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O cérebro humano tem crescido nas últimas décadas: o que isso significa para nossa inteligência?

As pessoas nascidas nos últimos anos têm cérebros significativamente maiores do que os das gerações anteriores. Mas isso as torna mais inteligentes?

29 abr 2024 - 13h30
(atualizado em 30/4/2024 às 18h02)
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Uma cientista submete o cérebro de uma paciente a uma tomografia
Uma cientista submete o cérebro de uma paciente a uma tomografia
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Existem maneiras bastante elegantes de insultar. Por exemplo, na minha família da região de La Mancha, na Espanha, quando alguém diz "hoje o seu cérebro cresceu", está insinuando que você está um pouco mais "lento" que o habitual.

Com o passar do tempo, o significado das palavras muda e, ao que parece, o volume do nosso cérebro também.

Não é de admirar, portanto, que no futuro e de acordo com os últimos estudos em neurociência, qualquer menção ao tamanho deste órgão seja considerada um elogio.

Mas para falar com precisão sobre o assunto, é importante esclarecer algo primeiro.

O sistema nervoso central é composto pelo encéfalo (que inclui o cérebro, o tronco cerebral e o cerebelo) e a medula espinhal. Embora o cérebro seja a parte maior do encéfalo, é apenas uma parte dele. Portanto, é mais preciso referir-se ao conjunto com o segundo termo.

No entanto, num estudo recente que iremos analisar detalhadamente mais adiante, os investigadores encontraram mudanças principalmente no volume do cérebro.

Portanto, desta vez, e sem que sirva de precedente, serão utilizados ambos os termos indiscriminadamente.

O encéfalo inclui o cérebro, o tronco encefálico e o cerebelo
O encéfalo inclui o cérebro, o tronco encefálico e o cerebelo
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

O nosso cérebro ainda não atingiu o seu limite

A evolução dotou os humanos de um encéfalo de grandes dimensões, com um volume entre 1.200 e 1.400 cm³.

Embora haja animais, como a baleia cachalote, que possam ter um cérebro muito grande em termos absolutos (8.000 cm³), é necessário considerar a proporção em relação ao resto do corpo.

Neste sentido, os humanos são os seres vivos com o maior encéfalo, sem discussão, uma vez que é cinco vezes maior em relação ao tamanho corporal. Este facto tem sido tradicionalmente associado a uma maior inteligência e melhores capacidades cognitivas superiores.

E o processo evolutivo continua. Isso significa que o nosso cérebro ainda está a crescer ou já atingimos o limite máximo?

Parece ser que é o primeiro: a pesquisa mencionada anteriormente descobriu que as pessoas nascidas nos últimos anos têm cérebros significativamente maiores do que as gerações anteriores.

Para descobrir isso, os cientistas realizaram ressonâncias magnéticas em 3.226 pessoas, mulheres (53%) e homens (47%) com idades entre 45 e 74 anos.

Comparando as imagens dos voluntários nascidos entre as décadas de 1930 e 1970, descobriram que, em média, os cérebros dos participantes dos anos 70 tinham um volume 6,6 % maior do que os dos sujeitos nascidos quarenta anos antes, sem diferenças significativas entre homens e mulheres.

O crescimento afetaria áreas importantes como a substância branca - rede de axónios mielinizados que permitem a comunicação entre as diferentes áreas dentro e fora do sistema nervoso - a substância cinzenta cortical - onde a maioria dos processos cognitivos e emocionais ocorrem - e o hipocampo, uma estrutura responsável por várias funções cognitivas, como a memória ou a capacidade de se orientar e deslocar.

Este aumento poderia ser influenciado por vários fatores ambientais e de desenvolvimento, como melhor atenção médica pré e pós-natal, avanços na nutrição, mudanças no estilo de vida, aumento do acesso à educação e maior estimulação cognitiva.

Segundo medições de pesquisadores, cérebros de gerações mais jovens tinham, em média, volumes 6,6% maiores
Segundo medições de pesquisadores, cérebros de gerações mais jovens tinham, em média, volumes 6,6% maiores
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Para a inteligência, o tamanho (quase) não importa

A próxima questão que surge é: o aumento do cérebro nos torna então mais inteligentes? Não exatamente.

