Pacientes com câncer podem ter mais variantes do coronavírus
Estudo realizado no Brasil mostra que ele se multiplica mais em pessoas com organismo fragilizado, propiciando as mutações
Pacientes com câncer infectados pela covid-19 apresentam mais variantes do SarsCoV-2 do que os demais, revelou estudo do Instituto Nacional de Câncer (Inca). Um sistema imunológico fragilizado - seja pela doença ou pelos remédios - acaba permitindo que o vírus se multiplique muito mais vezes do que acontece em outros pacientes, propiciando o surgimento de variantes. O trabalho foi publicado na Virus Evolution.
"O sistema imunológico comprometido é típico de pacientes de câncer, seja porque a própria doença causa imunossupressão, seja porque medicamentos usados no tratamento têm atividade imunodepressora", explicou o pesquisador Marcelo Soares, do Inca, principal autor do estudo. "Isso favorece a replicação do vírus, podendo culminar com o aparecimento de variantes mais transmissíveis ou mais letais", analisa.
Embora, em princípio, não haja contraindicação para que pacientes com câncer recebam a vacina contra a covid-19 (especialistas recomendam apenas uma consulta prévia ao médico para esclarecer se pode haver realmente algum problema), eles por enquanto não foram incluídos entre as prioridades do plano de imunização.
O estudo foi realizado entre abril e maio de 2020, com a coleta de exames de 57 pacientes e 14 profissionais de saúde do próprio instituto. Com isso, foi possível observar que pacientes oncológicos têm uma diversidade genética viral significativamente maior se comparada à do grupo formado pelos profissionais de saúde.
A pesquisa tem uma relevância sobre a análise das novas variantes virais, como as identificadas no Reino Unido, na África do Sul e em Manaus (AM). Segundo os pesquisadores, a baixa imunidade dos pacientes oncológicos explicaria a maior diversidade genética.
Coinfecção e reinfecção
Publicada pela revista Infection Genetics and Evolution, uma segunda pesquisa realizada pelo mesmo grupo revela um caso de coinfeção - em que o paciente é infectado por duas ou mais variantes do vírus - e reinfecção no mesmo doente, uma paciente oncológica no Inca. O trabalho comprova que a baixa imunidade também pode favorecer esses casos de coinfecção e reinfecção nos pacientes.
Na primeira infecção, pelo SARS-CoV-2, havia uma variante minoritária preexistente, enquanto o vírus principal foi detectado. Essa variante voltou a aparecer na reinfecção, 102 dias depois da primeira, como o vírus principal da infecção.
"A múltipla infecção pode gerar formas recombinantes mais agressivas do vírus ou que não sejam reconhecidas pelas vacinas existentes. É possível que muitos casos definidos como reinfecção sejam, na verdade, a reativação de uma variante viral preexistente no indivíduo infectado", esclarece o pesquisador Marcelo Soares.
O estudo, coordenado por pesquisadores do Inca, contou também com o apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Fapeerj), além de suporte da Fundação Swiss-Bridge (Suíça) e dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos.