GHB: a perigosa droga usada por estupradores para dopar suas vítimas
A polícia britânica está quase certa de que um criminoso drogou suas vítimas com GHB antes de atacá-las. Mas o que é essa droga?
Quando Reynhard Sinaga levava uma vítima para seu apartamento, ele a drogava e a deixava inconsciente antes de iniciar seu ataque.
O estudante indonésio de pós-graduação foi considerado culpado de atrair 48 homens que estavam em casas noturnas de Manchester, no Reino Unido, para seu apartamento, onde os drogava e estuprava — filmando os abusos.
Após a condenação do criminoso por 159 crimes sexuais, a secretária do Interior do governo britânico, Priti Patel, pediu uma revisão dos controles de drogas como o GHB.
O que é GHB?
Embora às vezes seja descrito como "a droga do estupro", o GHB (gama-hidroxibutirato) também é usado de forma recreativa e consensual.
É bastante comum seu uso para fazer o chamado chemsex, termo em inglês que descreve atividade sexual entre dois ou mais parceiros com uso de químicos para maior estímulo, mas também é usado como uma droga de festa.
No entanto, é verdade que estupradores usam o GHB como arma — uma pesquisa recente feita no Reino Unido estimou que mais de um quarto dos entrevistados foram agredidos sexualmente enquanto estavam inconscientes.
O GHB é um medicamento diferente, mas quase idêntico ao GBL (gama-butirolactona), uma substância vendida legalmente como solvente industrial, mas que se torna GHB assim que entra no corpo.
Juntos, os entorpecentes são conhecidos como "G", e ambos vêm na forma de um líquido oleoso claro, inodoro, que em geral é diluído em refrigerantes e ingerido.
No Brasil, há registros de apreensão de GHB e de GBL desde pelo menos 2007.
Qual é o efeito?
Essa droga pode dar aos usuários uma sensação de euforia e aumentar o desejo sexual. Mas aumentar a dose em uma fração, até menos que um mililitro, pode ser fatal.
A superdosagem de G pode tornar as pessoas incoerentes, provocar convulsões, fazê-las perder a consciência e parar de respirar completamente.
O professor Adam Winstock, psiquiatra consultor e fundador da Pesquisa Global de Drogas, alerta que a droga "apresenta riscos enormes quando as pessoas estão por aí tentando usá-la por diversão".
"Se você tomar uma gota extra de GHB, 20 minutos depois ficará inconsciente", diz ele.
Quantas mortes já foram associadas ao GHB no Reino Unido?
De acordo com dados oficiais do Escritório de Estatísticas Nacionais, houve 120 mortes na Inglaterra e no País de Gales entre 2014 e 2018 que envolveram o GHB.
Mas o número total pode ser muito maior — o GHB não faz parte dos testes de rotina de toxicologia após mortes súbitas. Segundo o professor Winstock, detectar o medicamento pode ser difícil e caro.
E assédios sexuais?
Também é difícil saber ao certo quantas agressões sexuais estão relacionadas ao GHB.
Antes da condenação de Sinaga, talvez o caso de maior destaque tenha sido o do assassino em série condenado Stephen Port, que recebeu uma sentença de prisão perpétua em 2016 por envenenar quatro jovens com doses letais da droga.
Dos 2.700 homens gays e bissexuais que usaram G e responderam a uma pesquisa realizada pelo BuzzFeed News e pelo Channel 4 Dispatches no ano passado, 28% disseram ter sido agredidos.
Patrick Strudwick, editor de temas LGBT do BuzzFeed News e apresentador do documentário do Channel 4 Sex, Drugs and Murder (Sexo, drogas e assassinato), diz que o G é "a arma preferida dos estupradores".
"Porque pode ser colocado na bebida de alguém e porque pode facilmente levar a um estado de inconsciência, portanto, é útil para predadores", diz ele.
Um obstáculo adicional ao conhecimento da dimensão do problema é que as vítimas geralmente não fazem denúncias à polícia, diz o professor Winstock.
As pessoas podem não ter certeza sobre o que aconteceu e se ocorreu um crime, diz ele, além de sentir vergonha, culpa e medo "de ter que divulgar informações que possam achar muito constrangedoras", diz ele.
Alguns também temem que possam ser investigados por delitos ligados a drogas.
É viciante?
É possível se tornar dependente de G rapidamente, e o professor Winstock adverte que qualquer pessoa que use a droga diariamente não deve tentar parar sem ajuda médica.
"As pessoas podem se tornar fisicamente dependentes e a retirada do químico pode ser fatal", diz ele.
Os efeitos de longo prazo ainda não são conhecidos.
As pessoas usam muito?
Como muitas drogas ilícitas, a prevalência de G é difícil de rastrear, pois não aparece em pesquisas nacionais.
Mas Strudwick diz que G é "muito fácil de encontrar e comprar, se você souber onde procurar", devido ao fato de que o GBL pode ser vendido para uso industrial.
"As empresas enviam o produto para a Grã-Bretanha, anunciam online. Depois de vendido em grandes quantidades, ele pode ser distribuído e fornecido pelos revendedores em menor quantidade por meio de aplicativos de paquera como o Grindr", diz ele.
De onde vem?
O GHB foi desenvolvido na década de 1960 como anestésico, mas seu uso foi interrompido por causa de seus efeitos colaterais.
Durante os anos 80, foi usado como um sonífero e um complemento para o desenvolvimento da força muscular.
É ilegal?
O GHB é um medicamento de classe C no Reino Unido desde 2003, quando foi submetido à Lei de Abuso de Drogas.
Os medicamentos desta categoria incluem tranquilizantes, valium e esteróides anabolizantes.
É ilegal ter, doar ou negociar drogas classe C.
As penas máximas de posse são de dois anos de prisão e uma multa ilimitada.
Negociar ou fornecer a droga pode levar a 14 anos de prisão.
Embora o GBL seja usado legalmente na indústria, ele também é um medicamento de classe C desde 2009, e quem o fornece ou possui para consumo está infringindo a lei.
A posse de qualquer droga pode levar a até dois anos de prisão com ou sem multa e o fornecimento da substância pode resultar em até 14 anos com ou sem essa multa.
O dr. Winstock diz que mudar a droga de classe, tornando-a de classificação mais alta, não faria "absolutamente nenhuma diferença" para o seu uso e desencorajaria as pessoas a procurarem ajuda.
Em vez disso, ele diz que o governo deve se concentrar em educar as pessoas para que os medicamentos possam ser usados com mais segurança e em promover "conversas honestas" sobre seu uso.
A família de Eric Michels, assassinado com uma overdose de GHB em 2018, faz campanha para que a droga seja reclassificada como de classe A.
Seu filho Sam disse à BBC que é "uma droga muito, muito perigosa".