Ela teve 3 AVCs antes dos 40 anos, e descobriu uma nova missão
Nas redes sociais, Camila Fabro fala sobre as sequelas e tenta conscientizar sobre os sintomas
Depois de sobreviver a três acidentes vasculares cerebrais (AVCs) e ter de reaprender a seguir a vida com as sequelas da doença, a designer educacional Camila Fabro, de 38 anos, reprogramou também a maneira de ver a vida. "No AVC, a gente cai sozinho e levanta junto", diz ela, que adotou a frase como seu lema de vida.
Hoje, ela ajuda outras "avecistas" (apelido pelo qual os sobreviventes de AVCs se chamam) a lidarem com a parte emocional da doença, além de divulgar conteúdos sobre os riscos em seu Instagram @camiladesmiolada. "Eu não me vejo como uma influência, mas como um meio", conta. "Ali (nas redes sociais) é um grupo de apoio, porque derivam grupos de ajuda, as pessoas se conhecem e iniciam projetos bacanas. É uma família", conta ela, em entrevista para o Estadão.
Ao se arrumar para uma festa de um colega de trabalho, em maio de 2019, a designer educacional esperava dançar e se divertir com os amigos. No entanto, sua vida se transformaria completamente depois daquela noite, quando teve o primeiro de três Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs).
"Quando estava na festa, senti um estalo na altura da nuca e comecei a passar mal. Fui para o hospital, mas logo fui liberada com um remédio para dor", lembra. No dia seguinte, a dor de cabeça foi ainda mais intensa. "Eu só lembro de mandar 'socorro' e o meu endereço no grupo de WhatsApp dos meus amigos. Acordei no hospital."
Lá, foi descoberto que a primeira dor era correspondente a um AVC transitório, quando uma artéria cerebral entope. Seguido de uma ruptura de aneurisma, o que deu sequência a um AVC hemorrágico. "Só quando eles me colocaram na tomografia perceberam que a coisa era grave. Falaram que eu tinha 20% de (chance de) sobrevivência se eu fosse para cirurgia. Se não fosse, eu não ia sobreviver."
Depois de nove dias na UTI, Camila teve um estreitamento do vaso sanguíneo - o que corresponde ao AVC isquêmico -, algo relativamente comum após a cirurgia de aneurisma. Mas, por estar dentro do hospital, foi prontamente atendida.
"As sequelas do primeiro e do segundo AVC, diferentemente do terceiro, foram intensas", explica. "Uma das minhas lutas hoje é pelo conhecimento dos sintomas da doença, para que não sejam confundidos com embriaguez (porque a voz fica mais lenta mesmo) ou histeria", diz.
Após a operação, Camila descobriu que perdeu parte da massa encefálica e passou a se chamar de "desmiolada" - nome pelo qual seu Instagram ficou conhecido, assim como o seu primeiro livro, lançado pela Editora Kotter.
"Quando eu soube que tinha perdido parte do cérebro, achei que a minha vida tinha acabado. Mas como eu trabalho com comunicação, comecei a escrever sobre o que eu sentia e vi que aquilo ali tinha um valor", conta. Segundo ela, o nome "desmiolada", que poderia trazer uma conotação ruim, hoje é ligado a coisas positivas. "Me lembra do meu trabalho em prol do combate ao AVC. E eu sinto um orgulho enorme."
As sequelas do AVC
O bom humor ajudou Camila a enfrentar as sequelas da doença - que envolveram uso de bengala, fisioterapia e remédio para a epilepsia. Uma das mais difíceis e peculiares, porém, foi a agnosia visual, que, em resumo, é a perda da capacidade de reconhecer pessoas, objetos e cores, mesmo enxergando normalmente.
"É uma aventura o mundo que eu vejo, porque vejo muitos bichinhos, mas sei que aquilo não faz muito sentido, só que no começo eu não entendia", conta ela, que hoje reflete sobre tudo que vê antes de ter certeza. "Quando percebo que a coisa não faz sentido, sei que deve ser o distúrbio."
Antes disso, ela conta que já confundiu cachecol com cachorro, abacate com sapo e gatos no lugar de sacolas plásticas. "Acho que isso até me torna mais esperta, porque eu tenho de pensar e refletir sempre", relata. Por outro lado, Camila conta que o processo trouxe novos conhecimentos para ela.
"Eu aprendi muito sobre a doença. Por exemplo, meu avô materno e minha avó paterna tiveram AVC, mas eu não tinha noção de que isso acontecia com pessoas mais novas. Eu achava que era uma preocupação que eu poderia ter aos 60 anos. Hoje, sei que eu tinha todas as predisposições."
E é exatamente isso que ela pretende passar em seu Instagram. "Quando comecei a escrever na internet e as pessoas começaram a se identificar comigo, descobri uma utilidade que nunca imaginei na vida." Ela costuma dizer que seu corpo foi salvo pelos médicos, mas a alma foi salva por outros sobreviventes, que se apoiaram mutuamente num momento repleto de incertezas.
"Eu não sou grata ao meu AVC, mas quando penso que, graças ao meu trabalho de juntar as pessoas, a gente se recuperou juntos, isso me dá força para continuar." Hoje, além de manter o blog, ela faz tratamento de reabilitação e é colunista de um jornal de Curitiba, onde mora.