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Por que as vacinas contra mpox só estão chegando agora na África?

24 ago 2024 - 14h32
(atualizado em 27/8/2024 às 15h52)
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Partículas do vírus monkeypox
Partículas do vírus monkeypox
Foto: Sam Francis/Pixabay

As primeiras 10 mil vacinas para mpox deverão finalmente chegar na semana que vem na África, onde uma nova e perigosa estirpe do vírus - que afeta as pessoas há décadas - está causando um alarme global.

A lenta chegada das vacinas - que já foram disponibilizadas em mais de 70 países fora de África - mostrou que as lições aprendidas com a pandemia da Covid-19 sobre as desigualdades globais nos cuidados de saúde têm demorado a trazer mudanças, disseram autoridades de saúde pública e cientistas.

Entre os obstáculos está a demora da Organização Mundial da Saúde (OMS) em iniciar oficialmente o processo necessário para dar aos países pobres acesso fácil a grandes quantidades de vacinas através de agências internacionais, o que só aconteceu este mês. Autoridades e cientistas disseram à Reuters que isso poderia ter começado anos atrás.

A mpox é uma infecção potencialmente mortal que causa sintomas semelhantes aos da gripe, além de lesões com pus que se espalham por contato físico. Em 14 de agosto, a OMS declarou a mpox uma emergência de saúde global depois que a nova cepa, conhecida como clado Ib, começou a se proliferar da República Democrática do Congo para os países africanos vizinhos.

Em resposta às perguntas da Reuters sobre os atrasos na distribuição da vacina, a agência de saúde da ONU disse na sexta-feira que iria flexibilizar alguns dos seus procedimentos neste caso, num esforço para acelerar o acesso dos países pobres às vacinas mpox.

A compra direta de vacinas caras é inviável para muitos países de baixa renda. Existem duas injeções principais de mpox, feitas pela Bavarian Nordic, da Dinamarca, e pela KM Biologics, do Japão. A Nordic Bavarian custa US$ 100 a dose e o preço da KM Biologics é desconhecido.

A longa espera pela aprovação da OMS para que as agências internacionais comprem e distribuam a vacina forçou os governos africanos individuais e a agência de saúde pública do continente - os Centros Africanos de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) - a solicitarem doações de vacinas aos países ricos. Esse processo complicado pode entrar em colapso, como já aconteceu antes, se os doadores sentirem que devem manter a vacina para proteger o seu próprio povo.

As primeiras 10.000 vacinas que estão a caminho da África - fabricadas pela dinamarquesa Bavarian Nordic - foram doadas pelos Estados Unidos e não fornecidas pelo sistema das Nações Unidas.

Helen Rees, membro do comitê de emergência mpox do África CDC e diretora executiva do Wits RHI Research Institute em Joanesburgo, na África do Sul, disse que era "realmente ultrajante" que, depois da África ter lutado para ter acesso às vacinas durante a pandemia da COVID, a região ficou para trás mais uma vez.

Em 2022, depois de uma variante diferente de mpox ter se espalhado para fora da África, as vacinas contra a varíola foram reaproveitadas pelos governos no espaço de semanas, aprovadas pelos reguladores e utilizadas em cerca de 70 países de alto e médio rendimento para proteger os que estavam em maior risco. Essas vacinas já alcançaram 1,2 milhão de pessoas somente nos Estados Unidos, de acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) daquele país.

Mas não existem vacinas disponíveis na África fora dos ensaios clínicos. Uma explicação: é preciso o sinal verde da OMS para as vacinas serem compradas por grupos de saúde pública, incluindo a Gavi, a Vaccine Alliance.

A Gavi ajuda os países mais pobres a comprar vacinas, fornecendo vacinas infantis de forma constante. Durante a COVID-19, ela administrou um esquema global para todas as vacinas e tem até 500 milhões de dólares para gastar em vacinas mpox e logística.

O CDC da África afirmou que poderão ser necessárias 10 milhões de doses em todo o continente.

Porém, só neste mês que a OMS pediu aos fabricantes que apresentassem as informações necessárias para que as vacinas recebessem uma licença de emergência - a aprovação acelerada da OMS para produtos médicos. A organização instou os países a doarem injeções até que o processo fosse finalizado, em setembro.

A OMS disse que está trabalhando em conjunto com as autoridades do Congo para elaborar um plano de vacinação. Na sexta-feira, a organização afirmou que a Gavi poderia iniciar conversações enquanto finalizava a sua aprovação de emergência.

Sania Nishtar, presidente-executiva da Gavi, disse que o atual comportamento da OMS em agir rapidamente nas aprovações e melhorias no financiamento mostraram "o lado um pouco mais brilhante de onde estamos em comparação com a COVID". Solicitada a comentar sobre os atrasos na aprovação, ela disse: "espero que este seja outro momento de aprendizado para nós".

OMS CRITICADA

O papel da OMS na aprovação de produtos médicos revolucionou o fornecimento em países de baixo rendimento, que muitas vezes não dispõem de instalações para verificar eles próprios novos produtos, mas também tem enfrentado críticas pela sua lentidão e complexidade.

A agência de saúde da ONU com sede em Genebra disse na sexta-feira que não tinha dados suficientes durante a última emergência mpox em 2022 para iniciar um processo de aprovação da vacina e tem trabalhado com os fabricantes desde então para ver se os dados disponíveis justificam uma aprovação.

