Telemedicina: o que é, para que serve, como funciona e principais cuidados
CONTEÚDO ABERTO PARA NÃO-ASSINANTES: Liberação da prática ocorre excepcionalmente durante o período de pandemia do novo coronavírus; saiba como está a regulamentação
Com o objetivo de evitar aglomerações em hospitais e centros de saúde durante a pandemia do novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro sancionou nesta quinta-feira, 16, a lei que autoriza o uso da chamada telemedicina enquanto durar a crise provocada pela covid-19, mas vetou a validade das receitas médicas virtuais emitidas sem assinatura eletrônica certificada, alegando riscos de "fácil adulteração".
Bolsonaro também barrou a ampliação desse modo de atendimento após o fim da pandemia, o que, segundo o texto original, deveria ser regulamentado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). O Planalto vetou o trecho justificando que a matéria deve ser regulada em lei, "ao menos em termos gerais". O CFM afirma que ainda está avaliando a situação.
O projeto que deu origem à lei foi aprovado pelo Congressono fim de março. No último dia 31, o Senado aprovou o projeto de lei que autoriza o uso da telemedicina no Brasil em quaisquer atividades da área de saúde. Desde então, ressaltou que a decisão era válida em caráter excepcional e enquanto durar o combate à covid-19.
Em ofício enviado ao Ministério da Saúde no dia 19 de março, o Conselho Federal de Medicina (CFM) já havia dado aval médico para a liberação da telemedicina no País. Quatro dias depois, no dia 23, o Ministério da Saúde publicou, em edição extra do Diário Oficial da União (DOU), portaria regulamentando o atendimento médico à distância.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), responsável pelo setor de planos de saúde no Brasil, afirma que definiu novas medidas para o enfrentamento da pandemia. A Diretoria Colegiada da reguladora propôs ações para viabilizar a utilização da telessaúde, flexibilizar normativas econômico-financeiras e adotar medidas regulatórias temporárias no âmbito da fiscalização. Confira aqui quais são elas. O Projeto de Lei 696/2020, de autoria da deputada federal Adriana Ventura (Novo-SP), foi aprovado na Câmara dos Deputados no dia 25 de março.
Em São Paulo, também no dia 31 de março, o governador do Estado, João Doria (PSDB), anunciou que especialistas do Instituto do Coração (Incor) e do Hospital das Clínicas (HC) darão apoio a mais de 100 hospitais da rede pública estadual com o uso de teleconsultoria, podendo ser estendido para a rede particular. O objetivo principal auxiliar o tratamento de pacientes com o novo coronavírus.
Desta forma, uma equipe estará em conexão por videoconferência com outros médicos de hospitais da rede, analisando os casos mais complexos, discutindo e sugerindo alternativas para as melhores decisões. A primeira fase começou na última quinta-feira, 26, com o Conjunto Hospitalar do Mandaqui, na zona norte da capital paulista.
Diante da liberação do uso da telemedicina - que já foi alvo de polêmicas entre os contrários e os favoráveis - muitos questionamentos surgem sobre essa prática.
Confira a seguir perguntas e respostas sobre o tema. Os questionamentos foram respondidos pelo presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), Carlos André Uehara; pelo diretor técnico do Sabará Hospital Infantil, Renato Vieira; pelo membro da diretoria executiva da Sociedade de Pediatria de São Paulo, Mário Roberto Hirschheimer; pela mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Puc-SP) Merces da Silva Nunes e teve apoio de matérias do Estado.
O que é e como funciona a telemedicina?
A modalidade é usada para atendimento pré-clínico, de suporte assistencial, de consulta, monitoramento e diagnóstico no Sistema Único de Saúde (SUS) ou na rede privada. O atendimento médico à distância pode ser feito diretamente entre médicos e pacientes, por meio de tecnologia da informação e comunicação que garanta a integridade, segurança e o sigilo de informações. Toda a consulta deve ser, obrigatoriamente, registrada em prontuário clínico com indicação de data, hora, tecnologia utilizada e o número do Conselho Regional Profissional do médico e sua unidade da federação.
Os médicos estão autorizados a emitir atestados ou receitas médicas desde que assinados eletronicamente e acompanhados de informações sobre o profissional. Também devem seguir os requisitos estabelecidos pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa).
No documento, assinado pelo presidente do CFM, Mauro Luiz de Britto Ribeiro, o órgão detalhou que passam a ser permitidas as seguintes modalidades de telemedicina: 1) teleorientação, para que médicos possam à distância orientar e encaminhar pacientes em isolamento; 2) telemonitoramento, situação em que o médico monitora à distância parâmetros de saúde do paciente, e 3) teleinterconsulta, para troca de informações e opiniões entre médicos, para auxílio diagnóstico ou terapêutico.
