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Governo abandona meta de testes na pandemia e mantém estoque prestes a vencer

A ideia era superar 24 milhões de exames RT-PCR até dezembro de 2020, mas menos de 12 milhões de análises foram feitas no Sistema Único de Saúde durante toda a crise sanitária

15 mar 2021 - 23h01
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BRASÍLIA - O governo Jair Bolsonaro abandonou metas de testagem da população durante a pandemia, estratégia essencial para controle da transmissão da covid-19. A ideia era superar 24 milhões de exames RT-PCR até dezembro de 2020, mas menos de 12 milhões de análises foram feitas no Sistema Único de Saúde (SUS) durante toda a crise sanitária. A pasta descumpre também promessa de compra de produtos mais ágeis, como os testes de antígeno, e dos insumos para laboratórios.

Em plena explosão de casos, o número de testes feitos no SUS não subiu. Em semanas recentes, até ficou abaixo do que já foi registrado. Há ainda em armazém do Ministério da Saúde cerca de 3,7 milhões de exames que vencem entre o fim de abril e o começo de junho. Trata-se do estoque revelado pelo Estadão, que o governo já tentou reduzir com doações ao Haiti e a hospitais brasileiros, recusadas justamente pela data de validade.

Com a saída do Ministério da Saúde, o general Eduardo Pazuello pode deixar como herança números bem abaixo do esperado - Bolsonaro escolheu o médico Marcelo Queiroga para sua vaga. Quando assumiu a pasta, em maio do ano passado, ele era tratado como um "especialista em logística". Sob sua gestão, o ministério planejava alcançar 115 mil testes RT-PCR diários, mas a média nos primeiros seis dias de março foi de 30 mil testes. O ritmo é inferior ao alcançado em janeiro (57,26 mil), apesar do avanço da pandemia desde então.

Mais indicado para o diagnóstico, esse tipo de exame - que detecta o vírus ativo no organismo - utiliza um cotonete "swab" para coleta de amostras do nariz e faringe dos pacientes. A análise é feita em laboratório e exige insumos como reagentes para extração do RNA. Na rede privada, costuma custar mais de R$ 250.

Enquanto o ritmo de exames na rede pública segue abaixo do esperado pelo próprio ministério, disparam as análises em farmácias. Segundo dados da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), foram realizados, nestes estabelecimentos, 313,75 mil testes rápidos de anticorpos apenas na primeira semana de março, número recorde e 51% maior do que o registrado nos sete dias anteriores. Esse tipo de teste não é recomendado para diagnóstico da doença, pois não detecta o vírus ativo e custa pelo menos R$ 100 na rede privada.

Além de permitir o diagnóstico, a estratégia de testagem é vital para controle da pandemia, segundo especialistas. "Países que têm sucesso no controle da transmissão unem medidas de saúde pública, como suspensão de atividades não essenciais e lockdown, com testagem e monitoramento de contato", disse ao Estadão, no começo do mês, o sanitarista brasileiro e vice-diretor da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), Jarbas Barbosa.

"A estratégia tem efeito individual positivo, porque identifica cada caso e permite fazer a recomendação adequada: 'Fique em casa, não vá trabalhar, não tenha contato com a família, etc'. Além disso, quando monitoramos e testamos contatos daquela pessoa, acabamos cortando cadeias de transmissão do vírus", completa.

O ministério informou ao Estadão que "não é possível afirmar o motivo de redução de demanda" por testes RT-PCR no SUS. Segundo a pasta, uma hipótese é o atraso no registro dos dados. Além disso, citou possível aumento da confirmação de casos pela análise clínica, sem uso dos testes.

Ministério da Saúde disse que um dos motivos para a redução da demanda por testes RT-PCR no sus pode ser o uso de testes RT-LAMP pelos municípios
Ministério da Saúde disse que um dos motivos para a redução da demanda por testes RT-PCR no sus pode ser o uso de testes RT-LAMP pelos municípios
Foto: Jane Choi/Divulgação / Estadão

"Pode-se aventar a possibilidade de que o município esteja utilizando outros tipos de metodologias laboratoriais para encerrar os casos, como teste rápido de antígeno, RT-LAMP e teste rápido de anticorpo, que não são realizados na Rede Nacional de Laboratórios de Saúde Pública", declarou a Saúde.

