O que é mycoplasma, bactéria que pode estar associada à nova onda de infecções respiratórias?
Santo André (SP) registrou casos de pneumonia com a bactéria que causou surto na China
Nos últimos meses, médicos e pesquisadores têm observado um aumento em casos de infecções respiratórias relacionados a uma bactéria pouco conhecida: o Mycoplasma pneumoniae, que tem se destacado como uma possível responsável por casos ao redor do mundo.
Após um surto da bactéria na China, desde dezembro de 2023 a Organização Mundial de Saúde (OMS) avalia um eventual surto de pneumonias causadas por Mycoplasma pneumoniae. Países como a França, Estados Unidos e Dinamarca também relataram casos de infecção por esse micro-organismo. O Brasil não ficou de fora. Também no final de 2023, casos foram detectados em Santo André, São Paulo.
Em entrevista ao Terra Você, o pneumologista e Chief Medical Officer (CMO) da Melvi Saúde, Rodrigo Athanazio, explica que o Mycoplasma é um gênero de bactérias que se destaca por sua ausência de parede celular, característica que o diferencia de muitas outras bactérias. Esta peculiaridade faz com que os antibióticos que atuam na síntese da parede celular, como os beta-lactâmicos (penicilinas e cefalosporinas), sejam ineficazes contra ele.
Mycoplasma pneumoniae é uma das espécies mais conhecidas deste gênero, sendo uma causa comum de infecções respiratórias, especialmente pneumonia atípica. Tratamentos eficazes incluem macrolídeos (como a azitromicina), tetraciclinas e fluoroquinolonas.
“Diagnosticar infecções por Mycoplasma pode ser desafiador, pois os sintomas podem ser confundidos com os de outras infecções respiratórias. Métodos diagnósticos incluem testes sorológicos e PCR, que são mais específicos”, diz o médico.
Sintomas
O especialista conta que as infecções respiratórias causadas pelo Mycoplasma pneumoniae podem apresentar uma variedade de sintomas, que muitas vezes são mais leves e se desenvolvem de forma mais lenta em comparação com outras infecções respiratórias bacterianas. Os sintomas típicos incluem:
- Tosse seca e persistente: A tosse é frequentemente não produtiva e pode durar várias semanas. É um dos sintomas mais característicos da infecção por Mycoplasma.
- Febre baixa: Ao contrário de outras pneumonias bacterianas, a febre associada ao Mycoplasma pneumoniae tende a ser baixa, geralmente não ultrapassando 38,3°C (101°F).
- Dor de garganta: É comum sentir desconforto ou dor na garganta.
- Dor de cabeça: Cefaleias podem ocorrer frequentemente.
- Fadiga e mal-estar geral: Sensação de cansaço e falta de energia são sintomas comuns.
- Dores musculares e articulares: Mialgia (dor muscular) e artralgia (dor nas articulações) também podem estar presentes.
- Sintomas respiratórios: Além da tosse, podem ocorrer dificuldade respiratória e desconforto no peito.
- Sintomas otorrinolaringológicos: Em alguns casos, pode haver otite média (infecção do ouvido médio), especialmente em crianças.
Diferenças em relação a outras pneumonias:
- Desenvolvimento lento: Os sintomas de uma infecção por Mycoplasma pneumoniae desenvolvem-se mais gradualmente em comparação com pneumonias bacterianas típicas, como as causadas por Streptococcus pneumoniae, que geralmente apresentam um início súbito e sintomas mais graves.
- Gravidade dos sintomas: Geralmente, os sintomas são menos graves e prolongados.
“Para um diagnóstico adequado, é essencial consultar um profissional de saúde, que pode recorrer a testes laboratoriais específicos, como sorologia ou PCR, para confirmar a presença de Mycoplasma pneumoniae”, indica o especialista.
Transmissão
O Mycoplasma pneumoniae é transmitido principalmente através de gotículas respiratórias expelidas quando uma pessoa infectada tosse ou espirra. A transmissão ocorre mais facilmente em ambientes onde há contato próximo entre indivíduos, como escolas, creches, dormitórios e lares. Algumas formas de transmissão incluem:
- Gotículas respiratórias: A transmissão ocorre através de gotículas respiratórias contaminadas que são inaladas por pessoas próximas.
- Contato próximo: Situações em que as pessoas estão em contato próximo por períodos prolongados facilitam a disseminação da bactéria.
- Superfícies contaminadas: Embora seja menos comum, a transmissão pode ocorrer através do contato com superfícies contaminadas, seguido do toque na boca, nariz ou olhos, através do que denominamos transmissão indireta.
Alguns fatores de risco incluem:
- Ambientes fechados e aglomerados: Lugares com alta densidade populacional, como escolas, dormitórios e quartéis, aumentam o risco de transmissão.
- Idade jovem: Crianças e adolescentes são mais propensos a contrair infecções por Mycoplasma pneumoniae, especialmente aqueles entre 5 e 20 anos.
- Sistema imunológico comprometido: Indivíduos com sistemas imunológicos enfraquecidos, incluindo aqueles com doenças crônicas ou em tratamento com imunossupressores, têm maior risco de desenvolver infecções.
