Ibuprofeno e codeína: uso prolongado pode levar à morte, diz agência europeia
Comitê revisou casos de consumo por longo tempo e em doses superiores à recomendada
O Comitê de Avaliação de Risco de Farmacovigilância da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) alerta para os riscos provocados pelo uso prolongado e em doses superiores à recomendada de medicamentos usados para potencializar alívio de dor que combinam codeína (opioide - medicamento com efeitos analgésicos e sedativos potentes) e ibuprofeno (anti-inflamatório). Segundo comunicado do órgão emitido na sexta-feira, 30, podem ser graves os danos gastrointestinais e aos rins, podendo levar à morte do paciente.
Por isso, na última reunião mensal, o comitê decidiu pela alteração do prospecto de drogas que combinam codeína e ibuprofeno para incluir um aviso de "dano grave, incluindo morte, especialmente quando tomado por períodos prolongados em doses maiores que os recomendados", disse.
"O comitê revisou vários casos de toxicidade renal, distúrbios gastrointestinais e metabólicos que foram relatados em associação com casos de abuso e dependência de codeína com combinações de ibuprofeno, alguns dos quais foram fatais", acrescentou o órgão.
As medicações que combinam um opioide (codeína) e um anti-inflamatório (ibuprofeno) são usadas para tratar a dor, mas o comitê observa que o seu uso repetido pode levar ao vício e ao abuso devido ao componente codeína. Medicamentos com as duas substâncias costumam ser indicados para esses tipos de tratamentos.
Quando tomados em doses superiores ao recomendado ou por mais tempo, a codeína com o ibuprofeno pode danificar os rins, impedindo-os de eliminar os ácidos do sangue para a urina (acidose tubular renal). Além disso, o mau funcionamento dos rins também pode causar níveis muito baixos de potássio no sangue (hipocalemia), que, por sua vez, pode causar sintomas como fraqueza muscular e tonturas.
Desta forma, o comitê recomendou que esses dois novos efeitos adversos sejam adicionados à bula de medicamentos vendidos nos países da União Europeia. "Os pacientes devem ser aconselhados a consultar seu médico se quiserem usar codeína com ibuprofeno por mais tempo do que o recomendado e/ou em doses superiores às recomendadas", alertou a entidade.
O comitê também afirmou que existem medicamentos contendo codeína com ibuprofeno que são vendidos sem receita médica em países da Europa. Neste caso, a obrigatoriedade seria uma medida para amenizar o risco do uso da combinação.
As recomendações, juntamente com as principais mensagens para comunicação sobre os efeitos colaterais, foram enviadas às autoridades nacionais competentes dos países da União Europeia, que devem decidir sobre a necessidade de comunicação adicional em âmbito nacional. No Brasil, o ibuprofeno pode ser vendido sem receita, já a codeína precisa de prescrição médica para ser comprada. / COM AGÊNCIAS
O que é e para que serve o ibuprofeno?
O ibuprofeno é um remédio da classe dos anti-inflamatórios não hormonais e é usado comumente para reduzir sintomas decorrentes de inflamação, como dor (principalmente), além de vermelhidão e inchaço. "Por causa dessa ação anti-inflamatória costuma ser usado para reduzir dor leve a moderada, de modo geral", afirma Pedro Melo Barbosa, neurologista da Saúde Digital do Grupo Fleury.
Costuma ser indicado para o tratamento de dores de cabeça, dores musculares, dores de dentes, enxaquecas ou cólicas menstruais. Também após realização de cirurgias.
E a codeína? O que é e quando é usada?
A codeína é um analgésico opioide, o que significa que é um remédio da mesma classe do ópio. Atua mais sobre a percepção da dor no corpo, não reduz inflamação. Costuma ser usado para tratar dor moderada quando não decorrente de inflamação aguda. Trata-se de uma pró-fármaco da morfina.
Quando são usados para controlar dores crônicas por um longo período, o cérebro pode entender que as substâncias são necessárias para a sobrevivência. À medida que os medicamentos são administrados, o organismo aprende a tolerar a dose prescrita, sendo necessária uma quantidade maior do fármaco para aliviar a dor. Esse aumento gradual pode resultar em dependência. A prevenção da dependência de opioides pode ser realizada com a prescrição adequada desses medicamentos.
Como avalia o alerta do Comitê de Avaliação de Risco de Farmacovigilância da Agência Europeia de Medicamentos associando o uso prolongado de ibuprofeno e codeína a problemas renais, gastrointestinais, metabólicos e risco de morte?
Especialista em obesidade, Cid Pitombo alerta que o ibuprofeno é um anti-inflamatório e pode trazer consequências importantes no sistema renal, hepático e gástrico. "Em portadores de obesidade, por exemplo, todos os órgãos envolvidos nesses aparelhos já trabalham no limite e são afetados o tempo todo por substâncias produzidas pelas células gordurosas. Usar anti-inflamatório de forma prolongada ou excessiva potencializa esses efeitos maléficos", orienta o cirurgião bariátrico.
