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Mineira foi diagnosticada com Parkinson aos 47 anos e luta para conviver com a doença: ‘Achei que fosse morrer cedo’
Janette de Melo Franco superou o choque do diagnótico e fundou uma associação para acolhimento em MG
Poucos momentos na vida dão um ‘sacode’ daqueles a ponto de fazerem qualquer um se perguntar: e agora? Ser diagnosticado com uma doença incurável definitivamente faz parte dessa lista. Dois anos antes desse dia chegar na vida de Janette de Melo Franco, ela já sentia o que estava por vir.
Primeiro, percebeu uma dor de cabeça constante. Depois, o que passou a incomodar foi uma mudança no olfato combinada com dores pelo corpo e sintomas parecidos com a depressão. Intrigada, ela procurou ajuda médica, mas nunca encontrava um diagnóstico. Foi somente muito depois dessa saga começar que a mineira encontrou um desfecho: ela estava com Parkinson, aos 47 anos.
“Durante dois anos, eu fiquei em busca de uma solução para o meu problema sem saber. Fui a vários especialistas, até que apareceu um sintoma motor: o enrijecimento do meu braço esquerdo, como se eu estivesse muito pesado. Senti também uma rigidez no pescoço irradiando para o braço”, relembra.
Fechar o diagnóstico de Parkinson nem sempre é fácil. O mapeamento da doença é uma combinação da observação do histórico clínico do paciente com alguns exames neurológicos. Isso significa que não há nenhum teste específico para identificar a condição degenerativa.
Foi só quando seu caminho cruzou com o de um ortopedista que Janette recebeu a resposta que buscou por dois anos. O médico solicitou um exame neurológico e lá estava ele: o Parkinson. O anúncio da doença veio seguido de um amargor que a mineira nunca vai esquecer.
“Eu tinha 47 anos na época e achava que tinha muita vida pela frente. Eu realmente tive, mas naquela época eu pensei que eu ia falecer cedo. Achei que ia ficar incapaz logo, logo. Que não teria mais condições de viver. O que passa na cabeça da gente que recebe um diagnóstico como esse, é que realmente a vida acabou”, desabafa.
Além de ter que se entender nessa nova fase de vida, Janette também precisou lidar com o choque dos familiares. Quando tenta descrever a reação dos entes queridos, ela encontra palavras duras: “Tinham revolta, tristeza. Incapacidade de aceitar aquilo como verdade, pedindo para buscar outros médicos, outros diagnósticos. Não aceitavam a ideia da doença na minha vida”, conta.
O medo de enfrentar a vida com a doença de Parkinson tomou proporções ainda maiores quando Janette resolveu buscar explicações do ‘Dr. Google’.
“É complicado você ler sobre a doença na internet. É uma busca insana, porque você sai do estágio 1 para o 5 em poucos segundos. Como se a sua vida começasse a se deteriorar com o diagnóstico e terminasse em pouco tempo. É muito difícil a gente ter esse conhecimento. Por isso mesmo é que eu busquei ajuda”, explica.
A “ajuda” a qual a mineira se refere não estava na internet, e sim nas pessoas ao seu redor. Sem conhecer alguém com o mesmo diagnóstico para dividir as dúvidas e angústias, Janette criou sua própria rede de apoio.
Com a ajuda de uma médica que a atendia na época, ela fundou a Associação dos Parkinsonianos de Minas Gerais (Asparmig) há 14 anos. Hoje, o grupo atende a mais de 80 pessoas e conta com uma estrutura que dispõe de fisioterapeutas, fonoaudiólogos, acupunturistas, arteterapeutas e outras especialidades.
Tudo isso levantado com a força de quem encontra uma estranha mania de ter fé na vida após o baque do diagnóstico de uma doença que já foi conhecida - erroneamente - como “Mal” de Parkinson.
“Ressignificar a vida depois do diagnóstico é o desafio que a gente tem, é o arroz com feijão que você tem que fazer diariamente, é aquela luta que você não pode se eximir de enfrentar”, defende Janette.
Nesta sexta-feira, 11, é celebrado o Dia da Conscientização da Doença de Parkinson, instituído pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1998. Para a mineira, a data deveria ser todos os dias.
‘A minha história é só mais uma’
“Não adianta falar só da Janette. A minha história é só mais uma história”, destacou a própria fundadora da Associação. Apesar de topar contar sua trajetória com a doença de Parkinson ao Terra, a mineira fez questão de ressaltar, a todo o tempo, a luta coletiva. Para ela, não há travessia que se faça sozinha após o diagnóstico.
