Estudo revela alto uso de hormônios sem prescrição por mulheres trans e travestis
A pesquisa acompanhou dados de 1.317 participantes em cinco capitais brasileiras, destacando questões como acesso limitado a cuidados médicos e o medo de discriminação
Um estudo inédito publicado na Revista Brasileira de Epidemiologia pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) revela o preocupante cenário do uso de hormônios sem prescrição entre mulheres trans e travestis. A pesquisa acompanhou dados de 1.317 participantes em cinco capitais brasileiras, destacando questões como acesso limitado a cuidados médicos e o medo de discriminação.
Dos 536 participantes que relataram uso atual de hormônios, 381 (72%) não obtiveram a medicação por prescrição médica. Houve variação significativa entre as capitais, com São Paulo registrando 52,9% e Manaus alarmantes 94,7% de uso não prescrito. Este cenário revela uma lacuna significativa nos serviços de saúde, que falham em fornecer o suporte necessário a essa população.
Dentre as mulheres trans e travestis entrevistadas, 86% relataram ter usado hormônios em algum momento da vida, iniciando, em média, aos 18,5 anos. A média de idade daqueles que atualmente usam hormônios sem prescrição é de 30,7 anos. O levantamento também revelou que 74,2% das usuárias de hormônios não prescritos têm histórico de trabalho sexual, e uma parcela significativa vive em condições econômicas precárias.
A motivação para mulheres trans e travestis usarem hormônios sem prescrição
A pesquisa indica que a falta de acesso a serviços de saúde especializados é um dos principais motivos para o uso não supervisionado de hormônios. Muitas mulheres trans e travestis relatam experiências de discriminação em ambientes médicos, o que as impede de buscar ajuda profissional. Além disso, há um desejo de acelerar as mudanças corporais, levando algumas a usarem doses inadequadas de hormônios.
O uso de hormônios sem acompanhamento pode trazer sérias consequências para a saúde a longo prazo. Entre os riscos estão fenômenos tromboembólicos, como acidentes vasculares, e outras complicações. No entanto, a comunidade médica ainda não possui estudos amplos sobre os efeitos a longo prazo. A oferta de hormônios pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2008 é uma tentativa de reduzir os riscos associados ao uso sem prescrição.
A coordenadora do estudo, Maria Amélia Veras, destaca à Folha de São Paulo que a discriminação e a falta de formação dos profissionais de saúde são barreiras significativas. Muitas vezes, mulheres trans e travestis compartilham informações entre si para compensar a falta de assistência profissional.
Como o acesso pode ser melhorado?
Katia Bassichetto, autora da pesquisa, explica à Folha de São Paulo que a inclusão de procedimentos de afirmação de gênero no SUS depende de iniciativas regionais e municipais. Em São Paulo, por exemplo, a Rede Sampa Trans oferece serviços em 44 unidades básicas de saúde. A pesquisa aponta para a necessidade de políticas públicas destinadas a esta população, evidenciando as grandes desigualdades regionais no acesso a cuidados de saúde especializados.
O Ministério da Saúde informou que possui 27 unidades preparadas para atender a população trans, oferecendo acompanhamento multiprofissional e procedimentos cirúrgicos. No entanto, a localização dessas unidades não foi divulgada. A pesquisa destaca a importância de fornecer assistência adequada e reduzir o uso perigoso de hormônios sem prescrição.
Em resumo, este estudo não só ilumina a precariedade e os riscos enfrentados pelas mulheres trans e travestis, mas também serve como um chamado à ação para políticas públicas mais inclusivas e eficazes. Garantir o acesso a cuidados de saúde seguros e sem discriminação é essencial para melhorar a qualidade de vida dessa população.