem para correr ao ar livre devem seguir todas as precauções para evitar a contaminação pelo novo coronavírus", lembra Gorinchteyn.
Já o clínico e infectologista Paulo Olzon, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) acredita que a máscara não é necessária durante corrida ao ar livre. "A possibilidade de contaminação é muito pequena quando a pessoa está correndo ou andando de bicicleta em espaço aberto, o que não vale dentro de uma academia, por exemplo. Não existe concentração de vírus nessa situação, pois existe uma renovação do ar quando se pratica atividade ao ar livre. É diferente de situações em locais fechados como supermercados e transporte público", diz Olzon. Para ele, usar máscara quando você está correndo é muito desconfortável e dificulta a respiração. No entanto, defende que a pessoa dê preferência para correr sozinha, mantendo sempre a distância recomendada da pessoa que esteja à sua frente.
O bancário Leandro de Mello Silva Barbassa, de 26 anos, corre ao ar livre há quase um ano. "Em média, corro 7 quilômetros, três vezes por semana, geralmente por volta das 18h. Eu tentei, mas o uso da máscara atrapalha meu desempenho, por isso procuro evitar estar próximo das pessoas enquanto corro. O suor faz a máscara grudar no rosto e a respiração acaba não fluindo. E o fôlego é um dos fatores principais para manter o desempenho", diz Barbassa.
Ainda não existem evidências científicas suficientes para exigir o uso da máscara durante a prática da corrida. Entretanto, o uso da proteção é recomendado como forma de diminuição do contágio pelo vírus. "Sem máscara, o risco de transmissão aumenta. Mesmo em locais abertos, todos estamos suscetíveis ao contato com gotículas deixadas por alguém que passou naquele local antes da gente", afirma André Vinícius Bastos Coutinho, fisioterapeuta intensivista do Hospital Anchieta em Brasília e professor de fisioterapia pneumológica da Faculdade Sena Aires.
"Como corredor posso dizer que a máscara dificulta muito a corrida. Ela esquenta e fica molhada. É muito comum a pessoa começar a correr com máscara e depois tirar o acessório, mas a proteção usada corretamente é essencial durante a pandemia", avalia Coutinho.
Não há nenhuma máscara indicada para corrida. "Recomendamos que ela tenha um filtro entre as camadas de tecido, que vai diminuir a capacidade de contágio. As máscaras de tecidos mais leves, como microfibra, são mais aconselhadas. De algodão, é muito pesada. A máscara cirúrgica pode ser utilizada também. Mas é preciso saber que não há máscara ideal. Todas vão limitar a capacidade de respiração, dificultar a troca dos gases (oxigênio e gás carbônico), vão ficar úmidas e precisam ser trocadas durante a atividade. O correto é sempre levar uma máscara reserva". Outra dica é a possibilidade de ajustar o treino. "A pessoa deve usar máscara, independentemente de ser ou não confortável. O que ela pode fazer é diminuir a intensidade da prática da corrida e o tempo de duração, desta forma, pode ganhar ainda em vida útil da máscara", aconselha o fisioterapeuta.
Em um informe divulgado em abril, a Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (SBMEE) lembrou que um estudo belga-holandês sugeriu que o distanciamento mínimo preventivo de 1 a 2 metros entre pessoas deve ser maior quando se está em movimento (caminhada, corrida ou pedalando ao ar livre). "Isto porque haveria a possibilidade de uma pessoa se exercitando, em movimento, ter contato com eventual 'nuvem' de gotículas expelidas por alguém infectado e treinando à sua frente. Dependendo da atividade e sua velocidade de deslocamento (e até do vento, bem como sua direção), o distanciamento precisaria ser maior, podendo variar e chegar até, pelo menos, 20 metros. Certamente, mais pesquisas sobre isso são necessárias, para endossar essas conclusões", diz o documento.
Ciclista há quase dez anos, Rogério Viduedo, de 50 anos, sente falta de andar de bicicleta com mais frequência nas ruas da cidade. Desde o início da quarentena sai de casa apenas para atividades essenciais. "Meu exercício físico é andar de bicicleta. Aproveito horários mais calmos para ir de bicicleta ao supermercado ou à farmácia. Acabo não resistindo e fazendo um caminho mais longo para exercitar um pouco", confessou Viduedo. Quando sai durante o dia de bike, ele usa sempre óculos escuros, máscara e capacete. "A máscara me incomodou no início, mas agora já me acostumei". / Colaborou Renata Okumura