Prova disso é que a história de Janette com a doença se mistura com a história da própria Asparmig. “Através do grupo, eu aprendi sobre a doença, sobre minha vida, como lidar com o diagnóstico e fui conhecendo várias pessoas, várias formas de enfrentamento”, argumenta.
Na Asparmig, o auxílio funciona através do que ela chama de rede de apoio e sustentação. Na grade da associação, há diversas atividades - on-line e presenciais - que ajudam na manutenção da qualidade de vida: fisioterapia, nutrição, psicologia, arteterapia, educação física, entre outros.
Se pudesse abraçar mais gente, Janette seria imensamente feliz. “Atendo pouca gente. Já atendo cerca de 84 pessoas, porque eu não posso atender mais. Eu não tenho profissionais suficientes para atender esse maior número de pessoas. Mas eu sei que tem muita gente sofrendo por aí, precisando desse tipo de atendimento”, lamenta.
Além das atividades para as pessoas que convivem com Parkinson, o grupo também promove um momento especial entre os amigos e familiares. A corrida Run For Parkinson reúne quem queira participar em prol da conscientização da doença. A próxima edição ocorre neste sábado, 12.
Nas memórias de Janette, os momentos mais marcantes de sua vida desde o diagnóstico foram durante a maratona.
“O que eu sempre me sensibilizo muito é ver a minha mãe, com 82 anos, lá para me apoiar. Isso é muito emocionante. Assim como ver o meu neto fazendo a mesma coisa. Mas sei que não é só por mim. Quando a gente tem alguém que ama e que luta, busca por nós, nos emociona muito. É muito lindo de ver. É muito bom viver essa emoção”, exalta.
‘O processo de aceitação vem junto’
Fechar o diagnóstico de Parkinson é apenas o início de uma longa trajetória que se abre. Isso porque a doença não tem cura, mas o tratamento, quando bem feito, pode melhorar a qualidade de vida e atenuar as dificuldades impostas pela condição. O acompanhamento inclui as medicações, claro, mas também todo um trabalho multidisciplinar
Para Janette, o primeiro passo é sempre a aceitação.
“Quando você não aceita o diagnóstico, aceitar as medicações torna-se ainda mais difícil. O processo de aceitação vem junto. A medicação colabora para que você, tendo qualidade de vida, melhorando sintomas, consiga aceitar melhor essa condição de doença. Também é importante entender que a medicação não faz milagre, mas é essencial para o tratamento”, aconselha.
A mineira reconhece que fala em tratamento estando em um lugar de privilégio. Diferente de outros pacientes com realidades mais difíceis, Janette é acompanhada por profissionais de saúde especialistas em seu quadro clínico na rede particular.
“Eu tenho médico especialista em desordens de movimento, tenho acesso às medicações que não estão gratuitas pelo governo porque eu tenho condições de comprar. O que o mais fico indignada é a falta de condições do SUS para a gente ser atendido”, critica.
Atualmente, o Sistema Único de Saúde (SUS) dispõe do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Doença de Parkinson. A medida inclui uma lista de medicamentos gratuitos aos diagnosticados, disponibilizados através do programa Farmácia Popular. A portaria aprovada em 2017 ainda oferece a possibilidade de um implante de estimulador cerebral profundo para o controle da doença.
No entanto, Janette ainda sente falta de um tratamento multidisciplinar mais acessível aos pacientes de Parkinson. “Se eu tenho problemas e dificuldades tendo acesso a tudo isso, quem não tem? Como é que está vivendo?”, questiona.
“Uma pessoa com Parkinson não adoece sozinha. Comprometendo a minha a minha mobilidade, a minha capacidade de falar, a autonomia, o orçamento da família. Se eu tenho 40 anos e recebo diagnóstico, eu vou viver mais 30 anos, talvez. Como, se eu não posso trabalhar? Existe todo um sistema adoecido em prol desse desconhecimento da doença. Ela tem tratamento? Tem. As pessoas têm acesso a esse tratamento? Eu já acho que 1%”, completa.
É aí que entra a importância do trabalho de conscientização, segundo Janette. “É fazer com que as pessoas saibam sobre a doença, procurem diagnóstico e que tenham médicos capazes de oferecer um tratamento de qualidade”, garante.
