Script = https://s1.trrsf.com/update-1730403943/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

Doença rara faz jovem consumir 20 kg de amido de milho por mês desde a infância; “ninguém sabia”

Conheça Letícia Ramos, a ‘Rainha da Maisena’ que viralizou compartilhando curiosidades sobre sua rotina que antes era vivida em segredo

5 out 2022 - 15h44
(atualizado às 19h10)
Compartilhar
Exibir comentários
Letícia Ramos foi diagnosticada com glicogenose aos dois anos e meio; desde então, ela precisa consumir amido de milho de três em três horas como parte do tratamento
Letícia Ramos foi diagnosticada com glicogenose aos dois anos e meio; desde então, ela precisa consumir amido de milho de três em três horas como parte do tratamento
Foto: Arquivo Pessoal/Letícia Ramos

De três em três horas, desde antes de completar três anos de idade, Letícia Ramos precisa tomar uma dose de amido de milho cru com água. Isso porque a jovem, de 31 anos, é diagnosticada com uma doença rara chamada glicogenose. Ao longo de todos esses anos, sua doença foi um segredo até para suas melhores amigas. Mas, agora, após um vídeo curioso sobre sua rotina, Letícia viralizou na internet e passou a ser conhecida como ‘Rainha da Maisena’.

Tudo começou na sua primeira infância, quando sua barriga começou a ficar muito inchada, sua pele esverdeada, sua urina escura e Letícia passou a ter convulsões. Ela, que mora em Uberaba, Minas Gerais, conta que sua família a levava a médicos da região que diziam ser dor de barriga e, até mesmo, cogitaram hepatite.

Até que um dia ela teve uma séria convulsão e seus pais decidiram não sair do hospital até descobrirem o que a menina tinha. Ao fazerem biópsia de seu fígado, descobriram uma deficiência no armazenamento do glicogênio. Ela foi levada a um hospital de São Paulo com urgência e, pela primeira vez, teve contato com a maisena, que deveria ser ingerida de três em três horas, mesmo de madrugada.

Nas idas intensas a São Paulo, tudo foi muito difícil. Seu pai chegou a perder o emprego e dormia dentro do "corsinha 94” da família, como conta Letícia, enquanto sua mãe a acompanhava no quarto do hospital. 

“Os médicos achavam que eu não ia sobreviver”, diz a jovem, que na época foi proibida de ingerir qualquer outro alimento, até o leite materno. Quando seu quadro melhorou, pode voltar a comer “alimentos comuns”, mas ainda sem ingerir frituras, gorduras, açúcar e álcool - “que não posso nem chegar perto”, brinca, admitindo já ter experimentado uma única vez, molhando o dedo e passando na língua para matar a curiosidade.

Letícia relembra que sua infância foi muito difícil e que sofria muito na escola. Por vergonha, ela não contava da doença nem para suas professoras. “Eu esperava o intervalo e corria para o banheiro, para comer a maisena escondida”, conta. Como sua barriga começou a desinchar apenas por volta de seus 16 anos, chegaram até a perguntar para sua mãe se ela estava grávida enquanto criança.

Na adolescência, ela perdeu um ano de estudos por conta de um surto de dengue que preocupou seus médicos. Com o tempo, em meio aos desafios, Letícia diz que foi aprendendo a lidar, mas que seguiu levando a doença rara como um segredo. “Eu tinha que ir muito para São Paulo fazer exames, mas nunca contava o real motivo para as pessoas”.

