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Doulas latinas ganham espaço nos EUA: por que são tão procuradas?

Doulas latinas podem ajudar mães em suas comunidades a incorporar práticas culturais específicas, superar barreiras linguísticas, navegar pelas disparidades no sistema de saúde e discutir os desafios. Saiba mais em entrevista com a doula de parto, pós-parto e cuidados infantis Surey Rodriguez-Cortes.

8 jan 2024 - 19h15
(atualizado em 9/1/2024 às 00h57)
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O objetivo de uma doula é promover 'uma experiência de parto e pós-parto empoderada e respeitosa'
O objetivo de uma doula é promover 'uma experiência de parto e pós-parto empoderada e respeitosa'
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Doulas latinas podem ajudar mães em suas comunidades a incorporar práticas culturais específicas, superar barreiras linguísticas, navegar pelas disparidades no sistema de saúde e discutir os desafios.

Surey Rodriguez-Cortes, uma doula certificada de parto, pós-parto e cuidados infantis, é uma delas.

"A cada ano, vejo mais latinas e pessoas negras entrarem para o trabalho de doula", diz ela.

E a especialização está se tornando cada vez mais vital, à medida que os recursos maternos para pessoas não brancas encontram-se dentro de uma tempestade política nos EUA, numa era pós-Roe v. Wade (decisão histórica da Suprema Corte americana de 1973 que garantiu o direito ao aborto no pais inteiro e foi derrubada em 2022).

No Alabama, por exemplo, ativistas atualmente lutam contra o fechamento de centros de parto em comunidades majoritariamente negras.

O objetivo de uma doula é o mesmo em todas as divisões raciais e étnicas, explica Rodriguez-Cortes: promover "uma experiência de parto e pós-parto empoderada e respeitosa em que, independentemente de como os eventos possam se desenrolar, as pessoas que apoiamos sintam-se verdadeiramente vistas e ouvidas".

Mas os pais não brancos muitas vezes enfrentam barreiras nos cuidados maternos, tanto antes quanto depois de o bebê chegar.

Trata-se de um problema urgente nos EUA, onde as mortes maternas são as mais altas do mundo industrializado, e as taxas de mortalidade materna para mulheres não brancas superam as das mães brancas.

"Este campo foi composto predominantemente por mulheres brancas de classe média durante décadas", diz Rodrigues-Cortes, que nasceu e cresceu em Porto Rico, e agora mora em Massachusetts.

"Embora (essas doulas) possam certamente apoiar pessoas de outras origens e culturas, há nuances da experiência vivida como 'outras' que elas nunca entenderão totalmente e podem nem estar cientes."

Muitas mulheres não brancas não têm apoio adequado na hora de dar à luz, especialmente em culturas que desencorajam conversas sobre gravidez e dificuldades no parto: uma ideia conhecida como "a roupa suja se lava em casa".

No entanto, um grupo crescente de doulas latinas têm surgido para ajudar a quebrar essas barreiras e fornecer aos novos pais a ajuda especializada que há muito lhes falta. Rodrigues-Cortes explica como as doulas latinas dão o apoio bastante necessário às comunidades marginalizadas - e por que elas nunca foram tão importantes quanto agora.

"As doulas latinas trazem uma consciência cultural e experiência pessoal ligeiramente diferentes ao trabalhar com clientes da comunidade latina que uma doula branca e não latina não pode entender ou reproduzir totalmente, dadas as nossas diferentes histórias pessoais.

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Abaixo, os principais trechos da entrevista:

BBC - Como as doulas latinas são diferentes das outras?

Surey Rodriguez-Cortes - Não é que uma doula não latina não possa apoiar pessoas e famílias latinas que dão à luz.

No entanto, nesse apoio podem faltar considerações culturais como incluir o idioma ou música durante o nascimento, entender o ritual pós-parto latino de fazer 'quarentena' e a conhecer de perto os desafios de vir de uma família imigrante. (Isso falta) simplesmente porque não faz parte das experiências vividas. E isso sem entrar em possíveis barreiras linguísticas existentes para muitos clientes latinos, especialmente imigrantes de primeira geração.

