Quais os riscos e cuidados após uma laparotomia exploradora, cirurgia realizada em Bolsonaro?
Procedimento envolve corte abdominal para explorar obstruções no aparelho digestivo; ex-presidente foi vítima de facada na região em atentado de 2018
No último domingo, 13, o ex-presidente Jair Bolsonaro foi submetido a uma laparotomia exploradora — uma cirurgia abdominal de urgência — e os médicos afirmaram não haver "grandes expectativas de uma evolução rápida". A operação foi necessária devido a uma obstrução intestinal e envolveu a liberação de aderências e a reconstrução da parede abdominal. Trata-se de um procedimento complexo, especialmente em pessoas que já passaram por diversas cirurgias na região, como é o caso do político.
A obstrução intestinal acontece quando algo dificulta ou impede a passagem normal de alimentos, líquidos e gases pelo intestino. Nesses casos, a laparotomia exploradora é realizada para abrir o abdômen, examinar os órgãos internos e corrigir o bloqueio.
No caso de Bolsonaro, o problema foi causado por aderências intestinais — faixas de tecido fibroso, semelhantes a cicatrizes internas, que surgem após cirurgias, inflamações ou infecções na região abdominal. Essas aderências fazem com que partes do intestino fiquem grudadas umas às outras, atrapalhando o movimento natural do órgão.
"Quando o intestino não consegue mais fazer com que o conteúdo avance, ele fica dilatado, cheio de líquido e ar. A barriga estufa, a pessoa começa a vomitar e o intestino, que normalmente convive bem com as bactérias ali presentes, começa a sofrer. Isso gera inflamação e, se não tratado, pode evoluir para situações graves", explica Rodrigo Perez, líder do núcleo de coloproctologia e intestinos do Centro Especializado em Aparelho Digestivo do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
A formação de aderências é comum e pode ocorrer em qualquer pessoa que tenha feito uma cirurgia abdominal, independentemente da idade ou do tempo decorrido desde o procedimento. "Algumas pessoas formam mais aderências, outras menos, mas é um fenômeno natural. Inclusive, há casos de pacientes operados na infância que só vão apresentar problemas décadas depois."
Para facilitar a compreensão, o médico compara o intestino a uma linha de costura. "Pense em um fio esticado. Se você jogar um pouco de cola, ele pode formar uma pequena dobra. Inicialmente, essa dobra talvez não cause nenhum problema. Mas, com o tempo, ela pode se transformar em uma curva tão fechada que impede a passagem do conteúdo pelo intestino. É aí que surgem os sintomas. E o mais complicado é que não dá para prever."
Em situações de emergência, a laparotomia exploradora costuma ser rápida, realizada em poucos minutos, segundo Diego Adão, professor de Emergência Cirúrgica do Hospital São Paulo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). No entanto, no caso de Bolsonaro, o procedimento foi mais demorado e delicado porque ele já havia passado por diversas cirurgias abdominais — foram cinco desde 2018, quando sofreu uma facada. Com isso, havia muitas aderências.
"Nessas situações, o cirurgião precisa atuar com extrema cautela. Os tecidos estão mais frágeis e endurecidos, e qualquer corte fora do lugar pode atingir o intestino. Isso é perigoso porque o intestino contém bactérias e resíduos que, se vazarem para dentro do abdômen, podem causar infecções graves. Por isso a cirurgia demorou mais do que o habitual. Se fosse a primeira vez que ele passasse por uma cirurgia abdominal, o procedimento teria sido muito mais rápido", explica Adão.
Os especialistas levaram mais cinco horas para liberar as aderências que impediam o acesso à cavidade abdominal de Bolsonaro. Depois disso, foi preciso pensar em uma estratégia para reconstruir a parede abdominal, totalizando 12 horas de cirurgia.
"Só para se ter uma ideia, a liberação dessas aderências é feita de forma milimétrica, soltando um intestino que tem três metros e meio de comprimento", explicou o cirurgião Cláudio Birolini, um dos médicos responsáveis pelo caso, em coletiva de imprensa nesta segunda-feira, 14. "O intestino dele estava bastante comprometido, o que nos leva a crer que ele já apresentava um quadro de suboclusão havia alguns meses."
