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Tintas usadas em tatuagens podem causar doenças? Entenda os riscos

Estudos associam produtos a alergias, indução de mutações genéticas e até câncer; para especialistas, os riscos podem ser reduzidos com cuidados

9 set 2022 - 19h12
(atualizado às 20h45)
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Tintas usadas em tatuagens podem causar doenças? Entenda os riscos
Tintas usadas em tatuagens podem causar doenças? Entenda os riscos
Foto: Shutterstock / Portal EdiCase

Por muito tempo, o uso de agulhas não esterilizadas ou mesmo a sua reutilização foram as principais preocupações de autoridades sanitárias e profissionais da saúde quando o assunto é tatuagem. Mais recentemente, as tintas usadas para os procedimentos entraram ainda mais no radar de especialistas, que buscam identificar e minimizar os danos potenciais causados por esses produtos.

Em janeiro, a Agência Europeia de Produtos Químicos (ECHA) limitou o uso de mais de 4 mil substâncias presentes em tintas de tatuagem (principalmente coloridas) e ligadas a algum tipo de problema de saúde. Alguns exemplos são corantes azoicos, aminas aromáticas cancerígenas, hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HPAs), metais e metanol, relacionados a alergias, irritações, indução de mutações genéticas ou câncer. Segundo a agência, a intenção não é proibir as tatuagens, mas fazer com que as cores usadas nelas sejam mais seguras.

Embora as preocupações mais graves em relação aos pigmentos contidos nas tintas sejam o seu potencial cancerígeno e de causar mudanças no DNA, ainda não há como ligar esses efeitos aos produtos. "É um risco da aplicação, elas têm propriedades químicas tóxicas e incluem substâncias cancerígenas. Mas, de forma prática, não temos comprovação de que existe a associação da aplicação da tinta com o aparecimento do câncer ou se é uma coincidência", explica o médico dermatologista Moyses Lemos.

Uma tinta para tatuagem é composta por duas partes: o pigmento e a solução carreadora, que mantém as substâncias juntas, torna o pigmento mais solúvel e dá ao produto sua textura. O dermatologista ressalta que, "de forma geral, as tintas têm dezenas de alérgenos conhecidos, substâncias metálicas e pigmentos orgânicos que permanecem relativamente sem controle". Isso porque reações alérgicas aos pigmentos, por exemplo, podem ocorrer imediatamente ou muito tempo após a aplicação, a depender da reação do sistema imunológico.

Outra das considerações da Agência Europeia de Produtos Químicos sobre os riscos das tatuagens é que, quando removidas com laser, as substâncias da tinta são "quebradas" em partículas menores, o que liberaria os químicos nocivos contidos nela para circular pelo corpo e chegar a outros tecidos e órgãos, como os linfonodos ou o fígado.

Essa possibilidade também chamou a atenção de um grupo de pesquisadores da Universidade de Binghamton (EUA), que tem analisado os componentes de diferentes marcas de tintas comercializadas no mercado americano.

Em itens de 16 fabricantes, analisados com microscópio eletrônico, metade apresentava partículas menores que 100 nanômetros, tamanho que foi classificado como "preocupante" por causa do risco de que atravessem a membrana das células. Segundo os pesquisadores, que apresentaram alguns resultados em um encontro da Sociedade Americana de Química (ACS) no fim de agosto, os componentes contidos nos frascos de tinta para tatuagem são "um mistério".

Com quase cem tintas analisadas, o estudo identificou que, além das partículas muito pequenas, muitas continham ingredientes que não estavam listados no rótulo, como etanol, e 26 continham compostos azoicos (um dos tipos de substância limitados pela agência europeia). O grupo de cientistas relatou que "surpreendentemente, nenhum fabricante faz pigmentos específicos para tintas de tatuagem".

A Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora nos Estados Unidos análoga à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), considera esses produtos um tipo de cosmético. Por isso, o órgão interfere apenas em casos de necessidade de recall de lotes ou contaminação de produtos por micro-organismos e afirma não exercer autoridade regulatória sobre os pigmentos usados nas tintas - cerca de 50 atualmente, em uma lista que continua a crescer.

A agência reconhece que, embora haja corantes aprovados para serem usados em cosméticos, nenhum tem o aval para ser injetado dentro da pele. "Usar um corante não aprovado em uma tinta para tatuagem torna a tinta adulterada. Muitos pigmentos usados em tintas para tatuagem não são aprovados para ter nenhum tipo de contato com a pele. Alguns são corantes de nível industrial, apropriados para impressoras ou pintura de automóveis", diz uma ficha técnica da FDA sobre tatuagens e maquiagem permanente.

Anvisa e a regulamentação no Brasil

A legislação brasileira dispõe que os equipamentos e as tintas usadas para tatuagens devem obter registro na Anvisa. Hoje, há 13 tintas registradas no País. A agência informou que acompanha as discussões sobre a segurança de tintas para tatuagem na União Europeia, mas que não existe no Brasil uma lista de pigmentos proibidos como a da ECHA.

As exigências para a autorização da Anvisa estão previstas na resolução RDC 55 de 2008, que classifica os itens como "produtos utilizados no procedimento de pigmentação artificial permanente da pele'' e buscam garantir a ausência de produtos tóxicos ou carcinogênicos entre os componentes. Para serem registrados, os pigmentos precisam atender a três resoluções do órgão de vigilância sanitária (RDC 185/2001, RDC 546/2001 e RDC 553/2021).

