Script = https://s1.trrsf.com/update-1734630909/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE
Estevão, filho de Aurélio e Mônica, foi diagnosticado com AME tipo 1 quando estava prestes a completar seis meses de idade  Foto: Mel Bueno

'Quem tem AME, tem pressa': a espera de 7 meses pelo remédio mais caro do mundo

Estevão não tinha nem 6 meses de vida quando foi diagnosticado com AME; a espera pelo remédio mais caro do mundo durou mais do que isso

Imagem: Mel Bueno
  • Mônica Reis da Cunha em depoimento a Camila Saccomori (especial para o Terra)
Compartilhar
8 fev 2024 - 14h50
(atualizado às 14h53)

O primeiro Dia das Mães da assistente social Mônica Reis da Cunha foi diferente do planejado: naquele segundo domingo de maio, no ano passado, ela e o marido, o agricultor Aurélio Buge Degasperi, se mudaram ndo interior do estado do Espírito Santo para Vila Velha, capital do Estado, no intuito de proporcionar o tratamento adequado para Estevão.

O menino havia sido diagnosticado com AME tipo 1 apenas 48 horas antes, prestes a completar seis meses de idade. A espera pelo medicamento Zolgensma durou 7 meses devido aos trâmites do Judiciário. A infusão realizada quando o bebê tinha pouco mais de 1 ano foi bem sucedida.

Hoje, a rotina do alegre bambino, como a família o chama, é mostrada pelas redes sociais (@ame.estevao).

Leia a seguir o depoimento da mãe:

"Estevão desde o primeiro dia teve dificuldade para mamar. Mas muitos bebês também têm, então este fato nunca foi levado em consideração pelos médicos que o atenderam. Só mais tarde soube que esta fraqueza ao sugar, tanto ao peito como fórmula na mamadeira, era um dos sinais de AME.

No terceiro mês de vida, na consulta de rotina com pediatra, Estevão foi colocado de bruços e ainda não erguia o pescocinho. A recomendação foi estimular em casa.

No quarto mês, a hipotonia ficou mais evidente. Ao pegá-lo sentia cada vez mais molinho, além de seguir com dificuldade nas mamadas. Foi quando pedi encaminhamento para um neuropediatra, consulta realizada quando ele já tinha 5 meses.

Na hora o profissional fez o diagnóstico clínico de que poderia ser uma doença grave. O exame foi feito três dias depois. Nossa luta começou naquele momento, uma sexta-feira, 12 de maio de 2023, com o diagnóstico de AME nas mãos. Não conhecia a doença. Me assustei muito ao pesquisar, confesso que achei que perderia meu filho naquele mesmo instante. 

Mal deu tempo de processar a informação. No domingo, meu primeiro Dia da Mães, eu e meu marido nos mudamos para a capital para agilizar o tratamento.

Pensei que seria mais fácil, que a medicação chegaria rápido, mas não foi assim. Demos entrada no processo judicial para obter o Zolgesma no dia 15 de maio; Estevão faria 6 meses no dia 16, dia seguinte. A União negou o pedido. Alegaram que Estevão não estava seguindo a norma da Conitec, pois estava com 6 meses e 18 dias de vida.

A juíza federal que analisou o caso também foi desfavorável, com base na mesma norma. Recorremos. Um período depois, recebemos decisão favorável de desembargador do TRF obrigando a União a fornecer o medicamento. Comemoramos, sem imaginar o quão absurdos seriam os prazos: 10 dias se transformam em 30, causando muito sofrimento. Não conseguíamos entender porque não se cumpria a liminar. 

A União fez o depósito do valor do remédio. E este valor ficou parado na Justiça. Era preciso liberar o dinheiro para o hospital, para que comprasse o medicamento, o que demorou ainda mais tempo. Cada dia para essas crianças importa muito. O lema de toda família com este diagnóstico é: quem tem AME, tem pressa. 

No total, foram 7 meses de espera pelo medicamento. Algumas crianças conseguem com rapidez, outras levam um tempo até maior. Infelizmente as leis não funcionam igual para todo mundo. Enquanto isso a vida dos nossos filhos aguarda decisões. Esta morosidade que não dá para entender. Tivemos inúmeros dias de choro, de angústia. Não é fácil viver o presente sem saber o futuro.

Finalmente conseguimos marcar o tão sonhado dia Z do Estevão. No dia 14 de dezembro de 2023, prestes a completar 1 ano e um mês, foi feita a infusão em Curitiba e desde então temos tido um desenvolvimento muito bom.

Sou servidora pública e consegui garantir o direito de trabalhar em home office, com redução de carga horária. Hoje nosso foco está nas terapias com especialistas em AME. Temos uma liminar judicial contra o plano de saúde para esse fim. Estevão faz todas as terapias em casa, com profissionais que entendem e estudam a doença e, isso faz toda diferença. 

A rotina é puxada: fisioterapia respiratória, motora, fonoterapia para disfagia e estamos lutando para conseguir a terapia ocupacional. Estevão usa órteses para melhorar o desenvolvimento motor: bota ortopédica, parapodium, colete postural. Aliado a todo o tratamento, usa o aparelho respirador para dormir e outro três vezes ao dia para expansão torácica.

Temos também, por liminar, home care com assistência de técnica de enfermagem 24h, visitas semanais de médico e enfermeira. Nossa casa vive cheia, mas sabemos que colheremos bons frutos pela dedicação. Aliás, já estamos colhendo: Estevão está cada dia melhor, obtendo melhores pontuações nas escalas de teste motores e respiratórios. Nosso menino é um verdadeiro milagre!

Na minha vida profissional sempre atuei com pessoas com deficiência fazendo avaliações sociais para o BPC (benefício de prestação continuada), mas hoje é diferente. Estou no lugar de uma mãe de um usuário com deficiência, estou também do outro lado lutando por direitos. Não é fácil, mas não podemos deixar as dificuldades nos estacionarem. Meu desejo é que um dia todos possam ter seus direitos de saúde garantidos, sem tanta injustiça."

*Este é um trecho da segunda de uma série de 5 reportagens especiais para o Terra, conteúdo produzido com apoio da bolsa de jornalismo da US National Press Foundation: Covering Rare Diseases. Leia também a primeira delas: "Doenças raras na infância: a odisseia das famílias em busca de um diagnóstico"

Fonte: Redação Terra Você
PUBLICIDADE