Dezembro Vermelho: Brasil tem menos crianças com Aids, mas desafio é eliminar transmissão vertical
Segundo o Ministério da Saúde, o contágio do HIV que se dá da mãe para o filho ainda bebê foi responsável por cerca de 77,9% dos casos notificados em menores de 13 anos em 2020
Entre 2010 e 2020, o Brasil apresentou uma redução de quase 70% na taxa de detecção da Aids, síndrome causada pelo vírus HIV, em crianças menores de 5 anos. O País, no entanto, continua com altos números de gestantes infectadas com HIV, o que faz com que o alerta para a transmissão vertical permaneça ativo. No Dezembro Vermelho, de mobilização da luta de combate à Aids, há ainda outros desafios a serem lembrados, como a importância de ter um diagnóstico adequado e o início imediato do tratamento.
De acordo com Boletim Epidemiológico da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde , o contágio que se dá da mãe para o filho ainda bebê foi responsável por cerca de 77,9% dos casos notificados de Aids em menores de 13 anos em 2020.
Ainda conforme o boletim, em um período de dez anos, houve um aumento de 30,3% na taxa de detecção de HIV em gestantes, o que pode ser explicado, em parte, pela ampliação do diagnóstico no pré-natal e a melhoria da vigilância na prevenção da transmissão vertical do HIV.
A diretora e representante do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids) no Brasil, Claudia Velasquez, explica que o País tem condições de eliminar a transmissão, mas as barreiras de acesso à prevenção por meio do pré-natal e pós-natal afetam o atendimento completo da gestante ou da lactante.
"Uma importante estratégia no enfrentamento desse tipo de transmissão é a PrEP (Profilaxia Pré-Exposição ao HIV) para gestantes. No entanto, nem todos os municípios ainda ofertam."
A PrEP citada pela diretora é um método de prevenção à infecção que consiste no consumo diário da combinação de dois medicamentos, tenofovir e o entricitabina, em um comprimido que permite ao organismo estar preparado para enfrentar um possível contato com o HIV. Para gestantes, a medicação é usada em casos de riscos de contaminação durante a gravidez.
O infectologista Rodrigo Molina, da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), acrescenta que a PrEp não é o único tratamento. Além dele, existem a Profilaxia Pós-Exposição (PEP), após ter tido o contato com o vírus, e a terapia antirretroviral, que pode prolongar expressivamente a vida de pessoas infectadas pelo HIV e diminuir as chances de transmissão. "Todos fornecidos pelo Ministério da Saúde", diz.
O acesso a esses serviços e tratamentos, no entanto, ainda não é alcançado por todos. Em 2021, de acordo com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Brasil registrou mais 135 mil casos de infecção por HIV em crianças e jovens de até 24 anos. Na faixa dos 2 a 17 anos, apenas 5.875 faziam uso da terapia antirretroviral.
"No Brasil estima-se que 27% das pessoas vivendo com HIV ainda não recebem o tratamento antirretroviral que pode salvar suas vidas. É preciso avançar muito mais nos mecanismos que permitam o diagnóstico no tempo adequado e a imediata adesão ao tratamento antirretroviral e ao acompanhamento de saúde", explicou Claudia.
Estigmas
A discriminação e estigmas acerca da doença também figuram como alguns dos principais obstáculos à eliminação da transmissão do HIV de crianças e adolescentes.
Além do medo da exposição que impactam a saúde mental, o tratamento desumanizado de profissionais desatualizados e a falta de adaptação das políticas públicas às necessidades específicas das populações mais jovens também influenciam, avalia Claudia.
"A informação sobre as pessoas em tratamento do HIV e acompanhamento médico terem a carga viral indetectável no corpo e, portanto, não transmitirem o vírus a outras pessoas, reduz estigmas e pode ajudar as juventudes a lidar com os desafios dos relacionamentos", explica Claudia.
A representante da Unaids também destaca a importância de uma "comunicação adaptada" na hora de informar a criança ou adolescente contaminado por HIV por meio de transmissão vertical sobre sua condição.
