Ela doou um dos rins e deu 8 anos a mais de vida para o pai
Em entrevista ao Terra, doadora lembra procedimento feito há 32 anos e destaca vida saudável com apenas um órgão nas últimas três décadas
Quando soube que seu pai, Aldo Fabris, então com 69 anos, precisaria de um transplante de rim, a empresária Maria Emília Fabris não pensou duas vezes. Ela e seus dois irmãos se dispuseram a doar o órgão.
Assim, a equipe médica fez o necessário: deu início aos exames de compatibilidade que já descartaram o filho, sobrando apenas as mulheres. Ao final, ambas podiam e queriam doar o rim que salvaria a vida do pai. A solução, então, foi improvisada. "Fizemos um sorteio e eu ganhei", conta Maria Emília em entrevista concedida ao Terra 32 anos depois do procedimento.
A empresária fez a doação em 17 de setembro de 1991, quando tinha 32 anos. As duas cirurgias foram realizadas simultaneamente no hospital Osvaldo Cruz, em São Paulo. Seu pai, que já fazia hemodiálise há um ano na época, se adaptou muito bem ao rim e viveu por mais oito anos — ele faleceu vítima de infarto fulminante em 1999.
"Eles tiraram o meu rim, colocaram no meu pai, e o órgão já funcionou. Foi coisa de Deus", lembra Maria Emília ao falar da cirurgia. A família toda apoiou a doação.
"Era a melhor sensação possível vê-lo feliz, podendo comer as coisas que mais gostava, podendo curtir os netos e a vida", descreve a filha, que antes do transplante via o pai repleto de restrições.
Seguro para o doador
Como doadora, ela própria destaca viver "com a saúde perfeita" até hoje, aos 64 anos. O discurso de Maria Emília acompanha a ciência, que atesta a segurança da doação de órgão duplo para uma pessoa viva. No caso do rim, o órgão mantido cresce e supre normalmente a função antes adotada por dois.
"O transplante renal com paciente vivo já é feito há muitos anos. Está muito consolidado e claro pra gente que a pessoa tem total condição clínica de ter uma vida saudável só com um rim, capaz de atender toda a demanda", defende o nefrologista Alvaro Steiner, especialista em transplante renal do Hospital São Lucas Copacabana, em entrevista ao Terra.
Fila de transplante
Como a doação para Aldo Fabris partiu de uma pessoa viva, o trâmite não seguiu a fila tradicional. Pela idade na época (69 anos) e condição, Maria Emília contou que a única chance do pai seria mesmo receber o órgão de alguém da família. Nefrologistas ouvidos pelo portal esclarecem que não há lista quando se trata de doador vivo.
"Avaliamos o receptor (paciente doente, com doença renal em estágio terminal) e seus potenciais doadores. Fazemos todos os exames necessários e agendamos a doação", explica o nefrologista do Hospital Edmundo Vasconcelos, Eduardo Tibali.
Quando não há doadores vivos disponíveis, aí sim o paciente entra em uma lista de espera, que tem como critério principal a compatibilidade — mesmo tipo sanguíneo, antígeno leucocitário humano (HLA), ausência de crossmatch, entre outros pontos citados pelo médico.
Vale destacar também uma diferença entre a lista de espera para transplante de coração. No final de agosto, o apresentador Fausto Silva recebeu um novo órgão após 20 dias na fila, o que impulsionou diversos conteúdos com esclarecimentos sobre o Sistema Nacional de Transplantes.
Para o coração, além da chamada geral, há uma lista de prioridade para pessoas em estado grave, caso de Faustão. Quanto aos rins, como existe um tratamento disponível — a hemodiálise —, a lista não privilegia a gravidade do quadro clínico, mas a compatibilidade entre doador e receptor.
Como o órgão é transferido de um organismo para outro?
"Todo procedimento acontece em duas salas concomitantes", frisa a médica Maria Fernanda Camargo, diretora de Transplantes e Nefrologia da rede Americas, que atua há 30 anos no Hospital Samaritano de Higienópolis.
"A cirurgia inicia com doador, quando retiramos o órgão e, imediatamente passamos para o receptor, que estará na sala ao lado. O órgão fica na bandeja estéril, com gelo, para preservação", detalha. O nefrologista Alvaro Steiner acrescenta que o órgão é lavado com uma solução específica para retirar todo o resquício de sangue e mantido em temperatura mais fria para preservá-lo até que seja transplantado no corpo do receptor.
Após o transplante, qual o tratamento para evitar a rejeição do órgão?
"São usados corticoides e imunossupressores. Medicamentos seguros", confirma a médica Maria de Nazaré Simão Poluboiarinov, também nefrologista do Hospital Edmundo Vasconcelos. Além disso, ela cita o acompanhamento regular dos pacientes para checar as condições de saúde. Do mesmo modo, os doadores devem fazer check-ups anuais e adotar as medidas necessárias para uma vida saudável.