Embora o estudo analise tendências nos volumes cerebrais e sua associação com fatores temporais e ambientais, o tamanho não é necessariamente um indicador direto de inteligência.

A teoria da encefalização sugere que o tecido cerebral "extra" permite dedicar mais neurônios a tarefas cognitivas. E embora seja verdade que existe uma pequena, mas significativa, correlação entre as dimensões do encéfalo e o desempenho cognitivo, não há uma relação direta e absoluta entre ambos os parâmetros.

A inteligência é um construto multifacetado determinado por uma ampla gama de fatores, incluindo genética, ambiente e saúde.

Além disso, as habilidades cognitivas superiores são influenciadas pela estrutura e conectividade cerebral, plasticidade e experiência individual, entre outros elementos.

Definitivamente, o tamanho do encéfalo não é o único fator que determina a inteligência.

A encefalização, ou aumento relativo do tamanho do encéfalo em relação ao tamanho do corpo, tem sido um processo chave na evolução do cérebro humano, mas não o único. Também foi necessária uma reorganização dos tecidos e circuitos cerebrais.

Portanto, a relação entre tamanho e inteligência não é linear, e espécies com cérebros menores podem apresentar habilidades cognitivas superiores às de espécies com órgãos maiores. Um exemplo claro são as aves em comparação com os primatas. Seus cérebros são menores em relação ao corpo, mas têm uma alta densidade neuronal concentrada em áreas específicas.

Isso lhes permite desfrutar de níveis elevados de cognição, com habilidades como planejamento para o futuro ou busca de padrões. O mesmo pode ocorrer entre diferentes indivíduos humanos.

O volume dos cérebros de diferentes espécies varia, mas isso não significa necessariamente que os mais pequenos tenham habilidades cognitivas inferiores
O volume dos cérebros de diferentes espécies varia, mas isso não significa necessariamente que os mais pequenos tenham habilidades cognitivas inferiores
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Mais preparados para enfrentar o declínio cognitivo

O que parece indicar este tipo de estudos é que o aumento do tamanho do encéfalo pode influenciar o desenvolvimento cognitivo ao proporcionar uma reserva cerebral maior, o que potencialmente reduz o risco de deterioração cognitiva e doenças neurodegenerativas.

Apenas na Espanha, cerca de um milhão de pessoas sofrem de algum tipo de demência, caracterizada pela diminuição do volume encefálico. Pesquisas científicas sugerem que um volume cerebral maior pode estar associado a uma melhor saúde cerebral e maior resistência a doenças como o Alzheimer.

Em outras palavras, com um encéfalo maior, levaria mais tempo para perder volume como consequência da doença, o que poderia se traduzir em uma maior esperança e qualidade de vida para os pacientes com demência.

Um maior volume cerebral pode estar associado a uma maior resistência a condições relacionadas à idade, como o Alzheimer
Um maior volume cerebral pode estar associado a uma maior resistência a condições relacionadas à idade, como o Alzheimer
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Por enquanto, esta é apenas uma hipótese que requer muito mais pesquisa para ser confirmada.

De fato, o crescimento do cérebro teria que ser acompanhado por uma melhoria na plasticidade cerebral influenciada pelo nosso ambiente. Isso seria crucial para processar mais informações, aprender melhor e se adaptar mais facilmente a diferentes situações ao longo da vida.

Resumindo, embora o aumento do volume cerebral ao longo das décadas não se traduza diretamente em uma maior inteligência, oferece uma perspectiva fascinante sobre nossa evolução neurológica.

Esse crescimento poderia representar uma espécie de "reserva cognitiva", uma vantagem oculta que poderia nos ajudar a combater doenças neurodegenerativas como o Alzheimer.

Pessoalmente, sou a favor dessa virada na evolução: entre ser mais inteligente e não esquecer, prefiro a segunda opção.

*José A. Morales García é pesquisador científico em doenças neurodegenerativas e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Complutense de Madrid. Seu artigo foi publicado no The Conversation, cuja versão original você pode ler aqui

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