O sistema não foi projetado com a gente em mente. Devido aos ensaios humanos em larga escala da pílula anticoncepcional que ocorreu em Porto Rico nos anos 1950, e às campanhas de esterilização em massa destinadas especificamente a mulheres não brancas nos anos 1960 e 1970, há um trauma geracional compreensível de longa data e desconfiança do sistema de saúde.

Assim, ter alguém com experiência navegando essas disparidades e antecipando os desafios que (uma mulher grávida) enfrenta pode ser crucial não apenas para nossa experiência de nascimento e pós-parto, mas também para nossa sobrevivência e prosperidade como novas mães e pais."

BBC - Como os rituais e práticas culturais latinos se encaixam nesse trabalho?

Rodriguez-Cortes - "Uma das práticas e conceitos culturais latinos mais comuns em torno da gravidez é a 'quarentena' durante o período pós-parto inicial. É quando um pai/bebê em parto deve descansar e se relacionar em semi-reclusão em sua casa pelos primeiros 40 dias após o nascimento.

Ter que sair de casa (para consultas com o pediatra) durante um período de descanso culturalmente esperado, quando já estamos física e emocionalmente vulneráveis, torna a prática da quarentena muitas vezes inviável. Acrescente a isso a falta de políticas abrangentes de licença parental nos EUA. E, no caso de famílias imigrantes, pode não haver apoio comunitário familiar ou cultural e redes de segurança onde elas estão localizadas.

Ter apoio de doula pós-parto, especialmente de uma profissional de origem semelhante, que entende as nuances e expectativas culturais desse período, pode ajudar a obter o máximo proveito do tempo de licença que os novos pais recebem (mesmo que 40 dias de isolamento em casa não sejam possíveis). Nessas primeiras semanas em casa, uma doula pode ajudar uma mãe latina a maximizar seu tempo para recuperação física e vínculo com o bebê, fornecendo assistência com pequenas tarefas em casa, preparando refeições nutritivas culturalmente específicas e ajudando a encontrar recursos comunitários e apoios adicionais."

BBC - Por que as mães latinas lutam para acessar os cuidados certos?

Rodriguez-Cortes - "A maior barreira para apoiar latinos e outros pais negros, pardos e indígenas é a falta de conhecimento. Embora não seja incomum em muitas de nossas culturas ter parteiras e apoio semelhante ao dado por doulas vindo de membros da família e da comunidade... muitas famílias latinas nunca sequer conheceram a palavra 'doula' até ouvi-la durante a gravidez, muitas vezes inteiramente por acaso em um curso de educação para o parto ou em livros.

(Há também) barreiras linguísticas que tornam mais difícil para os pais tomar decisões totalmente informadas em torno do cuidado deles ou de seu bebê. Nós (também podemos) estar relutantes em expressar dúvidas ou preocupações aos nossos médicos e equipe médica. Testemunhei algumas vezes um pai tentar expressar tais sentimentos apenas para ser ouvir de um membro mais velho da família algo como: 'Ouça o médico, eles são o profissional, apenas faça o que eles dizem, eles sabem melhor.'

E, é claro, há barreiras financeiras para garantir o apoio de doulas. Tradicionalmente, as doulas têm sido contratadas de forma particular, diretamente pelas famílias. Elas têm sido vistas como um luxo, sendo contratadas principalmente por mulheres brancas e com alto poder aquisitivo. Embora não seja necessário ter uma doula para ter um bebê e se recuperar no pós-parto, sabemos que estudos mostram benefícios tangíveis.

Além disso, dada a crise de mortalidade materna nos EUA e as disparidades no cuidado e nas consequências para pessoas negras e pardas, o apoio imparcial, a educação e a continuidade nos cuidados que uma doula pode adicionar à experiência podem fazer uma enorme diferença no sentimento de fazer os pais se sentir cuidados e ouvidos."

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