"Tinha vergonha do espelho", diz mulher que chegou a pesar 24 Kg
Aos 34 anos, ex-gerente de restaurante sofre com segunda crise de disfunção alimentar; na adolescência, fez longo tratamento contra bulimia
Em meio a uma grave crise de anorexia nervosa que poderia levar a ex-gerente de restaurante Aline Alves da Silveira Souza, de 34 anos, à morte, a família dela resolveu pedir ajuda. A mulher, que mora em Bauru, no interior de São Paulo, luta pra vencer o distúrbio alimentar pela segunda vez. Aline, que tem 1,56 m de altura, pesa atualmente 27 kg, quase a metade do peso considerado ideal para uma pessoa com a altura dela (entre 46 e 53 kg), explica a nutricionista Marcela Gomes dos Santos Silva, que acompanha o caso de perto.
Assim que foi internada, seu IMC (Índice de Massa Corporal) era de apenas 11, bem abaixo da medida de uma pessoa considerada magra, quando o índice varia entre 18 e 25. A família da jovem entrou em desespero quando a viu pesar 24 kg e se alimentar apenas de água e isotônico. A mãe dela, Terezinha Alves da Silveira Costa, que veio de Petrópolis (RJ) em socorro à filha, buscou ajuda em diversos hospitais públicos e clínicas particulares de Bauru, mas o socorro lhes foi negado.
“Levavam ela pra Upa (Unidade de Pronto Atendimento), davam soro e traziam de volta para casa. Os médicos faziam pouco caso. Chegaram a colocar ela no Resgate e disseram ‘não adianta levar para a Upa porque a Upa está cheia e ela vai ficar no corredor tomando soro, então é melhor deixar em casa. E ela já estava bem acabada, parecia uma morta viva”, conta a mãe.
“Em outra vez ela foi levada para o hospital estadual entrando em óbito, mas consciente. Lá ela só ficou uma semana internada depois de muita briga e porque eu ameacei chamar a televisão. Eles trataram a parte clínica, mas não a anorexia”, revelou.
Aline só conseguiu assistência médica por intermédio da filha de uma prima que, desesperada com a situação, mostrou fotos da jovem a uma médica psiquiatra. A imagem da mulher magra e com os ossos já muito visíveis chocou a psiquiatra que prestou os primeiros atendimentos e conseguiu um leito de internação na Santa Casa de Piratininga, município vizinho a Bauru, onde dá plantões.
“Quando vi a foto percebi que era um caso de emergência e não teria como não tratar. Nesse momento eu comecei a ligar para ver onde poderia interná-la. A Aline ficava sem comer, às vezes não tomava nem líquido, às vezes ela ficava de pé para gastar mais energia, isso tudo para emagrecer. Só que chegou um ponto que ela emagreceu muito e começou a sentir sintomas de fraqueza, perda de cabelo, os dentes ficaram mais amolecidos e ela começou a ter vergonha de sair na rua porque as pessoas perguntavam se ela tinha outra doença, se ela tinha Aids”, afirma a psiquiatra Vanessa Romera Gimenes.
Anorexia nervosa
A psiquiatra explica que a anorexia nervosa causa perda de peso excessiva e pode levar o paciente à morte. “Anorexia é uma fuga, é uma forma que ela encontrou pra se proteger de algumas coisas que a incomodavam. Todos nós temos meios de proteção, alguns saudáveis e outros não”, disse.
Isso justificaria as duas vezes em que Aline precisou de tratamento contra anorexia nervosa. Ainda na adolescência, aos 13 anos, ela sofria bullying dos colegas de escola por estar acima do peso. Na época ela também decidiu deixar de comer em busca do corpo ideal. Além disso, ela provocava o vômito do pouco alimento que ingeria e desenvolveu bulimia. A mãe conta que foram três longos anos de batalha contra o distúrbio alimentar até então desconhecido pela maioria dos médicos. “Ela chegou a perder 20 kg em um mês e meio”, recorda a mãe.
Após superar a primeira crise, Aline casou-se e teve uma filha, hoje com 12 anos, e que ela considera seu principal motivo para lutar novamente contra a doença. “O meu medo era morrer e deixar minha filha aí. Eu estava no fundo do poço mesmo. Minha filha é tudo o que eu tenho. Eu tinha consciência de tudo, mas queria cada vez mais emagrecer. Não aceitava a alimentação. Como moramos sozinhas eu desmaiei várias vezes e foi ela quem me reanimou. Ela me dava banho e me dava comida nos dias em que eu não aguentava. Para ela era muito sofrido”, diz a mulher.
“Ao mesmo tempo em que eu queria emagrecer eu tinha vergonha do que eu via no espelho. Eu evitava ter que sair, porque as pessoas olhavam. Podia estar o calor que fosse que eu usava casaco para me esconder”, diz.
Aline diz ainda que os familiares que moram em Bauru a ajudam a manter a casa onde vive com a filha e a cuidar da adolescente, já que ela está desempregada. Terezinha conta que há cerca de dois anos a filha sofreu outra decepção, desta vez profissional. O que, ela acredita, tenha desencadeado a segunda crise. Aline trabalhava como gerente de um restaurante, mas a empresa fechou e ela foi demitida. A partir daí, em depressão, a jovem voltou a rejeitar o próprio corpo. De lá pra cá a alimentação era pouca, mas foi nos últimos meses que a situação se agravou.
Atualmente em tratamento, ela tem recebido alimentação via sonda naso interal, além de pequenas porções de comida via oral, como sopas e gelatina. A médica explica que, para superar a anorexia nervosa é preciso força de vontade e disciplina. Já a nutricionista Marcela Silva, que integra a equipe multidisciplinar montada às pressas pela médica, ressalta que Aline tem aceitado bem a ideia de que precisa de ajuda.
“Ela caiu em si que realmente precisa de ajuda e isso é muito favorável para o tratamento. É um trabalho muito minucioso, diário nessa fase em que ela está. Ela já está aceitando melhor os alimentos só que a gente começa com pouca caloria. O estômago dela está muito diminuído e no começo ela terá que comer poucas calorias e pouco volume para o organismo ir se readaptando”, disse. A psicóloga Cristiane Lambertini também integra a equipe que atende a jovem gratuitamente.
Terezinha acredita na recuperação da filha, mas fala que a família não tem condições financeiras para manter Aline internada em uma clínica particular e para comprar os medicamentos de alto custo necessários no início do tratamento. Pelo fato de a jovem estar internada em um hospital mantido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a mãe teme que Aline seja liberada antes de uma melhora significativa.
“O ideal é que ela possa ficar numa clínica particular, com toda a equipe médica que ela precisa porque é um tratamento caro. Ela precisa de alimentação especial, medicamentos. Larguei meu emprego no Rio pra poder cuidar dela, mas o tratamento eu não tenho condições de pagar ”, diz a mãe.
Já a psiquiatra Vanessa Gimenes concorda com a necessidade de internação, porém explica que, a médio prazo, ficar no hospital já não seria mais necessário, mas a alimentação específica para o caso dela e os medicamentos são essenciais para a recuperação total. A nutricionista Marcela Silva relata que alguns de seus pacientes que também sofrem de anorexia nervosa estão há sete anos em constante acompanhamento.