Já adulta, Letícia chegou a pesar 45 kg. Após ter ficado sem andar, por complicações decorrentes da doença, ela conseguiu recuperar o movimento de seu corpo por meio de tratamentos com pilates. Depois, ela arriscou começar a academia e descobriu uma de suas grandes paixões
Já adulta, Letícia chegou a pesar 45 kg. Após ter ficado sem andar, por complicações decorrentes da doença, ela conseguiu recuperar o movimento de seu corpo por meio de tratamentos com pilates. Depois, ela arriscou começar a academia e descobriu uma de suas grandes paixões
Foto: Arquivo Pessoal/Letícia Ramos

Reconhecimento

Foi apenas aos 22 anos que Letícia encontrou outras pessoas com o mesmo diagnóstico que o seu, ao ir em um congresso de glicogenose em Ribeirão Preto. Na sua cidade, quando ela precisava de algum atendimento, tudo sempre foi uma novidade para os profissionais da saúde. “Até hoje, não tem ninguém com a mesma doença que eu onde eu moro”.

Mas esse cenário mudou um pouco depois que Letícia publicou um vídeo tomando amido de milho, no início do ano. Brincando com a frase “se tá difícil pra você, imagina pra mim que tenho que tomar um copo de maisena com água de 3 em 3 horas, até de madrugada, pra não entrar em coma”, a jovem que mantinha seu diagnóstico em segredo começou a viralizar.

“Eu tinha muita vergonha. Como eu não mostrava meu rosto nese vídeo, tinha que decidir se eu apagava e fingia que nada aconteceu, ou se voltava e explicava sobre minha doença”, conta.

Vencendo a timidez, motivada pela curiosidade das pessoas sobre sua vida, ela decidiu seguir e gravar outro vídeo falando sobre sua doença. “Minhas amigas mais próximas não sabiam que eu vivia assim antes do vídeo, sempre fui muito discreta, tomava minha maisena escondidinha. Ninguém sabia e foi assim a minha vida toda”.

A escolha que Letícia tomou naquele dia mudou seus rumos. Agora, a Rainha da Maisena, como foi apelidada na internet, reúne quase 40 mil seguidores no TikTok, com vídeos ultrapassando até 9 milhões de visualizações, sempre com bom humor.

“Quanto mais eu falava, mais as pessoas queriam saber. Mas o que começou com brincadeiras sobre o meu dia a dia se tornou algo muito grande”, reconhece, orgulhosa. Sua visibilidade levou sua história de superação para muitas pessoas que, assim como ela, antes não tinham referências de casos de glicogenose. “Agora eles não se sentem mais únicos e sozinhos”.

Pensando em ajudar a causa, depois de tudo que tem vivido nos últimos meses, Letícia pretende se empenhar para mostrar que a glicogenose existe e que é muito séria. Há alguns anos, ela passou a integrar a Associação Brasileira de Glicogenose (Abglico) e tem um grupo de mensagem com cerca de 200 pessoas de todo o Brasil, que também lidam com a doença. Sua ideia é, agora, potencializar ainda mais essa rede de apoio.

Perrengues

Ter que andar por aí com saquinhos transparentes cheios de amido de milho durante toda a vida, em segredo, não foi fácil - mas rendeu boas risadas a Letícia. Ela conta, por exemplo, que já foi barrada em uma festa por guardas do evento pensarem que ela estava portando drogas.

Rindo enquanto relembra o caso, que viveu com uma amiga que ‘não entendeu nada’, Letícia diz que teve que ir embora da festa, porque teve o amido de milho confiscado. Depois disso, que aconteceu em sua adolescência, a Rainha da Maisena começou a andar com um laudo médico que comprova sua doença rara. A situação até inspirou a jovem em um de seus vídeos:

@leticia_ramoos #doencasraras #maizena #foryou #viralvideo #rainhadamaizena #baculejo ♬ som original - Leile_music

Mas, além dessas situações mais cômicas, um dos 'perrengues' que Letícia enfrenta é com relação aos gastos em torno do tratamento da glicogenose. Além da maisena, que custa em média R$ 500 reais por mês, ela toma cerca de 12 comprimidos por dia, durante as refeições - estes, pelo Governo. Mas, somando os custos de idas aos médicos de São Paulo e um bom plano de saúde que tem que arcar, Letícia gasta em média R$ 1500 reais por mês para lidar com a doença de forma estabilizada.

