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Planos de saúde e hospitais atrasam pagamento de insumos durante pandemia do coronavírus

Problema envolve dívidas relacionadas a marca-passos, stents e próteses; associação de convênios médicos destaca crise econômica

11 jun 2020 - 05h11
(atualizado às 10h08)
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A pandemia virou justificativa de hospitais e planos de saúde para atrasar o pagamento a fornecedores de materiais usados em cirurgias eletivas e atendimentos de emergência, como marca-passos, stents, entre outras órteses e próteses empregadas em procedimentos com pacientes cardíacos ou que se submetem a operações ortopédicas, bariátricas, por exemplo.

Nos meses de abril e maio, o atraso no pagamento desses materiais vendidos e faturados chegou a 180 dias, 60% maior do que a inadimplência registrada no mesmo período no passado, quando não havia pandemia, segundo a Associação Brasileira de Importadores e Distribuidores de Produtos para Saúde (Abraidi). A entidade reúne 285 empresas, entre importadores, distribuidores e fabricantes. Juntas, essas companhias venderam R$ 5,6 bilhões no ano passado e responderam por 20% do mercado.

"Hospitais e planos de saúde estão usando a covid-19 para atrasar pagamentos, pedir desconto e não faturar procedimentos realizados", diz Bruno Bezerra, diretor executivo da entidade. Segundo ele, a prática comum entre os operadores, de rejeitar o faturamento de materiais usados em procedimentos autorizados, aumentou depois da covid-19. E muitos procedimentos tinham sido realizados antes da pandemia. "Estamos falando do cliente que vai ao restaurante, olha o cardápio, concorda com o preço do vinho e depois que consome fica criando problemas para pagar", compara o executivo.

Em 2018, o último dado disponível, as empresas associadas da entidade acumulavam R$ 488,5 milhões de faturamento retido e R$ 554,8 milhões de pagamento atrasado de hospitais e planos de saúde. Bezerra diz que está finalizando a pesquisa sobre as perdas do ano passado e que elas aumentaram. "A covid-19 veio para piorar uma situação que já era ruim", observa.

Uma importadora de próteses e materiais de saúde implantados, associada da entidade e que prefere não ser identificada, confirma o aumento da inadimplência. Em créditos faturados e com pagamento em atraso, a empresa tem a receber R$ 20 milhões e quase a mesma cifra, R$ 18 milhões, de produtos já usados pelos planos de saúde e hospitais, cuja venda não foi faturada. "Eles ficam procurando glosas injustificadas para postergar os pagamentos", afirma o executivo da companhia.

Ele alerta que essa prática de não reconhecer e de não faturar a compra de um produto já usado no procedimento cirúrgico pode ter desdobramentos no âmbito da saúde pública. É que dificulta rastreabilidade do material em caso de necessidade de recall do produto. O executivo explica que normalmente as empresas fornecedoras de produtos de saúde mandam várias opções de materiais para o médico e ele decide o que usar na hora da cirurgia. Sem saber o que, de fato, foi colocado no corpo do paciente, porque a venda não foi faturada pelo hospital ou plano de saúde, fica difícil identificar a pessoa nos casos em que a troca do item se faz necessária.

Duas realidades

Bezerra explica que existem hoje duas realidades diferentes para os fornecedores de materiais de saúde. Respiradores, máscaras e outros equipamentos de proteção individual (EPIs) viraram os artigos mais cobiçados pelos prestadores de serviços de saúde por causa da covid-19 nos últimos meses. A fase mais crítica de falta desses itens foi em abril. A demanda explodiu e os preços chegaram a aumentar 300%. "Não vou fazer demagogia e dizer que não houve abuso. Imagino que sim e a nossa posição é que todo abuso deve ser coibido", diz Bezerra.

No entanto, as empresas que vendem EPIs e respiradores representam muito pouco, cerca de 10% do total. A grande maioria do setor se viu pressionada pelo atraso no pagamento e pela queda entre 70% e 90% nas vendas registradas em abril e maio na comparação com os mesmos meses do ano anterior.

A decisão da Agência Nacional de Saúde (ANS) de suspender os prazos para que os planos de saúde autorizassem cirurgias eletivas por causa da pandemia derrubou o faturamento das importadoras, pressionadas também pelo aumento do dólar que encareceu os produtos trazidos de fora e ainda pelo atraso no pagamento de hospitais e planos de saúde.

O diretor da Abraidi diz que a situação é mais critica nos regiões Norte e Nordeste e que já formalizou denúncias à ANS e junto a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), já que muitos grupos do setor de saúde tem papéis listados na Bolsa. Inclusive ele lembra que nesse período de pandemia houve empresas do setor que adquiriram concorrentes, o que sinalizaria, na sua opinião, que os recursos não estão tão curtos.

Procurada, a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) informa, por meio de nota, que "diante da pandemia e da deterioração econômica, situações semelhantes à relatada pela Abraidi estão acontecendo em todos os setores da nossa economia" A Abramge frisa que "desconhece qualquer postergação de pagamento e que esta é uma relação individual entre as empresas e seus fornecedores". A entidade dos planos de saúde acrescenta ainda que "além do mais é preciso entender se os casos relatados seriam de operadoras de planos de saúde que compram produtos diretamente da importadora, visto que habitualmente as compras são feitas diretamente pelos prestadores de saúde". A Federação Brasileira dos Hospitais (FBH), que representa 4 mil hospitais privados, não se manifestou.

Estadão
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