Médicos deixam comitê da covid-19 após prefeito adotar tratamento com cloroquina
Infectologistas afirmam que, além de não haver comprovação do benefício do uso do medicamento para o paciente, existem evidências de efeitos adversos, até com desfechos fatais
SOROCABA - Quatro médicos infectologistas pediram o desligamento do comitê municipal para a covid-19, depois que a prefeitura adotou a cloroquina no tratamento precoce da doença, em Sertãozinho, no interior de São Paulo.
No pedido, os médicos afirmam que, além de não haver comprovação do benefício do uso desse medicamento para o paciente, existem evidências de efeitos adversos, até com desfechos fatais. Em nota, a prefeitura informou que segue protocolo do Ministério da Saúde.
A polêmica começou depois que o prefeito José Alberto Gimenez (sem partido) anunciou, na terça-feira, 21, que iria incluir na rede pública de saúde do município a cloroquina e azitromicina para pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) com sintomas do novo coronavírus a partir desta quinta-feira, 23.
Em rede social, Gimenez disse que usou o medicamento quando apresentou sintomas da doença, com orientação médica. "Coube a mim essa difícil decisão e decidimos pela orientação do Ministério da Saúde quanto à utilização da cloroquina e azitromicina para o tratamento precoce da covid-19."
Os médicos que assinam o documento - infectologistas Marília Borsari, Renata Abduch, Sheila Cristina Teodoro e Victor Franco Oba - alegam que o prefeito contrariou um parecer técnico do comitê que havia se posicionado contra o uso.
"Com relação à cloroquina e hidroxicloroquina, não existem estudos randomizados que comprovem o benefício do seu uso em pacientes graves, mas existem evidências dos efeitos adversos, principalmente arritmias cardíacas (em associação com azitromicina), alguns com desfechos fatais", diz trecho do parecer.
No ofício à prefeitura, os médicos afirmam que o intuito do posicionamento é resguardar a saúde da população. "No município de Sertãozinho, contraindicamos o uso em pacientes ambulatoriais com sintomatologia leve ou moderada nesse momento, seguindo recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS)", afirma o texto. Procurados, os médicos informaram que não se pronunciariam isoladamente sobre o caso.
Em nota, a prefeitura de Sertãozinho informou que até esta quinta não tinha recebido oficialmente o pedido de desligamento dos médicos, mas tomou conhecimento pelas redes sociais e lamenta a decisão.
"Na verdade, a prefeitura aderiu a um protocolo emitido pelo Ministério da Saúde, disponibilizando com critérios técnicos o manejo medicamentoso precoce de pacientes com diagnóstico de covid-19. É importante esclarecer que o médico só deve prescrever azitromicina e/ou cloroquina ao paciente se julgar necessário, tendo como base avaliação clínica e exames complementares", informa a nota.
O tratamento exige a concordância por escrito do paciente. "A prefeitura tem ciência que o assunto da medicação precoce não possui consenso da classe média e, não havendo obrigatoriedade de participação dos quatro servidores médicos infectologistas no Comitê Técnico Covid-19, vai acatar o pedido de desligamento", acrescenta a nota.
Até a manhã desta quinta, a cidade de 126 mil habitantes registrava 2.085 casos e 45 mortes pelo coronavírus. Outros 373 casos eram investigados e 822 pacientes se recuperaram.
Cloroquina em cidades do Interior
Pioneira no uso do medicamento, a prefeitura de Porto Feliz, também no interior paulista, adotou a hidroxicloroquina associada outros medicamentos desde o início da pandemia.
A cidade de 52 mil habitantes tem 561 casos confirmados e 10 óbitos, além de 179 suspeitos e 507 pessoas curadas. Os números do novo coronavírus não são diferentes de cidades vizinhas do mesmo porte que não usam a cloroquina, como Capivari. Nesta cidade, houve 608 casos e nove mortes, além de 58 suspeitos e 425 curados.
Em Ribeirão Preto, após análise de estudos internacionais, a prefeitura decidiu esta semana não adotar a cloroquina na prevenção da covid-19. Desde maio, o Ministério da Saúde recomenda o uso de cloroquina para tratamento precoce de pacientes com a doença. Em junho, a recomendação foi estendida a gestantes, crianças e adolescentes.
Na semana passada, a OMS e a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) reafirmaram o posicionamento comum contra o uso da cloroquina, alegando que as evidências disponíveis sobre benefícios do uso de cloroquina ou hidroxicloroquina são insuficientes. "A maioria das pesquisas até agora sugere que não há benefício e já foram emitidos alertas sobre efeitos colaterais do medicamento", diz nota conjunta.