Estado do Amazonas espera "pico" do coronavírus nesta semana
Falta de cuidados da população está entre os fatores para o avanço da doença
Ainda que o quadro assuste, o governo estadual aposta no otimismo e aponta avanços para responder à crescente demanda dos pacientes. Segundo dados da Secretaria de Estado de Saúde (Susam), o Amazonas aumentou o número de leitos e respiradores. Conta com 1.138 para covid-19 na rede estadual, sendo 816 leitos clínicos, 243 de Unidade de Terapia Intensiva e 79 de Sala Vermelha. A taxa de ocupação da UTI é de 87%.
O discurso otimista, porém, é contestado pelo professor aposentado do curso de Medicina da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Mena Barreto França, para quem as autoridades públicas de saúde demoraram a responder às demandas da pandemia. "A situação não está legal e o pico ainda não 'estourou', o que deve ocorrer no fim de maio e início de junho, quando os casos começam, novamente, a subir. Na minha avaliação, os órgãos de saúde estão fazendo 'imediatismo' sem planejamento. A saída é o isolamento, uso de máscara, tudo que está sendo recomendado. A nossa estrutura de saúde é precária."
França defende maior integração do Sistema Único de Saúde em todas as suas esferas: atenção primária, secundária e terciária, além de um comando único no Amazonas. "Na atenção primária, o ideal era visitar pessoas suspeitas de covid-19 e fazer testagem, mas isto não acontece, então, essa pessoa, com sintomas da doença, sai de casa para ir a uma unidade de saúde e acaba contaminando outras três ou quatro, no mínimo. Vai ao Serviço de Pronto Atendimento (SPA) e não encontra solução. Por fim, chega em unidades de emergências ou urgências, numa situação mais grave e não tem respirador tampouco leito vago", frisou.
A dona de casa Cleiciany Ribeiro do Nascimento, de 28 anos, moradora do bairro Cidade Nova, zona norte de Manaus, sentiu na prática as dificuldades em conseguir atendimento na capital amazonense. Na primeira semana de maio, ela conta que procurou diversas unidades de saúde porque a irmã dela, Lidiane, de 35 anos, grávida de cinco meses, apresentou sintomas da doença.
"Fomos a uma UBS, que nos encaminhou ao hospital Platão Araújo e lá nos disseram que não havia médicos. Procuramos o Serviço de Pronto Atendimento (SPA) e nos falaram que tínhamos de ir a uma maternidade. No entanto, as maternidades não quiseram nos receber porque ela estava com sintomas de covid-19", disse ao Estadão. "A desculpa era não ter como fazer transferência por não haver leitos nos hospitais para pacientes com covid-19. Ficamos desesperadas. Tivemos de esperar em casa a disponibilidade de um leito. Conseguimos a transferência para o hospital Delphina Aziz, uma semana depois. Com o diagnóstico da doença confirmada, ela agora se recupera em casa", narrou.
A falta de leitos aliada à imprudência dos moradores é um fator que pode agravar ainda mais o quadro da doença no Estado. O motorista de aplicativo José Carlos de Alencar, de 48 anos, atende passageiros em toda Manaus e diz ainda haver pessoas que insistem em entrar no veículo sem o uso de máscara. "Acho que ainda não se deram conta da gravidade. Eu me recuso a levar pessoas sem máscara. Não é só isto: na periferia, as pessoas não estão dando a mínima para tomar os devidos cuidados. O movimento nas ruas e comércio é normal. E raramente usam máscara", diz.
A análise do motorista é corroborada pelo professor do Departamento de Matemática da Universidade Federal do Amazonas, Wilhelm Alexander Steinmetz. Ele fez parte da equipe de pesquisadores que coordenou o estudo "Curva de Contaminação covid-19 - Estado do Amazonas", divulgado há uma semana. "Percebemos que a classe média aderiu mais tanto ao isolamento social quanto às medidas de prevenção como o uso das máscaras", comentou.
Ainda segundo Steinmetz, 40% dos moradores do Amazonas fazem isolamento e que isso evitou números ainda piores no Estado. "Poderíamos ter cerca de 2,5 mil óbitos a mais no mês de abril", admite.