Uma resolução publicada pelo CFM em 2002 (nº 1.643) já apresentava conceitos sobre a telemedicina, no entanto, até agora, a prática da era vetada no País e os médicos que a praticassem poderiam sofrer punições por parte do conselho profissional. Nos Estados Unidos e em países da Europa, o atendimento à distância já é bastante utilizado.
A Portaria n.º 467/2020, do Ministério da Saúde, ampliou os serviços de telemedicina?
Sim, e contemplou o atendimento pré-clínico, de suporte assistencial, consulta, monitoramento e diagnóstico realizado à distância por profissionais da medicina. Ainda de acordo com a portaria, durante o atendimento os médicos poderão emitir atestados ou receitas médicas em meio eletrônico e a emissão dos documentos a distância será válida em meio eletrônico, mediante uso de assinatura eletrônica por meio de certificados e chaves emitidos pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil).
Além disso, em relação aos atestados, o documento deverá conter:
- identificação do médico, incluindo nome e o número do CRM;
- identificação e os dados do paciente;
- registro de data e hora;
- o prazo de duração do atestado.
Posso adquirir uma receita de remédio controlado pelo atendimento à distância?
O presidente Jair Bolsonaro sancionou nesta quinta-feira a lei que autoriza o uso da chamada telemedicina enquanto durar a crise provocada pela covid-19, mas vetou a validade das receitas médicas virtuais emitidas sem assinatura eletrônica certificada, alegando riscos de "fácil adulteração.
Para vetar as receitas médicas virtual emitidas sem assinaturas reconhecidas, o Planalto alegou que o dispositivo "ofende o interesse público e gera risco sanitário à população, por equiparar a validade e autenticidade de um mero documento digitalizado, e de fácil adulteração, ao documento eletrônico com assinatura digital com certificados ICP-Brasil (Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira), como meio hábil para a prescrição de receitas de controle especial e nas prescrições de antimicrobianos, o que poderia gerar o colapso no sistema atual de controle de venda de medicamentos controlados, abrindo espaço para uma disparada no consumo de opioides e outras drogas do gênero, em descompasso com as normas técnicas de segurança e controle da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa)."
A emissão de receitas à distância já tinha sido autorizada por portaria do Ministério da Saúde publicada em março, mediante uso de assinatura eletrônica por meio de certificados e chaves emitidos pela ICP-Brasil.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) esclarece que a assinatura digital com certificados ICP-Brasil deve ser utilizada nas receitas de controle especial e nas prescrições de antimicrobianos. Desta forma, as farmácias que disponham de recurso para realizar a consulta ao original em formato eletrônico podem considerar o documento válido.
"Essas orientações continuam válidas, tendo em vista que se referem somente a documentos que podem ser originados eletronicamente e se baseiam nas disposições contidas na Medida Provisória 2.200-2/2001, que instituiu a ICP-Brasil, a qual garante autenticidade, integridade e validade jurídica aos documentos emitidos em formato originalmente eletrônico", disse, em nota, a Anvisa. "A recente lei publicada não altera tais dispositivos".
A Anvisa lembra que a prescrição eletrônica com assinatura digital tratada nas orientações da agência não é o mesma que a prescrição digitalizada (cópia digitalizada de uma receita emitida manualmente).
O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) afirma que está avaliando, juntamente com o Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF-SP), um meio que atenda aos padrões de segurança, aliado aos princípios éticos. "Também estão sendo estudadas ferramentas tecnológicas que possibilitem a viabilização, segura, da receita digital", disse, em nota, o Cremesp.
Questionado sobre como o paciente e o médico de teleatendimento devem proceder, por enquanto, a orientação do Cremesp é que "pacientes encontrem junto a seus médicos a melhor forma para retirarem suas receitas, podendo ser via portador ou um parente. O importante é que a receita esteja com os dados legíveis tanto do paciente como também do médico e da medicação prescrita, além da data de emissão da receita", afirmou.
Diante do confinamento e cancelamento temporário de consultas, por parte dos médicos, pacientes precisam buscar as alternativas existentes no momento para conseguir receitas controladas para comprar medicamentos de uso contínuo. Durante a pandemia, idosos e pessoas com doenças crônicas podem fazer atendimento por telemedicina. Se o médico se sentir à vontade, pode prescrever a receita e combinar uma forma de entrega do documento. No entanto, em muitos casos, a prescrição da receita depende de uma primeira consulta presencial para que o médico possa conhecer o paciente.
O Código de Ética Médica prevê a possibilidade de prescrição, por parte do médico, de tratamento ou outros procedimentos sem exame direto do paciente em casos de urgência ou emergência?
O médico está proibido de prescrever tratamento ou outros procedimentos, sem prévio exame presencial do paciente, exceto em situações de urgência, emergência ou quando estiver impossibilitado de realizar o exame pessoalmente. Todavia, diante da situação de emergência em saúde pública, decorrente da covid-19, o atendimento à distância foi autorizado, visando, sobretudo, evitar e/ou reduzir a circulação de pessoas, a exposição desnecessária dos profissionais de saúde e a superlotação de clínicas e hospitais.
