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Por que ainda vamos trabalhar doentes?

Ir ao trabalho doente pode colocar em risco sua saúde e a de seus colegas; saiba a melhor maneira de avisar seu chefe.

29 mar 2019 - 17h32
(atualizado às 18h02)
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Ir ao trabalho doente pode colocar em risco sua saúde e a de seus colegas
Ir ao trabalho doente pode colocar em risco sua saúde e a de seus colegas
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

O número de dias que os trabalhadores do Reino Unido faltaram ao trabalho por estarem doentes caiu quase pela metade desde 1993, segundo o Censo britânico. A média, que era de 7,2 dias por ano, passou para 4,1 dias em 2017.

É difícil atribuir a mudança aos avanços gerais da medicina, diz Kylie Ainslie, pesquisadora associada do Departamento de Epidemiologia de Doenças Infecciosas da Universidade Imperial College London, no Reino Unido. Segundo elas, as pessoas não estão necessariamente ficando doentes com menos frequência.

Em vez disso, os especialistas dizem que essa redução foi motivada pela mudança na cultura de trabalho. Em outras palavras: quem falta ao trabalho por doença é estigmatizado. Estudos mostram que a desconfiança e o medo de serem julgados pelos chefes forçaram um número crescente de funcionários a irem trabalhar quando estão doentes.

É durante a temporada de gripe - que tem um pico entre dezembro e fevereiro no Hemisfério Norte - que as ausências aumentam. Nessa época do ano, o ar é mais frio e seco, criando as condições ideais para a rápida transmissão do vírus.

Há um consenso entre os médicos de que ficar em casa durante o estágio inicial da doença - os primeiros dois dias depois de contrair o vírus, quando o risco de contágio é mais alto - é essencial tanto para a saúde dos trabalhadores afetados quanto para a de seus colegas.

Mas, de acordo com uma pesquisa de 2015 da seguradora AXA PPP no Reino Unido, quase 40% dos funcionários não contam ao seu superior direto o verdadeiro motivo para sua ausência quando faltam ao trabalho por estarem doentes.

A razão? Têm medo de ser alvo de desconfiança ou de serem julgados.

Por isso, saber como informar a seu chefe sobre a necessidade de ficar em casa é um passo crucial tanto para preservar sua saúde e sua produtividade quanto a de seus colegas de trabalho.

Por que alguns chefes dão tão pouca atenção às doenças?
Por que alguns chefes dão tão pouca atenção às doenças?
Foto: Alamy / BBC News Brasil

Estigma da doença

Então, por que alguns chefes dão tão pouca atenção às doenças?

Com o avanço das novas tecnologias, surgiu uma nova dinâmica de trabalho. Dependendo de seu campo de atuação, estar presente no escritório não é mais um requisito de produtividade.

Muitos funcionários contam com todas as ferramentas necessárias - um computador e acesso à internet - para desempenhar suas funções fora do escritório.

Mas com essa liberdade de poder trabalhar em qualquer lugar, veio também uma onda de desconfiança dos chefes, que não podem mais monitorar seus subordinados pessoalmente.

George Boué, vice-presidente de recursos humanos da agência imobiliária Stiles Corporation, diz que o estigma vem de "gerações mais velhas que nunca aceitaram que alguém pode realmente trabalhar produtivamente em casa".

Tal percepção, segundo ele, é uma forma de resistência ao conceito de um local de trabalho descentralizado, no qual os subordinados desfrutam da confiança de seus superiores para desempenhar determinada tarefa sem serem tutelados o tempo todo.

A combinação de desconfiança e busca constante por produtividade máxima levou alguns chefes a verem a ausência relacionada à doença com maus olhos.

Apenas 42% dos chefes entrevistados pela AXA PPP concordaram que a gripe era uma razão séria o suficiente para que o funcionário ficasse em casa. Menos de 40% deles dizem o mesmo para dor nas costas ou cirurgia eletiva.

O estudo descobriu ainda que os funcionários eram muito mais propensos a mentir para os chefe sobre a razão para ficar em casa se a causa estivesse relacionada à saúde mental (39% diriam a verdade) em vez da saúde física (77%).

Empregos precários

Mas não é apenas essa preocupação sobre nossos chefes que nos faz trabalhar quando estamos doentes. Muitos dos empregos que antes eram formais e em tempo integral tornaram-se intermitentes e fugazes na nova ordem econômica mundial.

Hoje, como Pete Robertson, professor-associado da Universidade Edinburgh Napier, no Reino Unido, disse em 2017, "o trabalho pode ser temporário, fixo, sazonal, baseado em projetos, meio período, por contrato de zero-hora, casual, via agência, freelance, periférica, contingencial, externo, não padronizado, atípico, baseado em plataforma, terceirizado, subcontratado, informal, não declarado, inseguro, marginal ou precário".