- Outras condições médicas: Pessoas com doenças respiratórias crônicas, como asma ou doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), podem ter um risco aumentado.
- Viagens e turismo: Viagens para áreas com surtos de Mycoplasma pneumoniae podem aumentar o risco de exposição e infecção.
- Tabagismo: Fumar pode comprometer o sistema respiratório e aumentar a suscetibilidade a infecções respiratórias, incluindo as causadas por Mycoplasma.
Prevenção
O Mycoplasma pneumoniae tem um período de incubação relativamente longo, variando de 1 a 4 semanas, o que pode dificultar o controle da disseminação.
O médico destaca que é importante estar ciente dos sintomas e procurar atendimento médico caso sintomas de infecção respiratória persistam, especialmente se ocorrerem em ambientes de risco. Algumas formas de prevenção incluem:
- Higiene das mãos: Lavar as mãos regularmente com água e sabão ou usar desinfetante para as mãos à base de álcool.
- Etiqueta respiratória: Cobrir a boca e o nariz ao tossir ou espirrar e usar lenços descartáveis.
- Ambientes ventilados: Manter os ambientes bem ventilados para reduzir a concentração de gotículas respiratórias.
- Evitar contato próximo: Manter distância de pessoas doentes, especialmente em locais fechados.
- Vacinação: Embora não haja uma vacina específica para Mycoplasma pneumoniae, manter as vacinas respiratórias atualizadas pode ajudar a prevenir complicações secundárias.
Tratamento
O tratamento para infecções respiratórias causadas por Mycoplasma pneumoniae geralmente envolve o uso de antibióticos eficazes contra bactérias sem parede celular.
O médico conta que a resistência aos antibióticos é uma preocupação crescente no tratamento de infecções por Mycoplasma pneumoniae. A resistência macrolídica tem sido relatada, particularmente na Ásia, e está associada a mutações nos genes da bactéria.
O tratamento típico com antibióticos dura de 7 a 14 dias, dependendo da gravidade da infecção e da resposta do paciente ao tratamento. É importante seguir as orientações médicas e completar o curso completo de antibióticos para evitar recaídas e reduzir o risco de desenvolver resistência. Os tratamentos mais comuns incluem:
- Macrólidos
- Azitromicina: Frequentemente usada devido ao seu perfil de dosagem conveniente e menor número de efeitos colaterais.
- Claritromicina e Eritromicina: Outras opções dentro da classe dos macrólidos.
- Tetraciclinas
- Doxiciclina: Eficaz e geralmente bem tolerada. Não é recomendada para crianças menores de 8 anos devido ao risco de descoloração permanente dos dentes.
- Fluoroquinolonas
- Levofloxacino e Moxifloxacino: Usados principalmente em adultos, devido aos riscos potenciais de efeitos colaterais em crianças.
- Alternativas terapêuticas
- Nos casos de resistência aos macrólidos, os médicos podem recorrer às tetraciclinas ou fluoroquinolonas, que continuam a ser eficazes contra cepas resistentes.
Pacientes devem ser monitorados para sinais de complicações, como piora da tosse, dificuldade respiratória ou persistência dos sintomas, que podem indicar a necessidade de reavaliação médica.
Complicações
O pneumologista afirma que as infecções respiratórias causadas por Mycoplasma pneumoniae são geralmente leves, mas podem levar a complicações, especialmente em indivíduos com fatores de risco subjacentes. Entre as possíveis complicações estão:
- Pneumonia grave: Embora a pneumonia causada por Mycoplasma seja frequentemente mais leve, pode evoluir para uma forma mais grave, especialmente em pessoas imunocomprometidas, idosos e crianças pequenas.
- Otite média: Infecções do ouvido médio são comuns, especialmente em crianças.
- Traqueobronquite: Inflamação dos brônquios, que pode levar a tosse persistente e produção de muco.
- Encefalite e meningite: Embora raro, Mycoplasma pneumoniae pode causar inflamação do cérebro (encefalite) ou das membranas que envolvem o cérebro e a medula espinhal (meningite).
- Anemia hemolítica: Uma condição onde os glóbulos vermelhos são destruídos mais rapidamente do que podem ser produzidos, levando a sintomas como fadiga, palidez e icterícia.
- Miocardite: Inflamação do músculo cardíaco, que pode afetar a função do coração.
Prevenção das Complicações
O diagnóstico precoce e o início imediato do tratamento adequado com antibióticos podem ajudar a prevenir complicações. Além disso, completar o curso completo de antibióticos conforme prescrito pelo médico, mesmo que os sintomas melhorem antes do término do tratamento.
Manter as vacinas atualizadas para outras infecções respiratórias, como a vacina contra a gripe e a vacina pneumocócica, pode ajudar a prevenir complicações secundárias.
“A prevenção de complicações envolve principalmente medidas de diagnóstico precoce e tratamento adequado, além de práticas de higiene e um estilo de vida saudável. É essencial seguir as orientações médicas e estar atento aos sinais de possíveis complicações para buscar atendimento médico imediato quando necessário”, conclui o médico.