Como a telemedicina pode ajudar durante a pandemia do novo coronavírus?
A ideia é usar a telemedicina como ferramenta de enfrentamento da pandemia do novo coronavírus no Brasil. Desta forma, seria possível reduzir a procura por outros atendimentos, permitindo que os hospitais cuidem dos pacientes infectados com covid-19 e casos de urgência e emergência. Outros tipos de atendimentos podem ser esclarecidos pelo atendimento remoto sem a necessidade de uma consulta presencial. Além disso, a ferramenta pode ser utilizada para monitoramento de pacientes confirmados com a doença, que estejam em isolamento domiciliar.
É possível diagnosticar caso positivo do novo coronavírus pelo atendimento à distância?
É importante reforçar que o diagnóstico confirmado do novo coronavírus deve ser feito presencialmente, pois depende da realização de exames. Pelo atendimento à distância somente é possível orientar para o isolamento em alguns casos, monitorar e controlar o quadro clínico de casos mais leves, como já explicado anteriormente. Em caso de febre, acompanhada de sintomas como tosse seca ou falta de ar, procure atendimento médico presencial. A partir do diagnóstico, a pessoa saberá se precisa de internação ou se pode fazer o monitoramento à distância de sua casa.
Quais cuidados o paciente precisa ter quando não conhece o médico que fará o atendimento à distância?
O atendimento pode ser feito por telefone, plataforma de mensagens ou videoconferência. Especialistas recomendam que o paciente opte pela terceira opção, em caso de não conhecer o médico que o irá atender. Fazendo previamente uma consulta aos conselhos de medicina para verificar o perfil do responsável pelo atendimento. Caso seja o próprio médico ou uma indicação confiável, o paciente pode realizar tranquilamente a consulta pelas outras duas opções também.
Quanto custa, em média, um atendimento à distância?
No âmbito do sistema Único de Saúde (SUS) e dos planos de saúde, não deve ocorrer qualquer pagamento adicional (no SUS pela gratuidade do atendimento e nos planos de saúde porque o valor da consulta está incluído na mensalidade paga pelo usuário). A remuneração deverá ocorrer nas consultas particulares e a forma de pagamento deverá ser ajustada de comum acordo entre as partes. O preço deve variar de 75% a 100% do valor da consulta presencial.
Como funciona o atendimento à distância para as crianças?
As crianças precisam de assistência médica com frequência e, muitas vezes, os pais ficam em dúvida se é necessário procurar um pronto-socorro. Como a ida a um hospital sempre representa um risco, já que é um ambiente onde circulam pessoas com doenças respiratórias transmissíveis, o objetivo da telemedicina é ajudar as famílias a evitar idas desnecessárias ao pronto-socorro neste período de pandemia da covid-19.
Em quais casos a telemedicina é recomendada às crianças?
- Problemas como resfriados simples, dor de garganta, tosse, dores de cabeça, alergia, rinite alérgica, sangramentos nasais ou vermelhidão nos olhos.
- Irritações e alergias de pele, infecções menores, coceira, infecções da pele ou verrugas, picada de inseto, assaduras e reação vacinal.
- Dúvidas sobre saúde geral das crianças, aleitamento materno ou vacinação de seu filho.
O uso dessa ferramenta deve ser feito de forma excepcional, como meio de evitar o trânsito de pessoas e de oferecer assistência a pacientes em situação de isolamento social, conforme preconizado pelo CFM e pelo Ministério da Saúde. Em caso de dúvidas do profissional, o paciente em teleatendimento deve ser orientado a buscar consulta presencial para avaliação de sinais e sintomas e adoção de medidas terapêuticas necessárias.
O atendimento à distância é aliado do presencial?
O médico do atendimento à distância fará perguntas ao paciente, sendo o mesmo tipo de triagem do atendimento presencial. Ao monitorar o paciente, poderá encaminhar, sempre que necessário, o paciente para atendimento em um hospital. São serviços complementares. Em alguns casos, não basta somente a conversa, o monitoramento, o médico precisa colocar a mão no paciente para examiná-lo.
Quais são os prós e os contras debatidos sobre a telemedicina?
O lado positivo da telemedicina é, sem dúvida, tornar a saúde acessível ao maior número de pessoas, em qualquer tempo e lugar, reduzindo de forma significativa o tempo e os custos de deslocamento de pacientes, além de propiciar contato com profissionais de diversas outras especialidades. A telemedicina revela uma nova forma de trabalho para todo o setor da saúde e pode representar um novo campo de trabalho para muitos profissionais.
O lado negativo, mais imediato e visível, é a falta de contato pessoal com o médico e a eventual falta de proteção, guarda e segurança de informações sigilosas, inclusive, prontuário, do paciente, o que pode significar o aumento de demandas judiciais e ações de reparação de danos.