Militar indicado à Anvisa apoia criticas a Coronavac e OMS
Indicação ocorre no momento em que a Anvisa está sob questionamento sobre a autonomia do órgão para analisar os imunizantes
Indicado nesta quinta-feira, 12, pelo presidente Jair Bolsonaro à direção da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o tenente-coronel Jorge Luiz Kormann faz coro a teses reprovadas pelo próprio órgão que poderá comandar.
No Twitter, o militar endossa mensagens contrárias à Organização Mundial da Saúde (OMS) e também críticas à Coronavac, vacina contra a covid-19 que está sendo desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantã. O órgão é vinculado ao governo de São Paulo, comandado por João Doria (PSDB), adversário político de Bolsonaro.
A indicação ao cargo ocorre no momento em que a Anvisa está sob questionamentos sobre a sua autonomia para analisar o registro de vacinas. As críticas se intensificaram após Bolsonaro comemorar e apontar como vitória pessoal sobre Doria a decisão da agência de suspender justamente os testes da Coronavac.
Na segunda-feira, 9, minutos após a Anvisa anunciar a suspensão dos estudos, Kormann curtiu no Twitter publicação do empresário Leandro Ruschel, que afirmava: "Todo mundo sabe que o Doria é o 'China Boy'. Mas nessa história da vacina, tá ficando até constrangedor." Após avaliar dados de um comitê internacional, a Anvisa autorizou o retorno do ensaio na quarta-feira, 11.
Atual secretário-executivo adjunto do Ministério da Saúde, o militar mostra ainda apoio a publicações do escritor Olavo de Carvalho, tido como guru do bolsonarismo. Segundo fontes que acompanham os trabalhos da Saúde, Kormann é fiel seguidor de ideias do presidente Bolsonaro, como o uso do 'kit-covid', tratamento que usa medicamentos sem eficácia comprovada contra a pandemia, como a hidroxicloroquina. A própria Anvisa não indica na bula do medicamento este uso.
Kormann fez poucas publicações em suas redes sociais. No twitter, há duas interações com o vereador no Rio Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho do presidente, sobre um conflito entre Irã e Israel, em maio de 2018. Além disso, em abril do mesmo ano, ele comentou "ridícula infame" em publicação do Estadão no Twitter sobre denúncia apresentada pela ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge contra Bolsonaro por racismo.
O indicado à Anvisa também curtiu publicação de 27 de setembro do escritor Guilherme Fiuza que fala em "parceria" da OMS com a "ditadura chinesa. "Se você ainda não acredita na parceria saudável da OMS com a ditadura chinesa, fique em casa. Com mais seis meses de tranca você vai estar chamando urubu de meu louro e lockdown de ciência", afirmava a publicação.
Kormann interagiu com mais de uma publicação de Bolsonaro em defesa da hidroxicloroquina. No fim de setembro, ele curtiu vídeo do presidente no Twitter que acompanhava a mensagem: "Milhares de vidas poderiam ter sido salvas caso a HQC não tivesse sido politizada".
Se for aprovado à Anvisa, Kormann terá de lidar com assuntos diversos. Além de aprovar o registro de medicamentos, a agência lida com fiscalização sanitária de portos, aeroportos e fronteiras. Também define regras sobre agrotóxicos, cigarro, alimentos, cosméticos e produtos para saúde, como próteses. Em uma canetada, a agência tem o poder de interditar grandes fábricas ou aplicar multas.
Para ilustrar a força da agência, diretores do órgão costumam comentar que têm mais de 25% do PIB nacional nas mãos. A Anvisa ainda tem papel de liderança em discussões internacionais sobre vigilância sanitária, como as que ocorrem na OMS.
Fundador e primeiro presidente da Anvisa, o sanitarista e professor da USP Gonzalo Vecina reprovou a indicação de Kormann, que não tem formação na área de saúde. "Chega de fazer improvisações para a Anvisa. Num momento tão crítico como esse não se pode fazer uma indicação tão desqualificada", disse Vecina, colunista do Estadão.
Procurado pelo Estadão, o indicado à agência disse que não tinha "nada a declarar" e negou se posicionar sobre mensagens nas redes sociais, além de suas opiniões sobre vacinação e a OMS.
Cúpula da agência pode ter só nomes indicados por Bolsonaro
Se confirmada a entrada de Kormann na Anvisa, a cúpula da agência será formada apenas por nomes indicados por Bolsonaro. O militar ocuparia a vaga da diretora Alessandra Bastos, remanescente do governo de Michel Temer. O mandato de Soares se encerra em 19 de dezembro.
Para assumir uma das cinco diretorias da agência, o militar precisa ter o nome aprovado por comissão e plenário do Senado. Antes destas votações, há ainda outro obstáculo: sobreviver à guerra política pelo cargo, cobiçado por militares e partidos do Centrão. Apenas em 2020 Bolsonaro recuou de duas indicações à Anvisa e substituiu os nomes propostos.
Presidente da Anvisa, o contra-almirante Barra Torres é aliado de Bolsonaro e foi cotado ao posto de ministro da Saúde em mais de uma ocasião. Parte das críticas dirigidas à Anvisa se devem ainda à ida do chefe da agência sanitária, sem máscara, a ato pró-governo realizado em 15 de março, marcado por aglomerações, pedidos de intervenção militar e provocações ao STF e ao Congresso Nacional.
Influente na escolha de pelo menos dois diretores da Anvisa este ano, Barra Torres disse, por meio de sua assessoria, que não conhece e não sugeriu o nome de Kormann. Segundo apurou o Estadão, a indicação é da ala militar do governo e tem aval do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.
Barra Torres tem negado que a agência se deixa influenciar pela "guerra política" sobre a covid-19. Na terça-feira, 10, disse à imprensa que a disputa ocorre apenas fora dos muros da Anvisa. "O que o cidadão brasileiro não precisa hoje é de uma Anvisa contaminada por guerra política", afirmou.