Sabesp mantém medida que deixa casas sem água à noite em SP
Entidade e especialistas defendem que redução de pressão seja suspensa durante combate ao novo coronavírus
Relatos semelhantes são frequentes entre moradores de casas de áreas mais altas de bairros das zonas norte, sul, leste e oeste da cidade de São Paulo, que enfrentam falta de água diariamente por causa da redução de pressão adotada pela Sabesp e da falta de caixa d'água. Para especialistas, a medida precisa ser revista durante a pandemia, em que a água corrente e o sabão são os principais combatentes da covid-19.
No sábado, 28, o Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas) incluiu a interrupção da redução da pressão de redes de água, especialmente em favelas e periferias, como umas das dez medidas "emergenciais e estratégicas" que precisam ser tomadas na área de saneamento básico e água durante a pandemia. As indicações estão em uma carta direcionada ao poder público e a empresas do setor.
Professor de Engenharia Hídrica da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Antônio Eduardo Giansante considera que a redução de pressão é uma medida eficiente para reduzir as perdas de água, mas que deveria ser suspensa durante a pandemia. "Em uma emergência, como a de agora, é preciso buscar formas de suprir o desabastecimento."
Ele explica que a redução da pressão é adotada porque o menor consumo durante a noite aumenta a pressão interna da rede, que, por ser antiga, acaba sofrendo vazamentos. Por isso, defende que a suspensão da medida ocorra durante a pandemia e que seja combinada com a distribuição de caixas d'água, com capacidade para suprir o abastecimento por 24 horas.
O infectologista Leonardo Weissmann, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia e médico do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, também ressalta a importância do acesso pleno à água corrente durante a pandemia e diz que o armazenamento em recipientes (como baldes) exige maiores cuidados para evitar a contaminação. "Essa falta de água corrente acaba prejudicando, deixando as pessoas mais vulneráveis."
Outro risco de manter esses recipientes em casa é o de disseminar a dengue, uma vez que a água parada serve de criadouro para o mosquito Aedes aegypti, transmissor da doença. O Ministério da Saúde já admite a preocupação de lidar com três epidemias ao mesmo tempo nas próximas semanas: covid-19, dengue e a influenza (gripe comum).
O próprio site da Sabesp aponta que a redução de pressão pode causar "longas horas sem água nas torneiras" para o que chama de uma "minoria da população". A maioria dos casos envolve desabastecimento entre a noite (por volta das 22 e 23 horas) e o início da manhã (entre 5 e 6 horas).
Só em fevereiro, a companhia recebeu 8.684 reclamações de falta d'água, embora os relatos ouvidos pelo Estado sejam de moradores que já desistiram de reverter a situação ao longo dos anos. Das 15 subdivisões da capital, a maioria das queixas se concentra nas seguintes: São Miguel (1.317), Itaquera (1.181), Sé (1.016), Mooca (762), Butantã (663) e Santo Amaro (598).
Adaptações
Com os desabastecimento, os moradores precisam mudar os hábitos para não depender de água corrente. "Meu esposo é motorista de ônibus e chega de madrugada. Como não tenho caixa (d'água), tenho de deixar balde com água para ele se higienizar", conta Gabriela Lunardello, moradora da Ponte Rasa, na zona leste.
A confeiteira Deborah Santos, de 56 anos, comenta que sempre precisa "correr para não deixar louça" antes das 23 horas. "Gosto muito de cozinhar à noite e já não posso fazer muita coisa por conta disso. Faço toda higienização durante o dia", relata a moradora de Perdizes, na zona oeste.
Já, na casa do comerciante Syrin Ali, de 34 anos, só um dos dois banheiros, o conectado à caixa d'água, pode ser utilizado à noite. "Mal dá para lavar louça, tem de deixar até a água chegar", relata o morador da Penha, também na zona leste. "Dificulta na lavagem da casa, do quintal, da escada."
A autônoma Solange Moretto, de 54 anos, guarda água em garrafas na cozinha para "alguma emergência", pois a caixa d'água não atende à cozinha. "Às vezes me revolto, tenho vontade de mudar", conta ela, que vive a vida toda no bairro de Limão, na zona norte.
Sabesp diz estar 'readequando os parâmetros técnicos' e pede registro de queixas
Em nota, a Sabesp afirmou que tem verificado as notificações recebidas de falta de d'água e que está "readequando os parâmetros técnicos" para atender a todos. "Para isso, a empresa pede que os moradores entrem em contato pelos canais digitais e pela central de atendimento telefônico, que, por causa da pandemia de covid-19, foram fortalecidos para atender à população."
A companhia também ressaltou a existência de uma norma da ABNT que recomenda que toda residência tenha uma caixa d'água. A companhia recebeu uma doação de 2,4 mil unidades do item de duas empresas, que serão distribuídos durante a pandemia em áreas carentes. Além disso, alegou que o consumo de água aumentou em 6% em março em relação à média do ano passado, o que atribui ao isolamento social durante a pandemia.