Para Barbosa, ambos devem ser usados para tratar dor por tempo determinado. "O uso prolongado de anti-inflamatórios como o ibuprofeno pode trazer alguns efeitos colaterais sérios, como insuficiência renal, gastrite, sangramento digestivo, entre outros. Já a codeína, pode causar dependência química, o risco é baixo, mas não é desprezível e aumenta com a dose e com o uso prolongado", acrescenta o neurologista.
Para Ubiracir Lima, conselheiro do Conselho Federal de Química (CFQ), trata-se de um alerta importante emitido pela agência europeia. "A exemplo das Nitrosaminas, possível contaminante que apresenta certa toxicidade, e presente em alguns medicamentos da classe das "Sartanas" (valsartana e outros) quando de uso prolongado. Acredito que mediante este alerta, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) deverá estudar medidas preventivas para a associação do ibuprofeno com a codeína", avalia ele.
Em nota enviada nesta sexta-feira, 7, a Anvisa afirma que não há no Brasil registro desses dois ativos combinados em um único medicamento (associação). Logo, não foram notificados eventos adversos relacionados a essa combinação.
Conforme a Anvisa, até o momento, essa situação não enseja comunicação de risco e fica mantido o perfil benefício-risco favorável para os medicamentos que contenham os princípios ativos codeína ou ibuprofeno.
"É importante informar, contudo, que o uso de medicamentos de modo prolongado e em doses superiores às recomendadas constitui, por si só, condição potencialmente favorável à ocorrência de eventos adversos. O uso de medicamentos deve ser feito dentro das indicações e limites estabelecidos em bula", acrescentou a nota.
A agência reguladora reforça ainda que dores recorrentes devem ser investigadas junto ao profissional médico, que definirá o melhor tratamento e acompanhará mais de perto o paciente.
São indicados juntos por potencializar alívio de dor? E a partir de agora, qual a cautela?
O uso combinado destes medicamentos aumenta a eficácia no controle da dor, porém é importante que o uso seja por tempo determinado. "Mecanismos de controle de dispensação e acompanhamento médico periódico são fundamentais para uso adequado, já que são remédios com potencial alto de abuso considerando a prevalência de dor na população geral e a facilidade de obtenção", orienta Barbosa.
A cautela inicial, validada por um profissional médico, deverá ser emitida para as dosagens e para uso contínuo. "O monitoramento destes pacientes deverá ser mais frequente para tomadas de decisões específicas, principalmente para observações para sinais de danos renais e gastrointestinais. Mas, sempre, antes da utilização de medicamentos, especialmente em casos de utilizações complementares, que sejam lidas as bulas. E claro, sempre ter indicação e acompanhamento de profissional médico", acrescenta Lima.
Quais as contraindicações de uso?
"Os anti-inflamatórios são contraindicados em pessoas com gastrite ou úlcera gástrica, insuficiência renal e doença cardiovascular. Devem ser usados com cautela em idosos pelo risco de sangramento gastrointestinal", explica Barbosa.
As principais contraindicações presentes em bulas de fabricantes são:
- Ibuprofeno: Em pacientes com hipersensibilidade às substâncias ativas. Especificamente para o ibuprofeno, verifica-se que não deve ser utilizado por paciente que tenha apresentado alergia ao ácido acetilsalicílico ou a outros medicamentos anti-inflamatórios. É contraindicado também para pacientes com úlcera péptica em atividade.
"É importante informar sempre ao seu médico sobre possíveis doenças cardíacas, coração, renais, hepáticas ou que esteja apresentando para receber uma orientação cuidadosa. O ibuprofeno deve ser prescrito com precaução em doentes com asma ou afecções alérgicas, especialmente quando há história de broncoespasmo", orienta o conselheiro do CFQ.
- Codeína: Há contraindicação em casos de diarreia associada à colite pseudomembranosa causada por cefalosporina, lincomicina ou penicilina, em casos de diarreia causada por envenenamento, casos de depressão respiratória, especialmente em presença de cianose e excessiva secreção brônquica.
"Além disso, quando há dependência a drogas, inclusive alcoolismo, instabilidade emocional ou tentativa de suicídio, condições em que há aumento da pressão intracraniana, arritmia cardíaca, convulsão, função hepática ou renal prejudicada, inflamação intestinal, hipertrofia ou obstrução prostática, hipotireoidismo e cirurgia recente do trato intestinal ou urinário. Em crianças, recém-nascido e bebês prematuros", enumerou Lima.
Qual a composição química de ambos?
Ainda segundo Lima, os medicamentos formulados com estes IFAs (Insumos Farmacêuticos Ativos) podem variar entre diferentes fabricantes. Entretanto, os demais componentes, chamados tecnicamente de excipientes ou insumos não ativos, não seriam vinculados ao alerta farmacológico emitido pela agência europeia.
"As estruturas químicas dos próprios insumos ativos, em altas doses ou uso prolongado, frequência destes IFAs no organismo, poderiam causar interações indesejadas, resultando naqueles danos renais e gastrointestinais alertado pela agência europeia", acrescenta o membro associado da Sociedade Brasileira de Química (SBQ) e coordenador da Comissão Técnica de Química Farmacêutica e membro da Comissão Técnica de Saneantes do CRQ IV (SP).