A empresa fabricante ou importadora precisa estar regularizada no Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), ter autorização de funcionamento para a atividade (fabricação ou importação) e cumprir com as boas práticas de fabricação previstas na resolução RDC 665/2022. Para demonstrar a segurança dos produtos, relatórios de avaliação biológica e gerenciamento de risco precisam ser apresentados.

Com base na avaliação biológica, caso a Anvisa entenda que são necessários testes de biocompatibilidade - que avaliam a interação da substância com os tecidos do corpo -, o fabricante deve também providenciá-los e apresentar seus relatórios. Os rótulos das embalagens, por sua vez, devem conter a composição da tinta exatamente como foi avaliada e aprovada na Anvisa.

É possível minimizar possíveis danos?

Para Moyses Lemos, que é coordenador de mídias eletrônicas da Sociedade Brasileira de Dermatologia, a regulamentação representa uma segurança a mais para tatuadores e clientes. "Com certeza, se você tem uma tinta que está seguindo regras de autorização da Anvisa e dentro da validade, é possível confiar um pouco mais. Mas é claro que ainda é preciso tomar todos os cuidados possíveis", afirma.

Entre esses cuidados, a especialista em biossegurança Esther Gawendo lista a limpeza de estúdio e macas com desinfetantes hospitalares; higienização das mãos; uso de materiais descartáveis como agulhas, luvas e máscaras, e uso de lixo hospitalar para material infectante, como sangue. "O estúdio de tatuagem deve seguir normas rigorosas de higiene, quase como uma clínica médica", explica. Além disso, o tatuador precisa estar vacinado contra doenças como hepatite B, C e D, covid-19, e tétano.

Esther é presidente da organização Tattoo do Bem, que tem como objetivo representar os interesses profissionais de tatuadores e piercers a nível nacional e conta com 1,2 mil associados. Formada em Enfermagem, ela ministra cursos de biossegurança na tatuagem e é CEO da Tattoo Week, convenção que reúne anualmente milhares de tatuadores, piercers e expositores.

Setor em crescimento

Segundo dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o setor cresce 25% ao ano e soma mais de 150 mil estúdios em todo o País. Esther considera que, à medida que a profissionalização da área aumenta, a categoria busca investir mais em segurança. "A tatuagem se transformou em um importante mercado, que gera renda e trabalho, e existe mais preocupação em oferecer um serviço de qualidade, calcado em normas de segurança e de boas práticas. Temos indicação de que pelo menos 90% dos tatuadores brasileiros usam tintas nacionais e submetidas à avaliação da Anvisa", relata.

Durante o estudo da Universidade de Binghamton que analisou a composição de marcas de tintas, os pesquisadores disseram ter entrevistado tatuadores sobre os conhecimentos que eles tinham sobre os produtos utilizados em seus clientes. Eles identificavam com rapidez uma marca preferida, mas confessavam não saber muito sobre os componentes envolvidos.

Para Esther Gawendo, esse tipo de conhecimento faz parte da bagagem necessária para exercer a profissão: "É dever do tatuador conhecer o produto que utiliza e todas as suas especificações técnicas", pontua.

Lemos acrescenta à lista de cuidados que podem tornar tatuagens mais seguras considerações sobre as cores escolhidas. Ele afirma que o pigmento responsável pelo maior número de reações alérgicas é o vermelho e que as tintas vermelhas, laranjas e amarelas têm mais riscos de conter substâncias cancerígenas. Azul, verde e prata também requerem atenção, já que contêm níquel, metal muito associado a alergias causadas por bijuterias.

"Como médico dermatologista, sou contra a realização de tatuagem. Mas isso é uma coisa pessoal, as tatuagens são feitas há milênios. A pessoa tem de assumir riscos. O melhor, é claro, seria usar somente o pigmento preto, se ela optar por realizar a tatuagem", explica.

Mais do que uma forma de arte milenar, a tatuagem ganhou aplicações mais práticas. "Hoje, temos tatuagens de segurança para pacientes crônicos (diabéticos, hipertensos e alérgicos, por exemplo), que a usam para sinalizar a doença no próprio corpo. Assim, em caso de acidente ou desmaio, o socorrista sabe que aquela pessoa necessita de cuidados específicos", exemplifica Esther Gawendo.

Entre outras aplicações, estão a cobertura de cicatrizes e a reconstrução visual de sobrancelhas ou mamilos perdidos em tratamentos contra o câncer, que podem ajudar a ressignificar as marcas e resgatar a autoestima dos pacientes.

Veja dicas para minimizar os riscos na hora de fazer uma tatuagem:

- Verificar se a tinta utilizada pelo profissional tem registro na Anvisa e está dentro do prazo de validade;

- Checar se o estúdio está dentro das normas de vigilância sanitária;

- Observar se o tatuador tem conhecimento sobre técnicas de assepsia, esteriliza o ambiente e utiliza agulhas, luvas e máscara descartáveis;

- Evitar cores como o vermelho, verde, azul e prata, cujos pigmentos têm mais chances de provocar reações alérgicas;

- Seguir as orientações pós-tatuagem fornecidas pelo profissional, que incluem evitar alimentos com potencial inflamatório, cuidar da limpeza da região do corpo tatuada e evitar a exposição à luz do sol.

Estadão
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