Quais os riscos após a cirurgia?
Os riscos da laparotomia exploradora não se restringem ao momento da cirurgia. O pós-operatório exige atenção, principalmente por causa das possíveis complicações na cicatrização. Durante a operação, diversas camadas do abdômen — como pele, tecido subcutâneo, músculos e tendões — são abertas e depois fechadas com fios cirúrgicos. Caso o paciente tenha uma cicatrização deficiente, esses pontos podem se romper com o tempo.
De acordo com o professor da Unifesp, se isso acontece precocemente, pode ocorrer uma eventração, quando a cicatriz se projeta para fora, formando uma espécie de abaulamento. Em casos mais graves, há risco de evisceração — uma emergência médica em que órgãos internos extravasam pela ferida operatória, algo raro, mas possível. Quando a abertura da cicatriz é lenta e progressiva, a consequência mais comum é a formação de uma hérnia incisional, em que parte das vísceras empurra a parede abdominal enfraquecida.
O procedimento, por si só, não exige o uso de uma bolsa de colostomia — um recurso indicado apenas quando há lesões ou doenças no intestino grosso. "Pelas informações divulgadas, a parte afetada foi o intestino delgado. Como o intestino grosso não foi comprometido, não há necessidade de bolsa", explica Adão.
Além disso, é possível que novas aderências se formem. Isso acontece porque toda cirurgia abdominal gera uma resposta inflamatória, que leva à formação de novas cicatrizes internas. Ou seja, ainda que o objetivo da intervenção seja desfazer essas ligações anormais, o próprio procedimento pode provocar seu reaparecimento no futuro, o que pode demandar novas cirurgias. "O risco de nova obstrução após a cirurgia gira em torno de 10 a 20%", explica o cirurgião.
Embora não exista um limite exato para a repetição do procedimento, o número varia conforme o estado do paciente. "Qualquer órgão que passa por muitas intervenções vai se fragilizando. A cirurgia não deixa de ser uma agressão. Se você mexe no rosto uma vez, depois de novo e de novo, chega uma hora que alguém diz: 'Olha, está começando a ficar arriscado'. O intestino delgado tolera bastante, mas não temos um número definido de quantas cirurgias ele aguenta", observa Perez.
Quais cuidados devem ser tomados?
O pós-operatório tende a ser prolongado, especialmente em pacientes com histórico de múltiplas intervenções, quando o tempo de anestesia é maior, a manipulação do intestino é mais intensa e o organismo leva mais tempo para retomar suas funções básicas. "O paciente demora mais para caminhar, para aceitar dieta, para evacuar e para ficar sem dor. Tudo isso exige um acompanhamento cuidadoso", detalha Adão.
Entre os sinais de recuperação estão a ausência de febre, a melhora progressiva da dor, o retorno da fome, a evacuação, o sono tranquilo e a estabilidade dos sinais vitais, como frequência cardíaca e pressão arterial. Também indicam boa evolução a retirada de sondas e cateteres, a normalização dos exames de sangue e a redução no uso de medicamentos na veia.
O tempo de internação varia de acordo com a resposta do corpo à cirurgia e com a ausência de complicações, como infecções hospitalares, tromboses ou problemas com dispositivos usados durante o pós-operatório. "Quanto antes o paciente voltar a se alimentar, menos tempo ele precisará de nutrição pela veia — que só é feita no hospital. Quanto menos infecção ele tiver, menos antibiótico será necessário. E quanto mais rapidamente os tecidos cicatrizarem, menos medicação para dor será usada. Tudo isso ajuda a encurtar a internação", resume o cirurgião.
Nos primeiros dias, o paciente normalmente precisa de suporte para diversas funções: respiração (com oxigênio ou ventilação mecânica), pressão arterial e hidratação (com medicamentos e líquidos na veia), nutrição (por via venosa ou sonda), movimentação (com fisioterapia) e até apoio emocional, por conta do estresse cirúrgico. Com a melhora, esses suportes são retirados gradualmente, sendo que últimos a serem suspensos costumam ser o nutricional, o fisioterápico e o psicológico.
