Jovem é internada após implante de 'chip da beleza' com ocitocina; entenda riscos
Implante é vedado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e não tem aval da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa)
Uma jovem foi internada em estado grave em um hospital de São Paulo ao desenvolver um edema cerebral 24 horas após colocar um implante hormonal contendo gestrinona, testosterona, ciproterona e ocitocina, conhecido como "chip da beleza". O caso viralizou após ser publicado nas redes sociais pelo ginecologista endócrino Marcelo Luis Steiner. O implante é vedado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e não tem aval da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Segundo Steiner, o caso chegou até ele por meio de um colega da área, que relatou que a paciente, em menos de 24 horas após o procedimento, apresentou sérios problemas, incluindo rebaixamento de consciência, convulsões, edema cerebral - caracterizado por um inchaço no cérebro causado por um aumento do volume de líquido no tecido cerebral - e diminuição dos níveis sanguíneos de sódio.
"Provavelmente consequência de uma intoxicação hídrica devido ao uso excessivo de ocitocina que levou a uma diminuição do sódio e resultado num desequilíbrio hidroeletrolítico importante. Foi tentado sem sucesso a retirada do implante. Ela está estável, mas sem prognóstico definido. Vamos torcer para que a recuperação seja plena e rápida", informou o médico na postagem.
Usado por famosos e anônimos, o "chip da beleza" promete melhorar a estética. Trata-se de um implante hormonal, cuja composição pode conter testosterona, estrogênio, gestrinona ou progesterona - as substâncias vão depender da necessidade do paciente. Sua forma é a de um bastonete de silicone, que é implantado abaixo da pele, na região do quadril. Uma vez implantada no corpo da pessoa, a substância começa a ser liberada na corrente sanguínea.
Em abril deste ano, o Conselho Federal de Medicina (CFM) emitiu a Resolução nº 2.333/23, proibindo a prescrição médica de terapias hormonais com esteroides androgênicos e anabolizantes (EAA) com finalidade estética, para ganho de massa muscular e/ou melhora do desempenho esportivo, tanto para atletas amadores quanto profissionais. A medida destaca a ausência de comprovação científica suficiente para justificar esses usos.
No caso do "chip da beleza", que promete ajudar na perda de gordura corporal e no ganho de massa muscular, não há regulação para o uso que visa a performance por parte da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Além disso, antes da prescrição do CFM, entidades médicas já contraindicavam a aplicação com viés estético ou atlético.
A norma do Conselho Federal de Medicina ressalta a falta de estudos clínicos que demonstrem os riscos associados ao uso acima dos níveis fisiológicos, além da inexistência de comprovação científica de condições clínico-patológicas decorrentes de baixos níveis de testosterona ou androgênios. O CFM alerta para os riscos potenciais do uso inadequado de hormônios, incluindo efeitos cardiovasculares, doenças hepáticas, transtornos mentais e de comportamento, distúrbios endócrinos, entre outros.
A decisão do CFM é respaldada por diversas sociedades médicas, que solicitaram a regulamentação do uso de esteroides anabolizantes para fins estéticos e de performance. A Resolução do CFM destaca que a prescrição de terapias hormonais é indicada somente em casos de deficiência específica comprovada, com benefícios cientificamente comprovados.
A medida proíbe ainda a prescrição de hormônios "bioidênticos" em formulação "nano" ou com nomenclaturas comerciais sem comprovação científica de superioridade clínica, bem como de Moduladores Seletivos do Receptor Androgênico (SARMS) para qualquer indicação. Também impede a adoção experimental de terapêuticas não autorizadas no Brasil sem consentimento do paciente e restringe atividades de ensino e publicidade que estimulem o uso dessas terapias sem comprovação científica.
Em audiência realizada em agosto deste ano, representantes de sociedades médicas ouvidos ela Comissão do Esporte da Câmara dos Deputados também condenaram os implantes hormonais para fins estéticos ou de desempenho esportivo.
Na ocasião, Cristiane Moulin, representante da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade, alertou para uma gama de efeitos colaterais associados aos implantes hormonais, que variam desde queda de cabelo e acne até danos cardíacos e hepáticos. Apesar dessas preocupações, Moulin observa um aumento no uso desses implantes. Ela afirmou que a população é bombardeada por informações, muitas vezes promovidas por médicos visando benefícios financeiros, utilizando até mesmo celebridades como exemplos de sucesso.
Durante a audiência, representantes da Anvisa esclareceram que a gestrinona foi autorizada para o tratamento da endometriose por via oral na década de 80, mas não houve solicitação para registro de implantes, o que dificulta a implementação de medidas restritivas. No entanto, a agência proibiu a publicidade de implantes hormonais em 2021 e, em 2022, classificou a gestrinona como substância anabolizante.