Os introvertidos (e os práticos) que estão gostando de viver de máscara
As razões vão das mais práticas e convenientes até as mais complexas e psicológicas; 'máscaras são um lembre do que temos em comum', diz estudioso.
Entrar em lockdown não foi muito difícil para Jay Lee; assistir a um filme e pedir comida em casa sempre foi seu programa ideal.
Aos 32 anos, o pequeno empresário de Leicester, no Reino Unido, se identifica como introvertido.
E, embora 2020 tenha sido um ano de provações — na primavera, ele foi demitido do banco onde trabalhava —, trouxe uma vantagem para ele: a adoção generalizada de máscaras faciais.
Lee sempre teve pavor de esbarrar com velhos amigos e conhecidos pela cidade, achando essas interações espontâneas "extremamente estranhas".
Ele costumava cronometrar suas idas ao mercado para minimizar a possibilidade de topar com alguém, esperava até quase a hora do estabelecimento fechar para sair de casa.
"Desde que estou usando máscara, minhas interações constrangedoras com amigos e familiares diminuíram significativamente", afirma.
Agora, ele vai às compras quando quer, sem se preocupar com quem vai encontrar. E espera que, mesmo após o fim da pandemia, ainda seja socialmente aceitável usar máscara.
Usar máscara é, para a maioria, um sacrifício chato, mas válido: é uma das maneiras mais eficazes de reduzir a disseminação da covid-19. Ainda assim, a maioria de nós aguarda ansiosamente o dia em que vai poder mostrar o rosto em público novamente.
As máscaras embaçam nossos óculos e obstruem nossos poros; tornam mais difícil sorrir para estranhos e reconhecer amigos.
No entanto, algumas pessoas estão desfrutando secretamente da exigência do uso de máscara, pelas razões mais práticas e convenientes até as mais complexas e psicológicas.
Alguns indivíduos abraçam a maneira como as máscaras reduzem ou transformam as interações que, de outra forma, poderiam gerar ansiedade social.
Mas será que esse é um mecanismo de enfrentamento útil? E o que vai acontecer quando a pandemia chegar ao fim?
'Anonimato traz poder'
Na extremidade mais leve da escala, algumas pessoas descobriram que usar máscara oferece um alívio bem-vindo das pressões para manter padrões rigorosos de aparência.
Elas abandonaram suas velhas rotinas de se maquiar e barbear — e estão economizando dinheiro, tempo e estresse.
Outras descobriram que esconder a boca proporciona liberdades inesperadas. Alguns atendentes de restaurantes e redes varejistas dizem que não se sentem mais obrigados a dar um sorriso falso para os clientes, aliviando potencialmente o fardo emocional do trabalho.
Usar máscara está "liberando recursos cognitivos realmente valiosos", explica Kathryn Stamoulis, psicóloga educacional e consultora de saúde mental de Nova York.
"Durante uma pandemia, estamos sob forte estresse, e se você está preocupado com sua aparência ou preocupado com alguém te assediando ou assobiando para você, as máscaras podem fornecer uma trégua de coisas que podem ocupar nossa mente quando estamos em público. Você tem mais liberdade para meditar ou pensar sobre o que quiser."
Depois, há aquelas pessoas para quem as máscaras servem como uma barreira de segurança psicológica e física.
Aos 38 anos, Saurav Dutt, escritor e consultor de negócios de Warwick, no Reino Unido, aprecia ter um "escudo contra olhares, encaradas, julgamentos constrangedores, inspeções dos pés à cabeça e coisas do gênero".
Até a chegada da covid-19, seu trajeto diário para o trabalho incluía uma longa caminhada pelo distrito financeiro de Londres, e ele às vezes se preocupava com o que os outros pedestres estavam pensando a seu respeito — imaginando se eles estavam julgando suas roupas ou sua aparência.
"(Mas agora) posso baixar a guarda... Você minimiza qualquer risco de contato com outras pessoas. Tudo o que podem ver são seus olhos."
Quase anônimo por trás de sua máscara, ele se sente protegido — e diz que também se sente mais conectado com estranhos que encontra na rua. Para Dutt, as máscaras são um símbolo de vulnerabilidade e um lembrete de tudo que temos em comum.
"Vivemos em uma sociedade que é muito crítica em relação à aparência e [à] estética, e isso deixa claro que somos seres humanos e vulneráveis."
Stamoulis explica que as máscaras reduzem a tensão dos encontros espontâneos que as pessoas que sofrem de ansiedade social podem temer.
"Muitas vezes há um fluxo de preocupação que conduz às interações sociais e a conversas internas negativas depois, como autocrítica sobre a própria aparência, fazer expressões faciais inadequadas, dizer a coisa 'certa', não ser agradável o suficiente, etc."
Mas, segundo ela, aparições públicas com máscara podem gerar menos ansiedade porque "a identidade de uma pessoa pode ser ocultada, as expressões faciais não podem ser facilmente analisadas, os aspectos físicos da ansiedade são reduzidos (como rubor ou gagueira) e/ou a pressão para engatar uma conversa fiada é eliminada ".
"O anonimato traz poder", acrescenta Ramani Durvasula, psicóloga clínica e professora de psicologia da California State University, em Los Angeles.
"Pode ser como tentar um 'papel' diferente e as expectativas associadas a esse papel, talvez nos libertando do que pode parecer exaustivo e insincero sobre sorrir (especialmente quando não estamos tendo um bom dia)."
As máscaras podem ser pequenas — afinal, deixam nossos corpos, olhos e cabelos à mostra — mas, ao cobrirem a boca, ocultam parte de nossa expressão emocional.
"O medo de alguém que tem ansiedade social de mostrar uma emoção que poderia ser julgada negativamente pode em parte ser mitigado pela máscara — um sorriso malicioso pode passar despercebido, e uma pessoa com ansiedade social pode então se sentir mais segura."
O que se perde
Embora as máscaras possam oferecer um alívio temporário para situações sociais estressantes, os especialistas afirmam que provavelmente não são um bom mecanismo de enfrentamento no longo prazo.
"Para os introvertidos, pode ser ótimo não ter que falar com pessoas que não conhecem bem, mas, no longo prazo, quando você sai da sua zona de conforto e se desafia... [você pode criar] um relacionamento realmente satisfatório ou positivo", diz Stamoulis.
Da mesma forma, muitos de seus pacientes adolescentes preferem ter aula por Zoom, que consideram menos estressante do que socializar com colegas e lidar com professores pessoalmente — mas, no longo prazo, ela adverte que eles vão precisar trabalhar sua ansiedade social.
"(Mesmo para adultos) há definitivamente o potencial de se perderem interações sociais que podem ser nutritivas. Sabemos que as interações sociais — seja um bate-papo rápido ou um sorriso mútuo — podem liberar endorfina e reduzir os níveis de cortisol", explica.
Mesmo breves conversas com estranhos em lugares públicos — o tipo de interação que é quase impossível agora — podem melhorar nosso humor.
Um estudo mostrou que passageiros de trens e ônibus designados a iniciar uma conversa com a pessoa ao lado se sentiram posteriormente mais felizes em relação àqueles que ficaram sentados em silêncio, mesmo sendo introvertidos.
Ainda assim, Stamoulis não está muito preocupada com as consequências de longo prazo do uso de máscaras.
"Não acho que isso seria necessariamente bom por anos e anos, em termos do nosso desenvolvimento e das nossas conexões emocionais, mas durante este tempo de perda universal, angústia e ansiedade, pode, para algumas pessoas, ter um lado positivo."
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Work Life.