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Morte de cacique da etnia Arara é o segundo óbito de indígena por coronavírus no Xingu

Cerca de 80 indígenas testaram positivo na região, sendo 65 em Altamira, três em Anapu e 11 em Vitória do Xingu

10 jun 2020 - 21h20
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BELÉM - Com o ritual cercado de protocolos de higiene e distanciamento, devido aos cuidados para evitar contaminação do novo coronavírus, foi enterrado nesta terça-feira, 9, o cacique da etnia Arara José Carlos Ferreira Arará, de 41 anos, na região da Volta Grande do Xingu, no Pará. A liderança da tribo morreu vítima da covid-19 e é o segundo indígena da localização que veio a óbito por causa da doença. Durante a cerimônia, os indígenas lamentaram a perda e também cobraram por mais políticas públicas que atendam às aldeias.

No Pará, 65% dos casos de covid-19 estão no interior do Estado, de acordo com os dados da Secretaria de Saúde Pública (Sespa). Segundo o Distrito Sanitário Especial de Saúde Indígena (Dsei), as aldeias do Xingu continuam cumprindo quarentena para evitar a disseminação da covid-19 nas comunidades. Na região, há mais de 80 aldeias indígenas.

José Carlos Arara, cacique da aldeia Guari-Duam, percebeu os primeiros sintomas da doença ainda na aldeia, mas logo foi levado ao Hospital Geral de Altamira São Rafael, onde morreu após uma parada cardíaca, na segunda-feira, 8. No fim do dia, o corpo do cacique embarcou do município em uma embarcação tipo voadeira no porto da cidade, onde foi recebido por familiares e amigos na sua comunidade.

O óbito foi confirmado pelo Conselho Distrital de Saúde Indígena, que, por nota de pesar, lamentou a morte do cacique. O texto diz que "Zé Carlos", como era conhecido, foi um grande lutador das causas indígenas da região e um conselheiro distrital de saúde que buscava melhorias para o povo indígena.

O cacique foi uma das lideranças que esteve com Arnold Schwarzenegger quando o ator visitou, em 2011, a região de Altamira para conversar com a comunidade local sobre a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte.

Presidente do Conselho Municipal de Saúde de Altamira, Silvano Fortunato da Silva, afirmou que, devido à dificuldade do acesso às tribos da região, muitos indígenas acabam falecendo por não terem um pronto atendimento. "Arara foi enterrado ontem (terça-feira, 9), com um ritual bem rápido. As lideranças indígenas estão reclamando bastante da falta de apoio do Ministério da Saúde, através da Sesai. Além da falta de atenção, eles precisam também de comunicação, um diálogo. Sobre o coronavírus nas aldeias, os protocolos de higiene e distanciamento pouco são cumpridos para o velho Xingu", explicou.

A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) é responsável por coordenar e executar a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas e todo o processo de gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS) no Sistema Único de Saúde (SUS).

Conforme o relatório de monitoramento dos casos de covid-19 de Altamira, dividido por aldeia, terra indígena e municípios, até as 15h desta quarta-feira, 10, cerca de 80 pessoas foram positivados com a doença na região do Xingu, sendo 65 em Altamira, três em Anapu e 11 em Vitória do Xingu.

Primeira morte de indígena

A primeira morte de indígena da região foi registrada no último dia 4 de maio. Uma mulher indígena, de 40 anos, da etnia Munduruku, veio a óbito no Hospital Regional de Altamira e foi enterrada no cemitério do município, o São Sebastião.

A indígena tinha problemas cardíacos e respiratórios. Ela lutou contra a doença por uma semana e chegou a ficar internada em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), com grave comprometimento dos pulmões.

Equipes do Distrito Sanitário de Saúde Indígena (Dsei) realizam testes rápidos nos indígenas com sintomas de Síndrome Respiratória Aguda em Cachoeira Seca e Alto Rio Curuá para tentar identificar se há outros casos de covid-19.

Recomendação

No dia 25 de maio, o Ministério Público Federal (MPF) enviou recomendação ao Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Guamá-Tocantins para que dois indígenas moradores da terra Xikrin do Cateté, mortos por complicações da covid-19 em Marabá, pudessem ser enterrados dentro do território, atendendo ao apelo de parentes. O protocolo deve ser adotado por todas as aldeias, independentemente de região.

O protocolo do Ministério da Saúde para funerais de vítimas do novo coronavírus prevê uma série de cuidados para evitar contaminação, mas não tratou das particularidades dos povos tradicionais e deixou de garantir o enterro de seus membros com base nos costumes e tradições próprios. Para o MPF, por meio do diálogo intercultural, é possível assegurar os funerais dentro das terras indígenas, respeitando os cuidados necessários para o manejo de corpos contaminados pelo novo coronavírus, o que ocorreu no caso dos Xikrin do Cateté.

A recomendação do MPF garantiu diálogo entre o Dsei e a comunidade que permitiu tanto os cuidados sanitários quanto o respeito às tradições do povo Xikrin. O MPF explica, na recomendação, que "qualquer atitude estatal permeada por perspectivas homogeneizantes e pela ideia de assimilação" viola a pluralidade cultural e étnica que é protegida pela Constituição brasileira porque "colore, enriquece e engrandece a democracia inclusiva das sociedades modernas". Dessa forma, "toda política pública e todos os atos estatais devem levar em consideração as tradições de tais povos, de maneira a salvaguardar seus costumes".

As cerimônias devem evitar as aglomerações, manter as urnas funerárias fechadas, disponibilizar máscaras, água, sabão, papel toalha e álcool em gel 70% para higienização das mãos durante todo os rituais funerários e evitar, especialmente, a presença de pessoas que pertençam a grupo de risco. A recomendação diz que todas as medidas devem ser dialogadas com as famílias e com as lideranças das comunidades indígenas.

Estadão
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