Sociedades médicas pedem à Anvisa medidas contra 'chip da beleza' e apontam riscos à saúde
Implantes hormonais sem regulamentação da Anvisa têm se popularizado e podem causar problemas; proibição é dilema porque chips se enquadram na legislação de medicamento manipulado
Um grupo de sociedades médicas do Brasil enviou uma carta à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) pedindo providências quanto ao uso indiscriminado de implantes hormonais, popularmente chamados de "chip da beleza", no País. Esses produtos, que não possuem bula e não têm regulamentação da Anvisa (exceto Implanon, aprovado como anticoncepcional) conferem risco à saúde e têm sido prescritos por médicos de forma indiscriminada e com um "viés altamente comercial", de acordo com as sociedades que assinam a carta, endereçada ao diretor-presidente da agência, Antonio Barra Torres.
"A monetização desse comércio através de venda direta ou parcerias comissionadas, bem como a promoção de cursos não científicos ferem todos os princípios éticos, legais e humanos", diz a carta, assinada pela sociedades brasileiras de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), de Urologia (SBU), de Geriatria e Gerontologia (SBGG), de Diabetes (SBD) e de Medicina do Exercício e do Esporte, pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e pela Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso).
"Não existe dose, tampouco acompanhamento médico que garanta segurança para o uso de hormônios para fins estéticos ou de performance. Os efeitos colaterais podem ser imprevisíveis e graves, com os riscos ultrapassando qualquer possível benefício. Casos de infarto agudo do miocárdio, de tromboembolismo e de acidente vascular cerebral vêm se tornando frequentes", afirmam as sociedades.
A dificuldade em banir ou, ao menos, controlar a prescrição de implantes hormonais se dá porque, apesar de não terem regulamentação da Anvisa para serem comercializados, eles podem ser produzidos legalmente em farmácias de manipulação.
A Lei 13.021, de 8 de agosto de 2014, conhecida como Lei das Farmácias Magistrais, reconheceu as farmácias como estabelecimentos de saúde e conferiu autonomia técnica aos profissionais farmacêuticos. Por isso, produtos feitos em farmácias de manipulação, como é o caso do chip, não precisam de bula.
Em 2021, a Anvisa proibiu qualquer propaganda da gestrinona, principal composto dos chips da beleza, e de produtos relacionados, alegando que a substância é um "risco à saúde pública". "Por se tratar de substância hormonal com possibilidade de causar eventos adversos graves, foi banida de diversos mercados e foi, inclusive, considerada substância de uso proibido para atletas, segundo a Agência Mundial Antidoping", disse a agência.
Mas as sociedades médicas estão convencidas de que as medidas tomadas até então contra os implantes não vêm sendo eficazes. "A Anvisa precisa regulamentar a manipulação de medicamentos somente pela via de administração na qual o medicamento foi registrado. Uma via diferente necessita de dados científicos publicados de eficácia, segurança e desfechos a longo prazo", defendem, na carta.
Os especialistas dizem, ainda, que é necessário que a agência aprimore "o controle do uso de esteroides anabolizantes, seja através de notificação de receita A ou através de sistema eletrônico de prescrição, obedecendo as normas vigentes de identificação do prescritor e diagnóstico identificado por CID condizente com a indicação".
Riscos graves à população
Segundo o endocrinologista Paulo Augusto Miranda, presidente da SBEM, a carta alerta justamente para o fato de ser observado um aumento gradativo do uso de implantes hormonais customizáveis, apesar de todas as ações já tomadas pelas sociedades científicas. Cabe lembrar ainda que o Conselho Federal de Medicina (CFM) proibiu médicos de prescreverem esteroides e anabolizantes para fins estéticos ou ganho/desempenho esportivo.
O médico ressalta que não existem estudos farmacológicos capazes garantir a eficácia e segurança desses produtos e, assim, respaldar o seu uso. "Isso transforma a situação em um potencial risco à saúde pública", avisa.
Para Miranda, o chamado para a Anvisa tomar medidas e ações mais eficazes na fiscalização e regulamentação desse processo é importante. "Entendemos que a população tem alto grau de confiança no trabalho da Anvisa e precisa ser alertada e protegida para que possa realmente tomar decisões de saúde mais qualificadas."
A carta foi enviada no mesmo dia em que ocoreu uma reunião entre as sociedades científicas e a própria Anvisa, na qual se discutiram ações já tomadas sobre o tema. "Tivemos uma reunião com a área técnica da Anvisa, e os próprios integrantes da agência nos mostraram, em apresentação, todas as ações já tomadas até o momento de fiscalização e medidas a serem tomadas por via da regulamentação, demonstrando que a agência compreende a gravidade da situação e a necessidade de atitudes efetivas para a mudança do cenário", acrescenta Miranda.
"Sobre a carta, ainda não tivemos resposta objetiva sobre o seu conteúdo", disse o presidente da SBEM. "Acredito que a Anvisa vai tomar as medidas de fiscalização mais eficientes", acrescentou.
Recentemente, a Sbem divulgou uma nota especificamente sobre o uso de ocitocina nesses chips. O alerta foi motivado pelo caso de uma jovem de 20 anos que apresentou um quadro de edema cerebral após utilizar implantes contendo a substância. "É um efeito adverso gravíssimo", aponta o médico.
Procurada pela reportagem, a Anvisa não se manifestou. O espaço permanece aberto para manifestação.
O chip da moda
Os chips da beleza costumam ser compostos pelo hormônio anabolizante gestrinona, combinado com diferentes tipos de hormônios - varia muito de médico para médico e de paciente para paciente. Geralmente, são receitados para tratamento da menopausa, como método antienvelhecimento, para redução da gordura corporal e aumento da libido e da massa muscular.
Apesar das promessas, os riscos à saúde são vários e comprovados por diversos estudos. Além da falta de evidências científicas em relação à segurança e efetividade da aplicação de gestrinona, em especial via implante endodérmico, especialistas escutados pelo Estadão em maio deste ano apontaram outro grande problema dos implantes: eles podem ser receitados em composições variadas, dificultando a definição da dosagem correta e dos possíveis efeitos colaterais.
Os possíveis efeitos colaterais negativos do chip, especialmente em casos de uso prolongado, são:
- Aumento da oleosidade da pele e do cabelo, com predisposição ao surgimento de acne;
- Queda de cabelo;
- Aumento na quantidade de pelos corporais;
- Engrossamento da voz;
- Aumento de clitóris;
- Ganho de peso (dependendo da composição do chip);
- Inchaço;
- Sobrecarga do fígado;
- Problemas no coração;
- Desníveis no colesterol;
- Alterações no ciclo menstrual, podendo levar à infertilidade;
- Alterações na mama, como displasia.