"A infância deve ser respeitada em cada uma de suas etapas, cada etapa há um limite para o entendimento. Para adolescentes e jovens é ainda mais importante partir de suas perspectivas, usando instrumentos lúdico e/ou tecnológicos que melhor se aproximem de suas realidades individuais, coletivas e que possam ser compartilhado por eles, na linguagem deles e sob uma perspectiva antidiscriminatória, que os sensibilize e empodere por meio da informação", afirma.
Como o pré-natal auxilia na prevenção ao HIV?
O diagnóstico no pré-natal permite que sejam realizados todos os protocolos para a gestação, o parto e o recém-nascido que reduzem o risco de infecção do HIV a menos de 2%, por meio da inserção de tratamentos, como o próprio PrEP ou outros. Sem os cuidados, o risco de transmissão passa a ser de 30%.
O estudo Nascer no Brasil, de 2020, realizado pelo Grupo de Pesquisa da Mulher, da Criança e do Adolescente da Fiocruz, mostra que, apesar de a assistência pré-natal alcançar mais de 90% das gestantes do País, a maior parte delas não realiza o número mínimo de consultas recomendadas.
A diferença se torna maior nas regiões Norte e Nordeste, onde a inadequação do número de consultas é de 42,7% e 34,3% respectivamente.
A recomendação do Ministério da Saúde é de início das consultas, pelo menos, até a 12ª semana de gravidez e no mínimo oito ao longo da gravidez. No entanto, 46% das gestantes brasileiras iniciam seu pré-natal tardiamente.
Todas as gestantes devem fazer a testagem para HIV, com o teste rápido diagnóstico anti-HIV e/ou a sorologia anti-HIV. A preferência é que seja realizado no primeiro trimestre, e repetido no terceiro trimestre. Sem o pré-natal em dia, o diagnóstico pode ocorrer de forma mais tardia ou até mesmo no trabalho de parto.
A detecção do vírus durante o pré-natal permite que o tratamento seja iniciado mais cedo, prevenindo a transmissão da mãe para o filho. Há, ainda, um acompanhamento completo da gestação até a amamentação. O diagnóstico e tratamento precoces também permitem que o vírus do HIV seja controlado e não se desenvolva para a Aids.
"Ela vai poder ter uma vida normal, porém com o uso da medicação específica para o HIV. Também irá ser orientado que essa mãe não vai poder amamentar, mesmo que ela esteja com a carga viral indetectável", explica Rodrigo Molina. A criança, caso ocorra a contaminação vertical, também terá de fazer um acompanhamento com medicação diferenciada para que não adquira a doença e se mantenha indetectável.
Aumento nas taxas de infecção e mortalidade em adolescentes e jovens adultos
A diretora da Unaids ressalta que, embora tenha havido uma redução das taxas de infecção por HIV e mortalidade por Aids entre menores de 14 anos nos últimos dez anos no Brasil, no mesmo período, as mesmas taxas aumentaram entre adolescentes e jovens de 15 a 19 anos e entre os de 20 e 24 anos de idade.
"O que chama atenção é o recorte racial, econômico e social. Adolescentes e jovens negros, entre eles meninos e meninas, têm sidos os mais afetados pelas novas infecções e pela fatalidade da morte por Aids no País", afirma.
Em setembro deste ano, o Ministério da Saúde atualizou o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) sobre Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP) abrangendo o tratamento por meio do Sistema Único de Saúde para pessoas acima de 15 anos com vidas sexualmente ativas.
"É um avanço, mas ainda precisamos incidir mais sobre questões estruturais e sociais, como ampliar o conhecimento sobre prevenção combinada ao HIV entre os adolescentes e enfrentar as situações de estigma e discriminação que afetam essa população", diz ela.
As desigualdades ainda são amplificadas quando se tratam de jovens travestis e mulheres trans, pessoas em situação de rua ou privadas de liberdade.