O misterioso retorno da escarlatina, doença antiga que tem desafiado médicos modernos
A escarlatina, uma infecção que atingia majoritariamente crianças e havia ficado praticamente relegada ao século passado, está reaparecendo em algumas partes do mundo.
Um surto da doença está acontecendo no Reino Unido e na Ásia e tem intrigado especialistas.
Na Inglaterra e no País de Gales se fala inclusive de "drásticos aumentos" de incidência desse tipo de infecção, e as autoridades de saúde pública ainda não conseguiram identificar a causa para isso.
A doença, que afeta principalmente crianças entre 5 e 12 anos, está em seu nível mais alto dos últimos anos nesses países, conforme pontua a Autoridade de Saúde Pública da Inglaterra (PHE, na sigla em inglês).
Em 2015, foram registrados 17.586 casos da infecção no país – número mais alto desde 1967, quando foram registrados 19.305 casos.
"Durante os últimos cinco anos, houve mais de 5 mil casos em Hong Kong, algo que representa 10 vezes o número médio de casos registrados anteriormente. E foram mais de 100 mil casos na China", revelou o professor Mark Walker, do Centro de Doenças Infecciosas da Austrália e autor de um estudo publicado naScientific Reports em novembro do ano passado.
"Um surto no Reino Unido resultou em 12 mil casos confirmados da doença desde 2014", afirmou.
No Brasil, não há notícias de um número significativo de casos recentemente.
600 casos por semana
A escarlatina é uma infecção bacteriana causada por estreptococos do grupo A. Ela é transmitida pelo contato próximo de pessoas que têm a bactéria – frequentemente encontrada na garganta, portanto é comum a transmissão pela saliva – ou pelo contato com objetos contaminados.
A doença é tratada com antibióticos e é, em geral, uma infecção leve. O sintoma clássico que ela apresenta é um tipo de palidez seguida de descamação e vermelhidão na pele e na língua e pequenos pontos vermelhos no fundo do céu da boca, além de dor de garganta.
A PHE está preocupada agora porque, a cada semana, há cerca de 600 casos novos na Inglaterra. E a expectativa é que o número aumente ainda mais durante a temporada típica da infecção no país – que acontece entre o fim de março e meados de abril.
Os números, segundo a PHE, têm aumentado drasticamente nos últimos três anos. Só em 2013, foram reportados 4.642 casos na Inglaterra e no País de Gales, mas esse número aumentou 236% em 2014 – foram 15.625 casos registrados.
Um porta-voz da PHE observa que "ainda não está clara" qual é a razão para esse aumento, mas acrescenta que "talvez seja um reflexo dos ciclos naturais a longo prazo de incidência que se veem em muitos tipos de infecção".
Preocupação antiga
A escarlatina foi uma infecção comum na Inglaterra e no País de Gales no início do século 20, até os anos 1930, uma época que eles chegaram a registrar até 100 mil casos.
Desde então, os números foram reduzindo de maneira gradual, principalmente devido ao surgimento dos antibióticos.
No entanto, em 2014, os especialistas começaram a notar um aumento recente significativo no número de casos.
A causa?
Segundo o repórter de saúde da BBC, Dominic Howell, "a razão para isso estar acontecendo ainda é algo que intriga os médicos e não pode ser explicada apenas com o aumento da população".
"Foram colhidas amostras de análises em várias partes do país e os especialistas acreditam que não apareceu um novo tipo de escarlatina", afirmou Howell.
"As análises também revelaram que a infecção não se mostrou resistente à penicilina, ainda que isso esteja sendo estudado detalhadamente."
A explicação ainda é um mistério.
Complicações
Os autores do estudo publicado em novembro garantem que o aumento é "muito preocupante", principalmente se ficar comprovado que ele se deve a uma resistência da bactéria.
"Temos agora uma situação que poderia mudar a natureza da doença e fazê-la resistente a vários tratamentos que normalmente são receitados para essas infecções respiratórias, como a escarlatina", disse Nouri Bem Zakour, uma das pesquisadoras que participaram do estudo.
A infecção pode ser tratada com antibióticos.
Mas se ela não é tratada, pode virar uma febre reumática – essa, sim, mais grave e que pode causar danos permanentes no coração.
Theresa Lamagni, chefe do grupo que monitora infecções causadas por estreptococos, explica à BBC que os sintomas da escarlatina "desaparecem depois de uma semana" e que a doença normalmente é curada sem complicações quando é feito o uso adequado dos antibióticos.
"As complicações potenciais podem incluir infecção de ouvido, abcessos na garganta e pneumonia", afirma.
"Os pacientes que não mostram sinais de melhora dias depois de começarem o tratamento devem buscar ajuda médica urgente."
Escarlatina
- Infecção tratada com antibiótico para minimizar o risco de complicações.
- Não existe vacina para preveni-la.
- Os sintomas incluem dor de garganta, dor de cabeça, febre e uma textura áspera e vermelha da pele na região do peito e do estômago – que depois pode se espalhar para outras partes do corpo.
- Quem identifica esse tipo de sintoma deve procurar ajuda médica imediata para iniciar o tratamento com antibiótico.