'Popeye brasileiro': injeção de óleo pode levar à morte
Especialistas explicam que aplicações de óleo mineral podem causar perda dos músculos, necrose e embolia pulmonar
Na última semana, um homem ganhou as páginas dos jornais internacionais por ter se transformado no “Popeye Brasileiro”. Arlindo de Souza, que também atende por apelidos como “Arlindo Anomalia” e “Montanha”, ficou conhecido em sua cidade, Olinda, Pernambuco, por sua curiosa forma física.
Cheio de aparentes músculos, ele injetou óleo mineral em diversas partes do corpo para conseguir este aspecto volumoso. No entanto, a técnica é arriscada e pode levar à morte, segundo especialistas ouvidos pelo Terra. O próprio Arlindo relatou, em entrevista ao jornal britânico Daily Mail, a morte de um colega, acrescentando que hoje em dia não faz mais uso da substância.
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O problema já começa com a ilusão que o óleo mineral causa, conforme explica Paulo Olzon Monteiro da Silva, clínico e presidente da Associação dos Médicos da Escola Paulista de Medicina (AMEPM-SP).
Ele afirma que, diferentemente das próteses de silicone, que vêm em um invólucro e com uma forma pré-definida, o uso de óleos ou outras substâncias líquidas, injetadas indiscriminadamente, pode deformar o corpo e causar justamente o efeito inverso: um aspecto deformado. “Se você injetar no bíceps, a tendência é este líquido descer para a parte inferior do braço”, observa.
Barbara Machado, chefe da equipe médica da Clínica Ivo Pitanguy, no Rio de Janeiro, concorda que, por não ter formato definido, a substância pode fazer verdadeiros estragos no corpo. “Pode causar deformações com aspectos grotescos”, afirma.
Saúde em risco
Para além da parte estética, estão os riscos à saúde. Estes sim podem virar um problema para o resto da vida e acabar levando quem pratica este hábito à morte.
Segundo Bárbara, a substância pode desencadear um quadro de embolia gordurosa. “As partículas de gordura injetadas podem atingir os órgãos, podendo até matar dependendo da quantidade que foi injetada".
Ela explica também que, se o órgão afetado pela gordura for o pulmão, a substância pode causar falhas na circulação do sangue, interferindo o padrão respiratório e resultando em embolia pulmonar, que leva a pessoa a óbito com insuficiência respiratória.
As infecções também são problema frequentes, explica a especialista, já que dificilmente estas soluções são esterilizadas antes de serem aplicadas.
Além de também poder levar o paciente à morte, a infecção pode evoluir para o quadro de necrose, que, segundo a cirurgiã, é a morte de um pedaço de tecido. “A pele morre, fica escura, e o paciente tem que ir para a sala de cirurgia arrancar esta pele e talvez fazer um enxerto com tecido de outras partes do corpo”, explica.
O ato de injetar o óleo, por si só, também é arriscado, avisa Paulo. “Ele pode sem querer romper um vaso e este óleo penetrar na circulação".
Para os fãs dos músculos, o efeito a longo prazo pode de fato trazer complicações severas. Dependendo do grau da lesão ocasionada pelo óleo mineral, a pessoa pode não só ter o efeito contrário do esperado como também ter um processo inflamatório mais forte que acarrete em perda muscular. “Pode ainda ocorrer a perda da capacidade de movimentação, dependo da gravidade”, ressalta a cirurgiã.
Sintomas
Entre os sintomas mais comuns que indicam algum dos problemas citados acima estão tosse seca e falta de ar, no caso de embolia pulmonar; e dor no local, sensação de latejamento e vermelhidão, com ocorrência de pus, nos casos de infecção, explica Bárbara.
Ela afirma ainda que o problema pode ser silencioso: embora os danos possam não aparecer de imediato, em muitos casos eles se manifestam até nove anos mais tarde.
Sem volta
Ambos os profissionais alertam que a maior parte dos casos é irreversível, porque, uma vez que a substância penetra no corpo, acaba se misturando a outros tecidos e fica impossível fazer a retirada.
Paulo afirma que o caso só é passível de tratamento se a pessoa procurar ajuda quando com a aplicação ainda for recente e, mesmo assim, tiver a sorte de ter o líquido concentrado em um único lugar. “Temos músculos e tendões que são separados por espaços, e este óleo vai entrar entre essas estruturas. Com o tempo ele se desloca”, esclarece.
Barbara relembra o caso de um paciente que, segundo ela, foi uma das raras exceções em que foi possível retirar o óleo mineral injetado por ele no próprio bíceps. Ao contrário do efeito esperado – o aspecto de músculos fortes e volumosos –, o líquido desceu, migrando para a parte inferior do braço, deformando o local.
Segundo ela, o óleo causou infecção e o paciente acabou na mesa de cirurgia. Na tentativa de remoção, a especialista usou a técnica de drenagem. Segundo ela, o paciente teve sorte neste caso, pois a substância havia se concentrado em uma única região. “Mas o óleo mineral geralmente penetra nas fibras musculares e fica impossível fazer a remoção”, alerta.
A pessoa, então, ganha um problema permanente. Segundo Bárbara, muitos passam a vida à base de anti-inflamatórios pesados, como o corticoide, para tentar controlar a infecção. “Não tem outra solução”, afirma, acrescentando que as cirurgias para tentar remover o óleo já penetrado nos tecidos são muito agressivas.
Em busca do corpo perfeito
Barbara afirma que a busca por métodos alternativos e altamente arriscados, como a injeção de substâncias, não é algo novo, e nem raro, mesmo com todos os contras embutidos neste hábito. “Este tipo de preenchimento já foi testado há anos com silicone industrial e até mesmo com parafina”.
Segundo ela, existem muitos relatos de morte por esta prática. “Não foram poucos os casos no Brasil". Ela acredita que o aumento da procura pelo óleo mineral se deu pelo fato de ser acessível, “achado em qualquer farmácia”, e barato. “Mas é o barato que sai caro”, pontua.
Paulo também relata o caso de uma paciente que usou silicone líquido nos glúteos e teve problemas depois. “A substância desceu para as pernas e hoje ela tem um edema”, afirma.
Além do silicone líquido, outra novidade arriscada que Barbara tem notado é o uso do polimetilmetacrilato, um derivado do acrílico. “Existem casos de pessoas que injetam nos lábios, no glúteo e nas pernas, mas isso pode trazer complicações crônicas agudas”, alerta.
Fora do campo das substâncias, a busca pela perfeição por meio de intervenções cirúrgicas estéticas também só aumenta, segundo relata a especialista.
As próteses tradicionais de silicone, antigamente restritas aos seios e ao bumbum, avançam cada vez mais para áreas até então pouco comuns, como o peitoral, no caso dos homens, bíceps, quadríceps, panturrilha e parte interna da coxa. “Notei muita procura nos últimos anos. As próteses simulam um ganho de volume e são feitas de gel de silicone, que é maleável, mas ao mesmo tempo mais sólido".