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Por que o inverno pode trazer alta de casos de coronavírus

Clima frio motiva comportamento de aglomeração em meio a processos de retomada das atividades nos Estados; umidade também pode aumentar tempo de permanência do vírus no ar

24 jul 2020 - 10h11
(atualizado às 10h28)
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SÃO PAULO - O período de inverno no Brasil, que começou em 20 de junho e se estende até 22 de setembro, pode trazer consigo um aumento no número de infecções pelo novo coronavírus. Essa época do ano é tradicionalmente marcada pela sazonalidade de outros vírus respiratórios, como o da gripe, e o clima mais frio faz com que as pessoas adotem comportamentos que facilitam a transmissão. E em meio à retomada gradual das atividades em algumas regiões, é possível que tenhamos novos picos da covid-19 se as pessoas deixarem de lado as medidas de prevenção.

Paciente passa por triagem do novo coronavírus em unidade de saúde de Sertãozinho, no interior de São Paulo. Prefeitura adotou cloroquina contrariando parecer do comitê da covid-19.
Paciente passa por triagem do novo coronavírus em unidade de saúde de Sertãozinho, no interior de São Paulo. Prefeitura adotou cloroquina contrariando parecer do comitê da covid-19.
Foto: Divulgação/Prefeitura de Sertãozinho / Estadão Conteúdo

Quem fez um alerta sobre esse possível aumento de casos foi o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, na quarta-feira, 22. Porém, ele acredita que esse incremento no número de contaminações não será acompanhado por mais registros de mortes. "Há uma realidade de aumento dos casos de contaminação agora, faz parte do inverno, da mudança social durante o inverno. Isso faz com que a contaminação aumente. Mas fica claro que a curva de contaminação aumentar não significa a curva de óbitos aumentar", disse.

Segundo Airton Stein, pesquisador titular de saúde coletiva e epidemiologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), o novo coronavírus é transmitido da mesma forma que outros vírus respiratórios já conhecidos, e o inverno, de fato, é época propícia para o aumento de infecções. "As pessoas ficam mais em lugares fechados, onde não tem circulação de ar. Essa é a razão. É uma característica que todos os vírus respiratórios têm, de ocorrerem mais no inverno", explica.

Ficar aglomerado em locais fechados é uma atitude totalmente contrária às recomendações de entidades globais de saúde para frear a propagação do novo coronavírus. A situação se agrava porque estamos em meio a uma pandemia para a qual ainda não há tratamento cientificamente eficaz nem uma vacina. No entanto, muitos Estados brasileiros flexibilizaram as medidas de distanciamento social, o que aumentou a circulação de pessoas nas ruas e em estabelecimentos. Se o clima estiver frio, o mais comum é ver os ambientes internos com portas e janelas fechadas, um cenário que facilita o contágio.

Outro aspecto que pode viabilizar a propagação do vírus nessa época do ano é a umidade do ar, conforme explica Ana Gorini da Veiga, professora associada da UFCSPA que pesquisa infecções respiratórias virais. "Uma forma de transmissão do vírus é por gotículas que se expele ao falar ou tossir e a umidade mais alta faz o vírus durar mais tempo no ar, naquele ambiente." Ela reforça que, segundo estudos, existe uma relação inversa entre temperatura e ocorrência de infecções: quanto mais alta a temperatura, menor o número de casos de infecção viral e vice-versa.

Mas embora a ciência e os profissionais de saúde compreendam melhor agora a dinâmica do vírus do que no início da pandemia, ainda existem perguntas sem respostas. Não se sabe, por exemplo, como vai reagir uma pessoa que contrair o novo coronavírus e a influenza (vírus da gripe) ao mesmo tempo. "Não sabemos se o quadro vai se agravar e esse foi o intuito de ter adiantado a campanha de vacinação contra a gripe esse ano", diz Juliana Cortines, professora do Departamento de Virologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Os especialistas ouvidos pelo Estadão concordam que esse aumento de casos no inverno pode trazer novos picos da covid-19 nos Estados, principalmente no Sul e Sudeste pela sazonalidade dos vírus respiratórios. Além disso, outro fator fundamental são as medidas de prevenção, como distanciamento social e uso de máscara, bem como a adesão da população a elas. Se não forem adotadas, a tendência é ver a curva subir.

RELAÇÃO ENTRE CASOS E MORTES

Ao chamar atenção para a ocorrência de mais infecções no inverno, o ministro interino disse, no entanto, que ela não viria acompanhada de um aumento de mortes por covid-19. Segundo ele, há uma estrutura mais forte para diagnóstico e atendimento que fará com que os casos cheguem às unidades de saúde antes de um estágio avançado.

Juliana, da UFRJ, lembra que o novo coronavírus tem consequências muito inesperadas e acha difícil predizer que haverá mais casos, mas não mais mortes. "Como temos visto, tem caso de pessoas que não sentem nada e pessoas que morrem. Por outro lado, a gente conhece muito melhor a doença, tem tratamento mais eficiente agora, médicos sabendo como lidar. Então, pode ser que tenha menor número de mortes, mas não que a doença esteja menos letal", diz a professora.

A pesquisadora Ana, da UFCSPA, analisa também que, a partir do momento que mais testes são realizados e mais pessoas são identificadas com o vírus, a taxa de mortalidade pode ser menor. Isso porque a divisão do número de óbitos se dará por um valor ainda maior de infectados. "Mas se tiver muitas pessoas contaminadas, a chance de mais mortes existe. E populações vulneráveis socioeconomicamente têm mais risco de óbito."

Essa também é uma observação feita por Stein, que indica que pessoas em situação de vulnerabilidade não têm acesso adequado à saúde e podem ter mais enfermidades preexistentes que são fatores de risco para o agravamento da covid-19. "Quanto mais a doença não é bem estabilizada, mais risco de morrer", afirma. Entre os diversos fatores que devem ser considerados quanto à mortalidade causada por doenças infecciosas, ele cita três importantes.

"Uma delas é que, quanto maior o número de casos, maior o número absoluto de pessoas que vão precisar de UTI e as mortes podem ocorrer em maior número. Outro aspecto é faixa etária e outro fator é o acesso a tecnologias que melhoram os casos graves", afirma o professor.

No caso da idade, uma vez que a tendência é pessoas mais velhas evoluírem para quadros graves e óbito por covid-19, uma localidade que tenha mais jovens pode não registrar um aumento de mortes mesmo com incremento de infecções. Já as tecnologias se referem a equipamentos para ventilação mecânica, por exemplo, a fim de que o paciente seja devidamente tratado para evitar a morte.

Estadão
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