Nenhuma insônia frequente é normal
Especialista em transtornos do sono alerta para os problemas causados por noites maldormidas
Você já teve insônia? Saiba que, definitivamente, não está sozinho, já que, segundo estudos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), 72% dos brasileiros sofrem com alguma alteração no sono, dentre elas a dificuldade para dormir propriamente dita. O problema é que passar as noites em claro é desastroso para sua saúde e bem-estar a longo prazo, já que por trás de uma insônia podem estar uma série de problemas de saúde, desde ansiedade e depressão até doenças cardiovasculares. Para elucidar esse tema, a Mente Afiada conversou com Isabel Braga, médica PhD e referência em transtornos do sono, autora do livro Noites de Renovação, lançado este ano. E um pequeno spoiler: a especialista alerta que qualquer insônia não eventual, ou seja, frequente, deve ser investigada por um médico.
Há algum mito sobre insônia que você gostaria de esclarecer?
"Vende-se hoje uma ideia de higiene do sono como uma pílula mágica, o que não condiz com a realidade. Os homens pré-históricos dormiam profundamente mesmo sem tomar chás e aquecerem os pés. A higiene do sono colabora e há de fato vários mecanismos científicos na maioria das medidas, mas achar que só isso vai resolver na maioria dos casos é algo ilusório. A causa da insônia é que deve ser o foco da sociedade."
Quais perfis de pessoas são mais suscetíveis à insônia?
"Pessoas sedentárias e com alimentação pouco saudável são, sem dúvida, mais suscetíveis à insônia. No entanto, pouco tem se falado sobre como as doenças clínicas podem afetar o sono. O câncer de mama, mieloma múltiplo, doença celíaca e artrite reumatoide costumam estar combinados com a insônia, por exemplo."
E como a insônia afeta a saúde física de uma pessoa?
"O cérebro precisa dormir e atingir estágios de sono mais profundos para realizar a limpeza, reduzindo o acúmulo de toxinas que levam a doenças neurodegenerativas como Parkinson e Alzheimer. Além disso, a secreção de diversos hormônios depende de uma boa noite de sono. Mecanismos de saciedade e capacidade decisória crítica também são afetados. Outras consequências devastadoras da ausência de sono adequado são doenças autoimunes e até neoplasias/câncer."
E os prejuízos da insônia para a saúde mental?
"Sem o descanso adequado, o cérebro tende a se manter inflamado, prejudicando a conversão do triptofano em serotonina, e isso aumenta a ansiedade. O estresse da falta de sono adequado gera libertação de cortisol, adrenalina e noradrenalina, levando ao estresse crônico e consequente desvio do sangue para áreas relacionadas à sobrevivência e não à racionalidade e pensamento crítico, prejudicando todo o processo decisório."
Você é crítica ao uso de medicações para dormir. Pode explicar melhor o porquê?
"Primeiramente, o uso crônico desse tipo de medicamento pode atrasar o diagnóstico de um transtorno clínico causador de insônia. Além disso, a maioria desses medicamentos afeta a arquitetura do sono e gera uma falsa sensação de que se dormiu, quando na verdade houve uma sedação."
Dicas práticas de como dormir melhor
- 1. Deixar o quarto em uma temperatura confortável e usar meias para vasodilatação periférica;
- 2. Ter uma alimentação balanceada para evitar picos de glicose e balanceamento de nutrientes;
- 3. Atentar para os riscos da luz azul no celular e os picos de dopamina decorrentes de joguinhos, que nos motivam a ficar acordados;
- 4. Evitar muitos estímulos sensoriais no quarto;
- 5. Nada de medicações sem recomendação médica;
- 6. E lembre-se: insónias frequentes não são normais e podem estar denunciando algum problema de saúde. Caso a dificuldade para dormir persista, busque um médico. (Box)
Você já se perguntou o que é o sono?
O sono, falando em 'linguagem científica', é um estado reversível de desligamento da atividade sensorial e motora voluntária. Porém, o que muitos esquecem, principalmente na sociedade moderna (você pode até já ter visto um daqueles coachs se orgulhando de se levantar extremamente cedo ou de dormir pouco, por exemplo), é que dormir não é meramente uma invenção da mente humana, mas sim "uma característica essencial que fortaleceu, protegeu e evoluiu nossa espécie ao longo de milhares de anos, e que deve ser encarada como um importante marcador social", segundo a especialista.
Na verdade, uma noite maldormida pode literalmente ter causado o desastre nuclear de Chernobyl (a tragédia foi atribuída a 'falha humana decorrente de privação de sono' após investigação). E você pode até não ser o responsável pela segurança de uma usina nuclear, mas saiba que cerca de 40% dos acidentes de trânsito nas rodovias federais estão relacionados à sonolência ao volante, segundo um levantamento da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (ABRAMET). Para finalizar: não dormir bem coloca a sua saúde e talvez até a das pessoas à sua volta em risco. Portanto, chega de 'trabalhar enquanto eles dormem'.