Juízes veem risco de lotação de cadeias e soltam presos
Brasil tem 770 mil encarcerados, mas ainda não se sabe quantos irão para casa
A soltura obedece à recomendação 062/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que determina a adoção de medidas preventivas no sistema de justiça penal e socioeducativo. A medida, válida por 90 dias, recomenda a adoção de medidas de não custódia para mulheres grávidas, mães com filhos até 12 anos, indígenas, pessoas com deficiência e outros grupos de risco, como maiores de 60. O CNJ recomendou a reavaliação de prisões preventivas que excedam 90 dias e a adoção de medidas preventivas em unidades superlotadas.
Na semana passada, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, defendeu "não ceder ao pânico" e manter os presos nas cadeias para não "vulnerabilizar as pessoas que estão fora da prisão". Ele considerou que a medida não é possível de ser aplicada mesmo para aqueles que não cometeram crimes violentos. "Vamos soltar todos os traficantes do País?".
Nesta quinta-feira, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), determinou que todos os presos por pensão alimentícia no País sejam colocados em prisão domiciliar. No dia anterior, uma liminar beneficiava apenas os presos do Ceará nessa condição. O pedido de extensão da medida foi feito pela Defensoria Pública da União.
Um relatório elaborado pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul apontou que magistrados libertaram mais de 3,4 mil detentos das cadeias desde o dia 17 de março. Hoje, esse grupo está em prisão domiciliar. Conforme o promotor Luciano Vaccaro, do Centro de Apoio Operacional Criminal, entre os que cumprem prisão em casa há criminosos que cometeram delitos graves, como estupros, homicídios, feminicídios e latrocínio. Ele citou como exemplo um detento acusado de realizar ataques com ácido em pessoas na zona sul de Porto Alegre. "Ele foi libertado com base no pânico gerado dentro do sistema jurídico brasileiro e estão soltando simplesmente pelo risco de contaminação dentro do sistema carcerário. Isto é uma suposição. Não há registro de covid-19 dentro das prisões do Rio Grande do Sul."
Em Santa Catarina, 1,1 mil detentos do sistema prisional foram soltos desde o dia 21, quando a Justiça determinou a soltura de detentos dos grupos mais vulneráveis à doença. A medida atingiu presos de 51 unidades prisionais e levou em conta a preservação da saúde dos agentes e funcionários.
Os juízes do Rio terão dez dias para reavaliar as prisões preventivas e temporárias das pessoas com mais de 60 anos, do contrário elas deverão ser soltas imediatamente. É o que determina habeas corpus obtido nesta quinta pela Defensoria Pública do Estado no STJ. No Estado de São Paulo, a Defensoria Pública entrou com ação no Tribunal de Justiça para a liberação de presos de grupos de risco, mas ainda não há decisão. As liberações de detentos são feitas de forma pontual. Conforme o CNJ, nove Estados - Acre, Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Piauí, Rio Grande do Sul e Tocantins - criaram comitês para tratar da aplicação das medidas previstas na resolução. No Paraná e Rio Grande do Norte, comitês já existentes criados para a questão prisional também se engajaram.
Na semana passada, o presidente do CNJ e do STF, ministro Dias Toffoli, ressaltou a importância da medida. "É imperativo que o Judiciário não se omita e adote uma resposta rápida e uniforme, evitando danos irremediáveis."
A medida também beneficia políticos presos, acusados de corrupção. Na quinta, o Tribunal de Justiça de Minas autorizou o preso Marcos Valério, condenado no processo do mensalão do PT, a cumprir prisão domiciliar. O tribunal acatou pedido da defesa, que argumentou que Valério tem mais de 60 anos e está com a saúde combalida. No mesmo dia, o STJ autorizou a soltura do ex-prefeito de Araçariguama (SP), Carlos Aymar, para cumprir prisão domiciliar. Ele foi preso após ser flagrado extorquindo dinheiro. A defesa alegou que Aymar tem doença crônica.
Para o epidemiologista Francisco Job Neto, especialista em saúde prisional, os esforços do Judiciário para a proteção dos presos estão no caminho certo. "Isolamento nas cadeias não torna o preso mais protegido contra o coronavírus. Mesmo que se proíbam as visitas, funcionários continuarão entrando e saindo, tendo contato com os presos e a comunidade externa, assim podem levar e trazer o vírus."
Ele afirma que o vírus vai entrar nas prisões, do mesmo jeito que entraram outras doenças, como o sarampo e a gripe. "É preciso salvaguardar a população carcerária no grupo de risco, como idosos, diabéticos, hipertensos e portadores de insuficiência renal. Levando em conta que muitos desses presos já têm a saúde ruim, é previsível que tenhamos número de infectados superior ao da população em geral. Muitos vão precisar de UTI por ter doença respiratória crônica e, na prisão, dependendo do horário, fica difícil de remover o preso."