Por conta de suas restrições de alimentação, esforço físico e cuidados contínuos com a saúde, ela não conseguiu se manter contratada em trabalhos externos. “O trabalho exige muito de uma pessoa, já tentei várias vezes e passava mal”, conta. 

A solução, então, foi começar a trabalhar junto com seus pais na pizzaria que eles têm dentro de casa. Mas, quando sobra tempo, Letícia, que é musicista, toca em barzinhos e em casamentos. “É um hobbie que me deixa calma e feliz”.

Letícia Ramos é auxiliar de cozinha na pizzaria de seus pais, conseguindo conciliar seus cuidados médicos com a rotina de trabalho
Letícia Ramos é auxiliar de cozinha na pizzaria de seus pais, conseguindo conciliar seus cuidados médicos com a rotina de trabalho
Foto: Arquivo Pessoal/Letícia Ramos

Conquistas

Apesar de todas as dificuldades, Letícia diz que se sente muito realizada por tudo que tem conquistado. “Deus não erra de endereço. Se eu consegui chegar onde cheguei, tinha que passar por isso”, acredita. 

A conquista que mais a orgulha foi ter conseguido seu diploma em Direito, mesmo tendo ficado mais de um ano indo para a faculdade de cadeira de rodas por teve uma grave doença neuromuscular em decorrência da glicogenose.

A motivação para persistir foi a luta de anos de família: “Minha mãe sempre teve muitos direitos negados enquanto cuidava de mim, com a faculdade eu fui entendendo melhor todos os direitos que os portadores de doenças raras tem”.

Foi por meio de sua formação em Direito que Letícia conseguiu entrar com uma ação e realizar o exame que detecta o tipo de sua gligogenose. "É um exame muito caro, de quase R$ 10 mil reais. Passei a vida toda esperando na fila do SUS para fazer, nunca conseguiríamos pagar isso nessa vida, ainda mais vendendo pizza", brinca.
Foi por meio de sua formação em Direito que Letícia conseguiu entrar com uma ação e realizar o exame que detecta o tipo de sua gligogenose. "É um exame muito caro, de quase R$ 10 mil reais. Passei a vida toda esperando na fila do SUS para fazer, nunca conseguiríamos pagar isso nessa vida, ainda mais vendendo pizza", brinca.
Foto: Arquivo Pessoal/Letícia Ramos

O que é glicogenose?

A glicogenose é uma doença rara, genética e hereditária, em que a deficiência de uma enzima afeta o metabolismo do glicogênio, explica a Dra Paula Ariane Silva Conceição. 

A proporção é, em média, de 1 pessoa com glicogenose para 25 mil nascidos vivos. Essas pessoas têm deficiência na enzima que converte o glicogênio em glicose. “Isso resulta no depósito de glicogênio no fígado e músculos, assim como em falta de energia no organismo, causando hipoglicemias (redução de açúcar no sangue) graves e frequentes”, conta a médica.

Além disso, em consequência da doença, o paciente pode sofrer convulsões, alteração do crescimento, infecções de repetição, aumento dos níveis de colesterol e, em alguns casos, ter os rins afetados.

“A doença não tem tratamento, mas tem controle”, ressalta, informando que o paciente precisa de cuidados multiprofissionais com nutricionistas, geneticistas, endocrinologistas e fonoaudiólogos, por exemplo. No que diz respeito à alimentação, um dos pontos centrais do tratamento, cada tipo de glicogenose requer restrições específicas. Mas, no geral, é preciso abrir mão de açúcares, alimentos industrializados, gordurosos e, às vezes, da lactose.

Assim surge a importância do amido de milho cru para tratamento de glicogenoses hepáticas. “É um carboidrato complexo, de liberação lenta, que mantém a glicemia normal por mais tempo”, explica a médica, que vê a alimentação regrada como fator primordial.

Fonte: Redação Terra
Compartilhar
Publicidade
Seu Terra












Publicidade