Governadores cogitam consórcio para garantir Coronavac
Proposta surgiu diante da resistência de Bolsonaro ao imunizante desenvolvido pelo Instituto Butantã com parceria de laboratório chinês; financiamento é um dos desafios
BRASÍLIA - Governadores e secretários de Saúde do País cogitam a possibilidade de se unirem em um consórcio, para financiar e distribuir a Coronavac, assim que houver a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A ideia ganha força diante da possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro ignorar a vacina contra a covid-19, hoje em desenvolvimento pelo laboratório chinês Sinovac e o Instituto Butantã, por causa de disputas políticas com o governador João Doria (PSDB) e o país de origem do imunizante.
A ideia ainda embrionária, porém, esbarra na dificuldade de se conseguir os recursos necessários para a realização do plano sem o apoio do governo federal. Representantes da gestão Doria pediram aporte de R$ 1,9 bilhão ao Ministério da Saúde no projeto, mas o valor total pode ser maior do que isso. A Coronavac está em fase três de testes, com humanos, a última desse tipo de estudo.
Uma das fontes de recursos estudada para garantir a Coronavac é a Medida Provisória 994, que prevê o aporte de R$ 2 bilhões para a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). O dinheiro é destinado ao desenvolvimento de outra vacina, em parceria com a farmacêutica AstraZeneca, que detém os direitos de produção, distribuição e comercialização do produto desenvolvido pela Universidade de Oxford, do Reino Unido. Esse é outro dos imunizantes na etapa final de testes e pesquisas. A ideia seria conseguir, durante a tramitação da MP no Congresso, a destinação de parte do montante para o Instituto Butantã e à pesquisa da Coronavac.
Ainda em agosto, Doria pressionou a bancada paulista na Câmara para isso, como revelou o Estadão na época. Em reunião virtual com os deputados, o tucano disse que não poderia haver uma corrida da vacina e nem politização sobre o assunto. O tucano considerou injusto e uma discriminação que a MP destinasse todo o dinheiro apenas para a Fiocruz e nada para o Butantã.
O governador do Maranhão, Flavio Dino (PCdoB), admite que a ideia do consórcio já foi cogitada, mas acredita que haverá outra solução antes disso. "Acho que Bolsonaro está isolado e vai perder essa guerra disparatada. Tudo dependerá da validação das vacinas em nível internacional. Só teremos um cenário mais claro quando as agências reguladoras dos Estados Unidos, da União Europeia, do Japão e da China se posicionarem. E começar vacinação em massa em outros países. Então haverá argumentos suficientes para até mesmo recorrer ao Poder Judiciário", disse Dino ao Estadão.
Nesta quarta-feira, 21, em vista a Brasília, o diretor do Butantã, Dimas Covas, disse que, caso a vacina seja aprovada pela Anvisa, as 46 milhões de doses estarão disponíveis para imunização dos brasileiros quer o governo federal decida pela sua aquisição - para incorporação ao Plano Nacional de Imunização (PNI) - ou não. "A questão será o financiamento. Neste momento é uma questão crítica porque obviamente essas vacinas têm custo", disse Covas. "Resta saber quem irá financiar as vacinas", completou. Indagado sobre a possibilidade de consórcio também na quarta, Doria disse que, neste momento, o objetivo é que a vacina seja adquirida pelo Ministério da Saúde e distribuída gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde.
Deputada diz que verba ao Butantã deve sair do governo federal
Indicada para relatar a medida provisória da Fiocruz, a deputada Mariana Carvalho (PSDB-RO) disse ao Estadão que não deve acatar emendas para destinar parte do recurso ao Butantã, mas defende que o o governo federal desembolse os recursos. "Entendemos e já conversamos com os deputados que o mais adequado é que tenha recurso específico para o Butantã", disse. Carvalho é da ala do governador Doria e acompanhou as reuniões do tucano na quarta em Brasília. Ela deve sofrer pressão da bancada paulista para acatar a mudança.
A MP foi assinada em agosto por Bolsonaro para viabilizar a compra, processamento e distribuição de 100 milhões de doses de vacina contra a covid-19. A medida é válida desde que foi assinada pelo presidente, mas ainda passa pelo Congresso e pode ser alterada pelos parlamentares até o dia 3 de dezembro. Nesse caso, uma mudança ainda precisaria da sanção de Bolsonaro. Os deputados Vinicius Poit (Novo-SP) e Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) apresentaram emendas à MP para destinar parte dos recursos ao Butantã.
Uma das emendas, apresentada por Poit, coloca R$ 997,480 milhões do crédito extraordinário para o Butantã. A sugestão de Jardim, por outro lado, é destinar R$ 500 mil para São Paulo. "Queremos que a abrangência seja mais geral, que haja uma abertura para não ter nenhuma caracterização ideológica e política disso. Esperamos que um pouco de sensatez se estabeleça", afirmou Jardim, líder do Cidadania na Câmara.