De acordo com o Censo dos Estados Unidos, tanto o número de vagas de emprego quanto as demissões aumentaram nos últimos dois anos. Na medida em que a taxa de rotatividade continua a subir, não é de se surpreender que os funcionários se agarrem mais a seus empregos - mesmo que tenham de ir trabalhar doentes.

Essa prática é referida como "presenteísmo": pessoas que vão trabalhar mesmo com a saúde debilitada.

Presenteísmo mais do que triplicou na última década
Presenteísmo mais do que triplicou na última década
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

O problema do presenteísmo

O presenteísmo mais do que triplicou na última década, de acordo com o instituto de pesquisa Chartered Institute of Personnel Development, associação profissional para profissionais de gestão de recursos humanos sediada no Reino Unido.

Dos mais de mil participantes entrevistados em um estudo de 2018, 86% afirmaram ter testemunhado amostras de presenteísmo em sua organização durante o ano anterior, ante apenas 26% em 2010.

"Com os superiores demonstrando tão pouca compreensão ou apoio aos funcionários que sofrem de doenças, não é difícil entender por que muita gente se preocupa em avisar que vai ficar em casa porque está doente", disse Glen Parkinson, diretor de pequenas e médias empresas da AXA PPP, em 2015.

"Os empregadores precisam ter a confiança de que os funcionários estejam falando a verdade e, quando possível, permitam que eles trabalhem de casa".

O presenteísmo também pode sair muito mais caro para a empresa do que criar um ambiente onde os funcionários possam faltar ao trabalho quando doentes. Ou seja, o tiro pode sair pela culatra. Isso porque quem trabalha doente pode acabar contagiando seus colegas, causando um efeito em cadeia que reduz a produtividade geral.

E quando se trata de saúde mental ou outras doenças, forçar doentes a trabalhar pode adiar sua recuperação, o que também gera um impacto negativo.

Segundo um estudo de 2013 da Universidade de Pittsburgh, trabalhar doente pode causar um aumento de 40% nos casos de gripe no local de trabalho. Pesquisadores usaram dados populacionais de mais de 500 mil funcionários em uma simulação epidêmica em Allegheny County, no Estado da Pensilvânia, para calcular a disseminação hipotética do vírus da gripe. Os resultados mostraram que 66 mil infecções - 11,5% do total de funcionários - foram causadas pela transmissão no local de trabalho.

O estudo também analisou o que aconteceria se os funcionários gripados ficassem em casa por um ou dois dias. As descobertas foram reveladoras. Um dia sem ir ao trabalho reduzia as infecções em 17 mil (queda de 25%) e em 26 mil no caso de dois dias (queda de quase 40%).

Evitar a prática do presenteísmo gera benefícios claros para a saúde a longo prazo do local de trabalho. Em trabalhos informais, no entanto, cabe aos funcionários comunicar suas necessidades a seus superiores de modo a não comprometer as tarefas diárias.

Honestidade

Especialistas dizem que quanto mais cedo um funcionário puder notificar seu chefe, melhor. Estabelecer uma via de comunicação com seu superior no início da doença pode tanto transmitir respeito quanto dar mais tempo para planejar como cobrir a ausência. Acima de tudo, ser honesto é a melhor maneira de evitar mal-entendidos ou ressentimentos.

"O caminho certo é seguir as políticas e procedimentos da organização", diz Mark Marsen, diretor de recursos humanos da Allies for Health + Wellbeing, empresa de serviços de saúde baseada em Pittsburgh, nos Estados Unidos, e membro do painel de especialistas em disciplina de RH da Society for Human Resource Management. "Nunca minta ou exagere na dose", alerta.

Marsen diz que existem dois tipos de chefes. O primeiro acredita que os funcionários não querem trabalhar e, portanto, precisam de muitas regras. Esses chefes vão estar predispostos a pensar o pior quando os funcionários ligarem para dizer que vão faltar quando estão doentes.

O outro tipo de chefe vai tentar estabelecer padrões razoáveis e confiar na maturidade de seus funcionários. O ônus é dos próprios gerentes de criar uma cultura em que os funcionários se sintam à vontade para se afastar caso seja necessário.

A melhor maneira é, portanto, liderar pelo exemplo, diz Marsen.

"Se você for chefe, isso significa ficar em casa e realmente offline quando você está muito doente para trabalhar. Sendo assim, seus subordinados vão entender que não há problema em fazer o mesmo quando não estiverem se sentindo bem. Também é importante evitar entrar em contato com funcionários que estão em casa doentes, a menos que seja algo realmente urgente."

Encontrar o equilíbrio será sempre uma via de mão dupla, exigindo que tanto subordinados quanto chefes considerem suas responsabilidades e o bem-estar um do outro.

"Um bom chefe deve entender a situação e demonstrar empatia ", diz Boué. "Nada cria um vínculo maior entre o chefe e o subordinado do que demonstrar preocupação genuína com seus funcionários."

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