Aniversário

O governo apostou nos exames no começo da pandemia, antes de abraçar a cloroquina e outros medicamentos sem eficácia para a covid-19. Em abril de 2020, o ministro da Economia, Paulo Guedes, prometeu trazer 40 milhões de testes rápidos ao Brasil por mês. A compra seria feita por meio de "um amigo" da Inglaterra e colocaria de pé o "passaporte da imunidade".

No entanto, mesmo somando dados de todos os tipos de exames já feitos na rede pública e privada, o Brasil ainda não atingiu o que Guedes planejava para apenas um mês. Segundo o Ministério da Saúde, foram feitos 36,4 milhões de exames, sendo cerca de 20 milhões RT-PCR e 16,4 milhões do tipo "rápido", para detectar anticorpos.

Apesar de ser mais confiável, o exame do tipo RT-PCR é de difícil execução e costuma levar até 48h para liberar o resultado. Alguns locais ainda precisam enviar as suas amostras para centrais de testagem que ficam em outros Estados. Por isso, secretários de Estados e municípios cobram desde o fim de 2020 a compra de exames de "antígeno", produto preciso e mais ágil, que apresenta resultado em até 2h.

A Saúde prometeu a entrega célere desses exames, mas afirma que ainda discute preços e prazo de entrega com fornecedores. No começo de janeiro, o governo ainda informou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que distribuiria os testes de antígeno a cerca de 755 mil indígenas.

Procurada, a Saúde afirmou que "mantém a meta" de testes, apesar de originalmente ela ter sido traçada até dezembro. A pasta não aponta exatamente quantos exames deseja realizar no SUS. Na mira dos partidos do Centrão e criticado pela gestão na área, Pazuello tem dito que distribui os testes conforme a demanda dos governadores e que as solicitações de análises também são feitas na ponta. Mas a Procuradoria da República no Distrito Federal (PRDF) questiona, em inquérito civil, o que a equipe de Pazuello tem feito para aperfeiçoar esta estratégia.

No fim de fevereiro, o órgão cobrou, por exemplo, quais foram as "providências adotadas visando à melhoria dos aspectos logísticos de movimentação de amostras e insumos aos locais de coleta e destes aos locais da testagem".

O Tribunal de Contas da União (TCU) apura ainda prejuízos aos cofres públicos, caso o estoque perca a validade. Cada unidade do produto parado custou R$ 42,32. O volume ainda sob a guarda da Saúde vale cerca de R$ 156,58 milhões, suficientes para a compra de mais de 5,2 milhões de vacinas de Oxford/AtraZeneca, fabricadas no Instituto Serum, da Índia. Os testes encalhados já tiveram a validade estendida por 4 meses pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com base em estudos da fabricante.

Como revelou o Estadão, a cúpula do ministério é alertada desde maio sobre o risco de os exames serem incinerados pelo fim da validade. A área técnica da Saúde chegou a sugerir a suspensão de compras enquanto laboratórios eram equipados. Ainda hoje o governo entregou menos insumos, como reagentes de extração, do que prometeu. O ministério não quis responder como irá atender a demanda por exames após junho, quando o estoque atual já terá sido entregue ou jogado no lixo pelo fim da validade.

Em uma corrida contra o tempo, a Saúde negociou a entrega de 1 milhão de exames ao Haiti. O pedido partiu do país caribenho, mas a equipe de Pazuello prontamente aceitou, mesmo sabendo que a carga venceria em breve. Ao conhecer a validade, o Haiti pediu apenas 30 mil unidades. A Saúde, agora, avalia doar exames para Belize, outro país da América Central, mas não revela quantas unidades podem ser entregues.

Estadão
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