No Pará, mortes e atendimento precário acentuam a covid-19
Contador viu o pai e vários outros pacientes morrerem no corredor, sem assistência adequada
"Foi tudo muito rápido e desesperador. Ele apresentou os sintomas e, após dois dias, morreu. Passei quase 22 horas ao lado do meu pai no hospital até ver o seu fim", lembra o contador George Pinto Gonçalves, de 38 anos. O aposentado Pedro Damasceno Gonçalves, de 67 anos, é uma das vítimas fatais do coronavírus no Pará.
Ele travou uma luta não apenas contra o vírus, mas com o sistema de saúde do Estado. Aos familiares, além da dor da perda, restou a impotência e o sentimento de revolta. Depois de cinco dias já morto, um servidor do hospital que o aposentado foi atendido, em Belém, ligou para saber como ele estava.
Foi na cidade de São Caetano de Odivelas, no nordeste paraense, que Pedro Damasceno começou a sentir os sintomas. Foi levado à Unidade de Saúde do município, quando o médico que o atendeu disse à família que teria de ser atendido na capital, devido aos poucos recursos da cidade de 17 mil habitantes. Seu filho George, que mora em Belém, foi então buscá-lo.
Após percorrer 114 quilômetros até Belém, o aposentado deu entrada no Hospital Abelardo Santos, no distrito de Icoaraci, no fim da noite do dia 1.° de maio. Ele piorou. "A saturação chegou a 25% e não foi entubado. Usava oxigênio que, por três vezes, o médico cubano que o atendeu, repassou para outros pacientes. Revoltante, não?", comentou George ao Estadão.
À medida que as horas avançavam, o desespero tomava conta. "Vi cinco pessoas morrendo no corredor. Estava um caos. Os médicos e enfermeiros estavam perdidos, sem saber o que fazer. As pessoas não paravam de chegar", recorda. Mas, foi à noite que o pior aconteceu. "Meu pai já não estava respirando, e comecei a gritar, pedir por socorro. Fui colocado para fora, até que depois me chamaram com a notícia da sua morte."
Quando George foi ao cartório para dar entrada na certidão de óbito, a guia estava sem a assinatura e o registro profissional do médico. "Voltei ao hospital e um médico assinou e colocou insuficiência respiratória. Retornei ao cartório e, novamente, tive de ir ao hospital liberar o corpo, que já não estava lá. Depois da procura, informaram que estava no IML", detalha.
Do necrotério, o corpo seguiu direto ao cemitério, sem direito a uma despedida. Foram dez minutos ao lado do caixão. O aposentado morreu no dia 2 de maio, e no dia 7, um funcionário do hospital Abelardo Santos, em Belém, ligou para a família perguntando por Pedro.
Silencioso, o coronavírus, assim como assolou parte da família de George, deixa um rastro de destruição no Pará: interrompeu sonhos, devastou o sistema público e privado de saúde, colapsou o serviço funerário, arruinou a economia e enclausurou mais de 3,5 milhões de pessoas. A partir desta segunda-feira, o Estado se prepara para juntar os cacos, unir forças e retomar a vida.
Quando os números da doença eram tímidos no Pará, e poucos casos estavam confirmados, o governo reagiu com medidas de distanciamento social, anunciou a construção de hospitais de campanha, criou leitos, colocou atendimento itinerante e comprou equipamentos.
Aos poucos, agora, as filas nas portas das unidades de saúde estão desaparecendo, no sistema público e privado. As atividades não essenciais estão sendo retomadas. Ontem, terminou o prazo do lockdown, que teve início dia 7 de maio em dez cidades e depois em outras seis, totalizando 3,5 milhões de pessoas dos 8,5 milhões do Estado. Mais de 3,8 mil multas foram aplicadas. Os 16 municípios em lockdown tiveram média de 49,28% de isolamento. O Pará, hoje, tem 390 leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) adulto, com taxa de ocupação em 94,8%.
O sistema funerário colapsou. Desde 5 de abril, quando morreu a primeira pessoa com a doença na capital, dezenas de famílias aguardam por mais de um dia a liberação dos corpos dos seus entes. À frente do local, tendas foram montadas para amenizar a espera. Os cemitérios não comportaram a demanda de enterros. Faltaram caixões.