Um desses trabalhos multidisciplinares importantes para o bem-estar dos que convivem com o Parkinson é a fisioterapia. É através das sessões que o paciente é estimulado a afinar a amplitude de movimento, a mobilidade, o fortalecimento muscular, a coordenação motora e o equilíbrio.
Quem afirma é o fisioterapeuta Alexandre Carvalho. “Temos que trabalhar bastante exercícios posturais, de extensão torácica, de extensão de membros inferiores e superiores, exercícios respiratórios”, explica.
A variação de estímulos também pode ser uma aliada poderosa na evolução do tratamento. “Se o paciente faz fisioterapia todos os dias, por mais que a gente seja criativo nas condutas, acaba ficando monótono. É bom associar, por exemplo, três dias de fisioterapia com dois dias de hidro, ou com dois dias de pilates, ou com dois dias de alguma atividade física que ele goste. Até porque são dois estímulos diferentes, para os pacientes é bom”, detalha.
Diferente do que muitas pessoas pensam, receber o diagnóstico de Parkinson não é como acionar um “freio de mão” na vida. Alexandre relembra um paciente que convivia com a doença sendo extremamente ativo e funcional.
“Tive um paciente de mais de 93 anos com Parkinson. Ele tinha a marcha preservada, pouco tremor, mas se cuidava muito. Fazia muitas atividades, era um homem muito dinâmico, muito disciplinado, fazia tudo certinho da fisioterapia. É uma doença que requer muita disciplina, precisa ser bastante disciplinado para poder dar uma segurada na evolução”, argumenta.
‘A não socialização leva à invisibilidade’
Por conta dos sintomas, algumas pessoas tendem a se fechar em si. O caminho, no entanto, deveria ser inverso. A pessoa com Parkinson precisa se abrir ao mundo, para desmistificar a doença. Quem aposta nisso é Janette.
A capacidade de se reinventar, para ela, é fundamental para entender que o Parkinson não define os que convivem com a doença.
“O que eu entendi nesse processo de adoecimento é que eu consigo viver a minha doença, na intimidade, sem que ela prejudique ou se encerre por si só. Não sou uma pessoa com Parkinson, eu estou com Parkinson. Significa que eu não sou o diagnóstico, ele não pode me definir”, se emociona.
Esse processo de conscientização da própria condição só se dá, diz Janette, por meio da socialização. “Por medo, insegurança ou mesmo por preconceito, a tendência de alguns é ficar dentro de casa. É não socializar. Mas a não socialização leva à invisibilidade”, diz.
“Eu acho que esse é o grande problema: a invisibilidade. Ninguém quer saber se o problema não estiver dentro de casa. Eu tenho que ter a doença para ter consciência dela? A que ponto nós chegamos? Ela existe independente de eu saber ou não. Agora, se as pessoas que estão dentro de casa não se manifestam, elas precisam ter o olhar do familiar que vê, observa, procura e tenta ajudar”, completa.
Para quem convive com uma doença incurável, ter referência pode ser um tranquilizador potente. Em março deste ano, Augusto Nascimento, filho do cantor Milton Nascimento, anunciou aos fãs que o pai está com Parkinson há dois anos. Quem também tem falado sobre a condição é a jornalista Renata Capucci, de 51. Ela guardou o diagnóstico em segredo por quatro anos.
Segundo Janette, não basta anunciar. É preciso conscientizar. “Existem muitas pessoas que têm notoriedade no país que poderiam puxar melhor essa campanha. Falta engajamento. Porque fazer uma divulgação pessoal é diferente de você fazer uma campanha de conscientização”, argumenta.
Passados 15 anos do diagnóstico, Janette hoje se vê diferente do que era quando não sabia muito bem o que era o Parkinson, ainda amargando o choque de uma notícia tão difícil.
“Eu tinha tantas perguntas sem respostas, hoje eu tenho menos perguntas. Daquela época para cá, é que eu já estou muito mais satisfeita com tudo que eu tenho e dou muito mais valor a tudo que eu tenho do que antes. Me sinto plena. Faço aquilo que eu quero do jeito que eu quero, mas respeito as pessoas, respeito a mim mesma. Eu luto não é para vencer, é para ficar melhor um pouquinho hoje, mais amanhã e mais amanhã, e aí vai. A vida é assim. Um dia após o outro, né?”, assume.