A mpox, que inclui várias cepas diferentes, causou 99 mil casos confirmados e 208 mortes em todo o mundo desde 2022, segundo a OMS. A contagem é provavelmente subestimada, já que muitos casos não são relatados.

As infecções foram controladas nas regiões mais ricas através de uma combinação de vacinas e de mudanças de comportamento entre os grupos de maior risco.

A variante anterior de mpox colocava em maior risco homens que fazem sexo com homens. Porém, nova cepa chamada de clado Ib parece espalhar-se mais facilmente através de contatos próximos, incluindo entre crianças e com contato sexual entre pessoas heterossexuais.

O país mais atingido pela mpox hoje é o Congo. Desde janeiro de 2023, foram registrados mais de 27 mil casos suspeitos e 1.100 mortes, segundo dados do governo, principalmente entre crianças.

Mas as primeiras dez mil vacinas doadas pelos Estados Unidos não se destinam ao Congo, e sim, à Nigéria, fruto de vários anos de conversações entre os dois governos, segundo uma fonte envolvida no processo que não estava autorizada a falar. A Nigéria teve 786 casos suspeitos este ano e nenhuma morte.

O ministério da saúde nigeriano não respondeu a um pedido de comentário; a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) disse que também doou 50.000 doses ao Congo, mas a data de chegada ainda não está definida.

CRIANÇAS EM RISCO

A administração do Congo é outra parte do problema. Enfrentando conflitos e múltiplos surtos de doenças concorrentes, o governo ainda não solicitou oficialmente à Gavi o fornecimento de vacinas e levou meses para falar com os governos doadores. O seu regulador de medicamentos só aprovou as duas principais vacinas em junho. Nem o Ministério da Saúde do Congo nem o do Japão, que está trabalhando para doar grandes quantidades de vacinas KM Biologics, responderam aos pedidos de comentários para esta matéria.

A Bavarian Nordic disse esta semana que precisa receber agora as encomendas para produzir vacinas em grande volume ainda este ano. O governo do Congo disse aos jornalistas que espera receber doações de vacinas na próxima semana, mas três fontes doadoras disseram à Reuters que não está claro se isso vai acontecer. A agência europeia de preparação para pandemias disse por e-mail que as suas 215 mil doses não chegarão antes de setembro, no mínimo.

A Bavarian Nordic e o Congo ainda estão discutindo os requisitos necessários de pré-embarque para garantir o armazenamento e manuseamento adequados, disse um porta-voz da USAID. As vacinas têm que ser mantidas a -20ºC, por exemplo.

No leste do Congo, cerca de 750 mil pessoas vivem em campos depois de fugirem do conflito, incluindo Sagesse Hakizimana, de sete anos, e a sua mãe, Elisabeth Furaha. Ele é uma das mais de 100 crianças infectadas por mpox em uma área perto da cidade de Goma, no norte de Kivu, segundo os médicos.

"Imagine fugir de uma guerra e depois perder o seu filho devido a esta doença", disse Furaha, 30 anos, enquanto passava pomada na erupção cutânea do filho e falava que os sintomas estavam diminuindo. Ele estava sendo tratado na semana passada em um centro de tratamento de Ebola que foi adaptado.

"Precisamos de uma vacina para esta doença. É uma doença grave que enfraquece as nossas crianças". Mesmo quando as vacinas chegam, permanecem dúvidas sobre como usá-las: a vacina da Bavarian Nordic - a mais utilizada em todo o mundo - está disponível apenas para adultos. A vacina KM Biologics pode ser administrada a crianças, mas é mais complexa de aplicar.

Com esses dois pontos, os cientistas ainda não chegaram a um acordo sobre quais os grupos que devem ser vacinados primeiro, embora uma estratégia provável seja a vacinação em anel, onde são priorizados os contatos de casos conhecidos.

"Vimos com a COVID-19 que a vacina estava disponível, mas a população não a queria", diz Jean Jacques Muyembe, co-descobridor do vírus Ebola e diretor do Institut National de Recherche Biomédicale (INRB) em Kinshasa.

Ele e outros cientistas afirmaram que outras medidas de saúde pública, como a sensibilização na África e um melhor diagnóstico, também foram fundamentais para impedir a propagação do mpox; as vacinas não são a única solução.

PRIORIDADES

Alguns especialistas em saúde global dizem que a OMS e outros atores deveriam ter se concentrado mais cedo na melhoria do acesso às vacinas mpox, bem como nos testes para a doença e nos tratamentos.

"Os processos [na OMS para vacinas] e o financiamento para o diagnóstico da mpox deveriam ter começado há alguns anos", disse Ayoade Alakija, que co-preside uma parceria global de saúde com o objetivo de tornar a resposta à mpox mais igualitária.

Ela disse que o seu comentário não foi uma crítica à OMS, que só pode priorizar o que os seus estados membros desejam. "É uma questão do que o mundo considera prioritário, e [não são] doenças que afetam principalmente pessoas negras e pardas".

Em comunicado, a OMS afirmou que "estimula todos os parceiros, incluindo países, fabricantes e comunidades, a mobilizar esforços, aumentar as doações de vacinas, reduzir preços e fornecer outro apoio necessário para proteger as pessoas em risco durante este surto".

Jean Kaseya, chefe do CDC da África, disse que está trabalhando para envolver os fabricantes africanos de vacinas para aumentar a oferta e baixar os preços, mas isso levará tempo.

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