Microcefalia recua, mas nova epidemia de zika preocupa em PE
Mudança nos números se deve a fatores como redução do pânico em relação à má-formação e ajuste ao novo protocolo para notificações
Uma nova epidemia de altas proporções de zika, chikungunya e dengue causa preocupação em médicos em Pernambuco, que lida com o mais alto número de casos suspeitos e confirmados de microcefalia no País. As ocorrências recentes da má-formação em bebês têm sido associadas ao zika vírus, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti.
Mas, desde o início de janeiro, o número de novos casos registrados em todo o País – que chegou a crescer mais de 40% por semana em dezembro – começou a cair.
Atualmente, o Ministério da Saúde investiga 3.670 casos suspeitos de microcefalia. Cerca de 400 foram confirmados e 700, descartados. A queda nas notificações provocou questionamentos sobre a qualidade do registro de casos no País.
De acordo com o ministério, a mudança nos números se deve a fatores como redução do pânico em relação à má-formação e ajuste dos serviços de saúde ao novo protocolo para notificações – que estaria evitando erros no registro de casos.
Especialistas também levantaram a hipótese de subnotificação de casos de microcefalia no passado, o que explicaria o número atual maior.
No entanto, para médicos que tentam comprovar a ligação entre microcefalia e zika, o alto número de bebês registrados nos últimos meses de 2015 também se deve ao fato de que eles foram concebidos nos primeiros meses do ano, quando o mosquito está mais ativo.
"O número de casos novos de microcefalia caiu, se compararmos com dezembro. Atendíamos cerca de 15 novos casos por semana e agora são quatro", disse à BBC Brasil a infectologista Regina Coeli, do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, principal referência para o atendimento da microcefalia no Estado.
"O que vimos até agora é um reflexo de nove meses atrás, quando havia um surto de dengue, zika e chikungunya. Precisamos tomar pé da situação para que o mesmo não ocorra daqui a nove meses."
'Enxugando gelo'
O cenário em Pernambuco mostra que as medidas de combate ao mosquito podem ter chegado tarde para evitar novas ocorrências.
Em dezembro, o governo pernambucano anunciou que destinaria R$ 25 milhões a esforços para atender as famílias com casos de microcefalia e para ações de combate ao Aedes aegypti.
No entanto, o Estado já registra uma epidemia de arboviroses (doenças transmitidas por mosquitos) cujos números superam o do mesmo período no ano passado.
No caso da dengue, cuja notificação é compulsória há mais tempo, o crescimento em relação ao início de 2015 chega a 190%, de acordo com dados divulgados pela Secretaria da Saúde pernambucana.
Em cidades como Vitória de Santo Antão, a cerca de 60 km de Recife, a emergência do Hospital João Murilo de Oliveira atendeu mais de 3 mil pacientes a mais do que sua capacidade – 70% deles com sintomas de uma das três arboviroses.
"Entre novembro e janeiro tínhamos uma queda nos atendimentos, mas esse ano já estamos superlotados. O pico das viroses, que era nos meses de março, abril e maio, veio antes", disse a diretora do hospital, Roberta Camara.
"Muitas pessoas têm chegado aqui com manchas vermelhas no corpo. Até os nossos funcionários estão adoecendo. Estamos superlotados e a sensação é de que estamos enxugando gelo."
Segundo Camara, o hospital recebeu mais de 90 mães com sintomas que podem ser de zika vírus em janeiro – 40 a mais do que no mês anterior. Desde o último mês de outubro, a cidade teve 26 casos suspeitos de microcefalia notificados.
"As gestantes são um alerta para nós. E elas chegam muito assustadas com a possibilidade de terem zika."
Desespero
Luciana Verçosa, de 33 anos, falou com a reportagem da BBC Brasil enquanto aguardava resultados de testes para saber se tinha dengue ou chikungunya. O teste para diagnosticar o zika vírus, que é feito em Recife, demora cerca de 15 dias para ficar pronto.
Ela está grávida de cinco meses e há uma semana sente dores nos pés, coceira e tem manchas vermelhas pelo corpo. "Vim para cá hoje na esperança de a médica me examinar e dizer que não é nada. Nem estou preocupada comigo, sei que as manchas vão passar. É mais com meu filho mesmo."
Em seu bairro, diz ela, é raro receber visitas de agentes de saúde. Família, vizinhos e colegas de trabalho pegaram algum tipo de dengue, chikungunya ou zika.
"Já gastei tanto repelente que nem sei mais o que usar. Na minha casa não tem foco, mas não sei na dos outros. Se for o mosquito, só pode ser na casa de alguém."
O coordenador-geral de Vigilância em Saúde de Vitória de Santo Antão, Marcos Santos, diz que a cidade ainda não recebeu verba estadual prometida para ações contra o Aedes aegypti. O repasse do governo federal chegou, mas menor do que nos anos anteriores.
Além do lixo espalhado nas ruas – que pode acumular água limpa e servir de foco para as larvas do mosquito –, bairros da cidade costumam ficar mais de um mês sem água. Por isso é comum que pessoas armazenem em casa.
"Nosso problema com o mosquito é grande. A gente fica pensando até quando vai conseguir vencer", afirma Santos.
"Já tivemos outras epidemias e conseguimos acabar com elas, mas agora vemos que o mosquito está se alastrando. Ficamos até em desespero, porque estamos apagando incêndio com pouca água."