'O cirurgião esqueceu um saco de plástico dentro da minha barriga'
Tom Hadrys disse que cirurgia realizada em Brighton em 2016 deixou ele fraco até hoje.
Um homem no Reino Unido descobriu que uma bolsa de coleta de amostras médicas foi deixada dentro de sua cavidade abdominal após uma cirurgia de hérnia.
O cirurgião que realizou o procedimento, em 2016, no Royal Sussex County Hospital, em Brighton, também deixou para trás parte do intestino de Tom Hadrys que havia sido cortado para ser retirado durante a operação.
De acordo com um relatório de incidente hospitalar ao qual a BBC teve acesso, o cirurgião só percebeu o erro quando voltava do hospital para casa.
A polícia do condado de Sussex investiga pelo menos 105 casos de suposta negligência médica por parte de equipes cirúrgicas do University Hospital Sussex, parte do NHS, o serviço público de saúde britânico.
O NHS afirmou que o trabalho das suas equipes cirúrgicas "é monitorado continuamente e de perto" e "sempre que os resultados ficam abaixo dos nossos elevados padrões, medidas são tomadas imediatamente".
Ao retornar à enfermaria, ainda sob algum efeito da anestesia geral, o engenheiro aposentado Tom Hadrys, de 63 anos, lembra de ter sido abordado por um médico.
"Eu estava consciente e ouvi o que imagino ter sido o cirurgião sussurrando em meu ouvido. Ele disse: 'Sinto muito', e acho que disse: 'Cometemos um erro e eu 'tenho que levar você de volta para a sala de cirurgia'."
Mais tarde, Hadrys ficou sabendo que ao dirigir de volta para a casa após a cirurgia, o médico repassava mentalmente os detalhes da operação quando percebeu o erro cometido.
"Ele deu meia-volta com o carro e retornou ao hospital", disse Hadrys.
O mesmo cirurgião realizou posteriormente um segundo procedimento cirúrgico para remover tanto a bolsa de amostras como a seção do intestino deixada por engano durante a primeira operação.
Considerado pela diretoria do hospital como um "evento do tipo Nunca" - algo que nunca deveria ter acontecido - o caso foi investigado como grave incidente.
O órgão do NHS controlador do hospital admitiu que os erros cirúrgicos ocorridos no caso de Hadrys acabaram por prolongar a recuperação do paciente além do previsto. Em 2020, o NHS emitiu um pedido de desculpas e concordou em pagar ao paciente uma indenização de 15 mil libras (equivalente a cerca de R$ 90 mil) .
Mas o cirurgião - cujo nome a BBC não pode revelar por razões legais - continuou a operar e segue trabalhando para o NHS. Posteriormente, ele foi nomeado para integrar um time de especialistas, apesar da avaliação contrária de alguns colegas que não o consideravam suficientemente qualificado.
Outras "questões sobre a competência" do cirurgião foram levantadas em e-mails trocados por funcionários mais antigos e também por médicos recém-formados, incluindo referências ao "aparente aumento nas taxas de mortalidade ao longo de anos".
Katie Urch, diretora médica do University Hospitals Sussex NHS Foundation Trust, reafirmou que a equipe cirúrgica tem o compromisso de oferecer o melhor e mais seguro atendimento aos pacientes, muitas vezes em situações desafiadoras."
Ela acrescentou que por conta da complexidade de certas cirurgias, o elemento de risco está sempre presente, apesar da alta qualificação profissional das equipes.
Urch disse que "os resultados são monitorados constantemente e de perto - tanto interna quanto externamente - e sempre que eles ficam abaixo dos padrões estabelecidos, são tomadas medidas imediatas para prevenir erros e aperfeiçoar os processos."
O NHS, sistema público de saúde britânico, vem enfrentando uma forte pressão nos últimos anos — agravada por uma série de fatores, como a pandemia de covid-19; arrocho no financiamento; falta de mão de obra; e greves de profissionais de saúde por reajuste salarial, o que sobrecarrega as equipes e acaba afetando o atendimento que os pacientes recebem. Muitos têm esperado meses e até anos para receber tratamentos vitais.
A BBC investiga questões relativas à segurança dos pacientes nos hospitais universitários Sussex NHS Foundation Trust há dez meses.
Em 2023, recebemos denúncias de que pacientes teriam morrido desnecessariamente, enquanto outros tinham sido "definitivamente mutilados". Também foi relatada a existência de uma cultura gerencial "mafiosa".
A rede de hospitais afirma que a sua principal prioridade é prestar "cuidados seguros e eficazes", que os dados não sustentam as acusações de mortes desnecessárias, e que não há provas de uma cultura tóxica de gestão.
Cerca de oito anos depois de sua desastrada operação de hérnia, Tom Hadrys disse à BBC que ainda sofre com o impacto negativo sobre sua saúde.
"Não há dúvida de que estou sofrendo", diz ele. "Isso me afetou. Estou com o abdômen fragilizado e não consigo levantar nada pesado."