"Não lembro a última vez que consegui chorar", diz mulher com síndrome sem cura
Síndrome de Sjögren é uma doença autoimune que inflama as glândulas e impede que o corpo produza lágrimas ou saliva
"Não lembro quando foi a última vez que consegui chorar. Lembro quando tentei, em 2017, no enterro do meu pai. A emoção forte vinha, mas as lágrimas não", lembra Rosemary do Carmo, de 51 anos. Ela é portadora da Síndrome de Sjögren, doença autoimune e sem cura que impede que suas glândulas produzam lágrimas ou saliva.
A dona de casa foi diagnosticada com a doença há cerca de nove anos. Na época, veio a confirmação também de outras duas doenças: Linfoma não Hodgkin e purpura pigmentosa.
"É que quando aparece uma doença autoimune, ela puxa outras coisas também, né?", justifica, sem jeito.
A boca seca foi um dos primeiros sinais que o corpo de Rosemary deu de que algo não estava indo bem. Ela sentiu a língua grossa e espessa, que nem mesmo beber água resolvia. "Tem horas que você não consegue terminar uma frase, sua boca trava", acrescenta
Perceber os olhos secos foi determinante para que Rosemary buscasse ajuda médica. O diagnóstico veio de forma rápida, após alguns exames.
Mas essa agilidade não é regra, explica a reumatologista Virgínia Moça Trevisani, que atua como coordenadora da Comissão de Síndrome de Sjögren na Sociedade Brasileira de Reumatologia. Segundo ela, os pacientes podem travar uma busca de seis a dez anos pelo diagnóstico correto da doença.
Isso acontece, principalmente, porque secura na boca e nos olhos é sintoma de diversas outras condições clínicas, como fibromialgia, hipotireoidismo, diabetes, medicamentos antidepressivos e até a menopausa, por exemplo.
Síndrome seca
Também conhecida como síndrome seca, a doença autoimune atinge principalmente mulheres - cerca de nove delas para cada homem diagnosticado, segundo a reumatologista. É uma doença relativamente comum, mas ainda pouco falada.
Na Síndrome de Sjögren, as glândulas inflamam e vão, com o passar do tempo, perdendo suas funções. A falta de saliva e lágrimas é o sintoma inicial da doença, mas vários problemas vão surgindo em decorrência de tanta secura.
"No olho, a pessoa sente ardência, coceira, cansaço. Começa a ter embaçamento e ardência, olhos vermelhos", conta a especialista.
Da mesma forma, a saliva também é importante para a saúde dos dentes e da boca.
"Quando fica seca, o paciente começa a ter ardência, infecções secundárias, queilite, perda de dentes e aparecimento de cáries múltiplas", diz.
A perda dos dentes pode acontecer, segundo Trevisani, porque a saliva é importante no processo de mineralização dos dentes. Sem a saliva, cáries vão surgindo e enfraquecendo esses ossos, fazendo com que caiam com o tempo.
Além dessas duas regiões, toda a pele e também a vagina ficam ressecadas. "Outros sistemas também podem ser comprometidos pela doença", aponta a reumatologista. Foi o que aconteceu com Rosemary, que desenvolveu Linfoma não Hodgkin, associado à síndrome, nódulos nos pulmõese e nas tireoides e outras condições.
Como diagnosticar a Síndrome de Sjögren
O surgimento da Síndrome de Sjögren não tem causa exata. O fator genético pode faciltiar o desenvolvimento da doença autoimune, mas fatores ambientais, doenças virais, infecções e aspectos emocionais podem fazer com que a doença se manifeste.
O primeiro passo para o diagnóstico são exames oftalmológicos, para analisar as glândulas oculares. O segundo passo é passar por um exame de fluxo salivar, para checar quanta saliva está sendo produzida. Por fim, uma biópsia é feita na glândula salivar para atestar a condição.
"Não tem cura. O que pode ser feito é o controle de sintomas com lubrificantes oculares, óculos escuros para proteger da luz, compressas no olho. Já na boca, é preciso ir ao dentista com frequência e usar produtos adequados", aponta a reumatologista Virgínia Moça Trevisani.
Ela destaca ainda que, caso o paciente desenvolva outras condições a partir da síndrome, é preciso que sejam administrados medicamentos sistêmicos.
Vida de cabeça para baixo
Rosemary do Carmo, que convive com o diagnóstico há nove anos, resume o tratamento como "algo que virou a vida de cabeça para baixo".
"Passo o dia pingando colírio, tomo bastante medicamento. Minha rotina é bem complicada", explica.
Ela também é obrigada a comer tomando algum líquido. "Se não tiver, minha garganta fecha e parece que vai voltar tudo, não consigo engolir", diz.
A mulher sofre, também, com a falta de um remédio de alto custo oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o rituximabe. A recomendação médica é de uma dose a cada seis meses, mas Rosemary já está há um ano sem o medicamento. Cada dose custa cerca de R$ 10 mil.
"Quando eu tomo ele, melhora muito minhas dores articulares. Ele combate as inflamações", explica Rosemary, que faz o acompanhamento do tratamento no Hospital das Clínicas, em São Paulo.
A equipe do Terra questionou o Ministério da Saúde sobre a falta do medicamento no sistema público, mas a pasta não se manifestou até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto.
*Com edição de Estela Marques.
** A foto de Rosemary do Carmo foi excluída para preservar sua identidade.