Estudo sugere que asmáticos podem ter sintomas leves de covid-19; na prática, há risco de gravidade
Resultados indicam que pessoas com asma têm quantidade menor de receptores do novo coronavírus, o que levaria a menor carga viral e resposta menos intensa
Um estudo publicado recentemente em uma revista americana levantou a hipótese de que pessoas com asma ou alergia respiratória teriam respostas menos intensas ao novo coronavírus. A sugestão é o oposto do que se espera, uma vez que os asmáticos já têm comprometimento pulmonar e uma infecção viral pode agravar o quadro. Apesar dos resultados animadores, especialistas afirmam que é preciso manter os cuidados de prevenção contra o vírus, pois os riscos são altos.
A pesquisa, publicada em formato de carta ao editor em uma das revistas da Academia Americana de Alergia, Asma e Imunologia, foi revisada por especialistas e passou pelo crivo do editor, o que atesta a confiabilidade do estudo. O objetivo era analisar se a asma e outras alergias respiratórias estavam associadas a uma menor expressão da enzima conversora da angiotensina-2 (ECA2), proteína a qual o novo coronavírus se liga ao entrar no organismo. Três grupos foram avaliados e nenhum dos participantes tinha covid-19.
Os pesquisadores analisaram 318 crianças com alto risco para asma, que tiveram amostras de secreção nasal colhidas aos 11 anos de idade. "Entre as crianças com asma, sensibilização alérgica moderada e grave foram associadas a reduções progressivamente maiores de ECA2 comparadas a crianças com asma, mas com nenhuma ou mínima sensibilização", escrevem os autores do estudo.
Em uma segunda análise, 24 adultos com rinite alérgica a gato, sem asma, foram expostos a alérgenos do felino por via nasal e por meio de exposição ambiental dentro de uma câmara. Amostras nasais foram obtidas antes e depois dos experimentos e, em ambos os casos, foi identificada uma redução na quantidade da proteína.
Um terceiro grupo de 23 adultos com asma leve, que não faziam tratamento para controle da doença, foi submetido a alérgenos de ácaro de poeira, da planta ambrosia ou de gato. Secreção nasal também foram coletadas antes e depois dos testes e, no final, os resultados mostraram uma significativa redução de ECA2 na via aérea baixa.
Diante desses achados, os pesquisadores levantam a hipótese de que, com menor quantidade da enzima receptora, menos vírus entrariam no organismo. Assim, com baixa carga viral, os possíveis sintomas da covid-19 seriam menos severos. No entanto, especialistas dizem que, na prática, o que se vê é o contrário e, embora o estudo seja confiável, outras análises com grupo maior de pessoas seriam necessárias.
"Até então, a hipótese é de que o asmático está dentro do grupo de risco (da covid-19) porque a asma é uma doença crônica respiratória, caracterizada por aumento da inflamação, e qualquer outra doença inflamatória no pulmão vai intensificar a resposta negativa", diz Vitor Engrácia Valenti, professor de fisiologia na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Marília.
Ao mostrar um mecanismo fisiológico oposto a isso, o estudo abre possibilidades para investigar os motivos da redução de expressão do receptor de ECA2, algo que até então era desconhecido. De acordo com o pneumologista Roberto Stirbulov, professor adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, pessoas com asma seguem o mesmo padrão da população quanto à infecção pelo novo coronavírus: cerca de 80% são assintomáticas ou têm sintomas leves e 20% vão para o hospital, das quais 4% precisam de tratamento intensivo.
"O que se vê na prática são vários paciente asmáticos que tiveram covid-19", afirma o médico. Segundo ele, há muitos fatores que podem reduzir a quantidade de ECA2, como o uso de medicamentos. "De qualquer forma, isso não pode se aplicar na vida prática porque precisa de mais observação."
O estudo pontua que o uso de corticoide, comum entre pessoas com asma, não foi associado a alterações na expressão da enzima. Segundo Valenti, a literatura científica indica apenas fatores que aumentam a quantidade dela, como o uso de anti-hipertensivos, a hiperglicemia — não só relacionada à diabete — e doenças renais. Os especialistas afirmam que, até o momento, não há dados que mostram baixa incidência de asmáticos com sintomas graves do novo coronavírus.
Os próprios pesquisadores indicam algumas limitações do estudo, como ausência de informação clínica para relacionar diretamente a expressão de ECA2 à infecção do novo coronavírus e doença severa. Eles também notam que dados dos Estados Unidos sugerem uma alta taxa de asma em pacientes internados com covid-19 severa e que novos estudos com foco em alergia respiratória, asma e outras desordens respiratórias são necessários para se ter um melhor entendimento dos resultados.
Valenti diz que pessoas com asma devem continuar seguido as recomendações de uso de máscara, distanciamiento social e higiene. "Ele (o asmático) precisa ainda se manter como grupo de risco porque essa evidência não consegue comprovar nada na literatura no momento", reforça.
Asma e o novo coronavírus
A asma é uma doença inflamatória crônica que faz as vias respiratórias ficarem inchadas e estreitas, o que torna o ato de respirar muito difícil. Pessoas com essa condição estão no grupo de risco para a covid-19, porque a enfermidade também pode levar a um comprometimento pulmonar.
"Toda e qualquer virose respiratória piora a asma. O asmático não é mais suscetível a contrair o novo coronavírus, mas quando pega tem mais crises e crises mais severas", explica Stirbulov. Apesar da possibilidade levantada no estudo recente, o especialista em asma reforça que isso não pode ser aplicado na prática.
"A grande preocupação no doente asmático é que ele precisa manter a medicação adequadamente para manter o estado de controle da doença. Ele precisa ter orientação do médico para um automanejo, saber o que fazer antes de ir ao hospital", diz o pneumologista, que aponta a dificuldade dessas pessoas de conseguirem atendimento hospitalar devido à alta demanda imposta pela pandemia.
Outras dicas para controlar a asma e evitar as crises são deixar o ambiente ventilado, lavar roupas que estão guardadas há muito tempo antes de usá-las e evitar fumar e que outras pessoas fumem perto, orienta o médico.