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Usada no tratamento da obesidade, Mounjaro diminui gravidade da apneia do sono, diz estudo

Estudo mostra que perda de peso pelo uso do medicamento diminui os episódios de paradas na respiração desses pacientes e pode até levar à resolução da doença; entenda

1 jul 2024 - 20h10
(atualizado às 22h12)
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Caneta emagrecedora
Caneta emagrecedora
Foto: CR/iStock

O uso de tirzepatida, princípio ativo do medicamento Mounjaro, pode reduzir significativamente o número de interrupções respiratórias que pessoas com obesidade e que têm apneia do sono sofrem a cada noite, segundo estudo publicado na revista científica The New England Journal of Medicine no último dia 21. O Mounjaro foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para tratamento de diabetes tipo 2, mas ainda não começou a ser comercializado no Brasil. A substância também é usada em outros países no tratamento da obesidade.

De acordo com a pesquisa, os participantes que receberam doses de 10 ou 15 miligramas de tirzepatida tiveram uma redução média de 62,8% no índice de apneia-hipoapneia (IAH), que marca a quantidade de vezes que a respiração é interrompida durante o sono. Na prática, isso significou aproximadamente menos 30 eventos desses a cada hora.

"Essa redução do IAH foi bem significativa, lembrando que uma redução de pelo menos 15 eventos por hora nós já consideramos como clinicamente significativa", afirma Erika Cristine Treptow, pneumologista e pesquisadora do Instituto do Sono, empresa pertencente à AFIP.

A apneia do sono é uma condição comum - em São Paulo, por exemplo, afeta 1 a cada 3 pessoas - e é justamente caracterizada por essas constantes e breves paradas respiratórias quando dormimos. Isso acontece porque, quando a pessoa relaxa enquanto dorme, tecidos da região da faringe e da base da língua obstruem suas vias aéreas. Há diversas causas para a condição, desde deformidades na mandíbula até o envelhecimento.

Entre os principais fatores de risco, no entanto, a obesidade e o sobrepeso lideram a lista. Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), cerca de 70% das pessoas com obesidade têm apneia obstrutiva do sono. Nesses casos, há o depósito de gordura na região do pescoço, na língua, no palato mole e em outros tecidos da garganta, estreitando a passagem de ar. Por isso, a perda de peso é um elemento chave no tratamento de apneia desses pacientes.

Para Luciano Drager, cardiologista e presidente da Associação Brasileira do Sono (ABS), o novo estudo mostra que a tirzepatida pode auxiliar nesse processo. "Nossas recomendações médicas de perda de peso, de fazer dieta e atividade física falham em obter uma boa adesão a médio e longo prazo", explica. "Nós temos a cirurgia bariátrica muito efetiva, mas feita em uma população específica. Então faltavam estratégias para induzir uma perda de peso sustentada e relevante, para que você pudesse observar um efeito sobre a gravidade da apneia".

Como a tirzepatida age

A tirzepatida é um dos novos medicamentos cuja ação se assemelha à de hormônios produzidos no intestino. Como a semaglutida, ativo do Ozempic e do Wegovy, ela age da mesma forma que o GLP-1, substância que auxilia no controle do açúcar no sangue, da liberação de insulina e das sensações de saciedade e fome. Mas além do GLP-1, a tirzepatida também é análoga ao GIP, outro hormônio que contribui para esse controle.

Dessa forma, sua ação é potencializada. Nos ensaios clínicos realizados para atestar a segurança e eficácia do Mounjaro, os participantes perderam, em média, 13% do peso corporal em 12 semanas. Já no estudo recente com pessoas que têm obesidade e apneia do sono, a redução do peso foi de aproximadamente 20% em 52 semanas.

Segundo Drager, é por meio dessa perda de peso que a tirzepatida melhora a apneia do sono. "Não há nenhuma evidência de que a medicação atua diretamente melhorando apneia. Ela está melhorando indiretamente, por tratar a obesidade", afirma.

Erika concorda. "Embora ela não aja diretamente na musculatura e em alguns mecanismos da apneia do sono, ela age no principal fator de risco modificável que nós temos da doença, que é justamente o ganho de peso".

Os especialistas ressaltam que o uso da tirzepatida também fez com que os participantes do estudo apresentassem uma redução na pressão arterial, em marcadores inflamatórios e no dano hipóxico, que indica o quanto caem os níveis de oxigênio de uma pessoa com apneia durante a noite.

No geral, pacientes que apresentam quedas maiores da oxigenação são mais propensos a apresentar problemas cardiovasculares, como aumento do risco de arritmias, de acidente vascular cerebral (AVC) e de infarto. "Então a melhora dessa parte de oxigenação acaba tendo um impacto muito importante na vida desses pacientes", diz Erika.

Complemento ao tratamento

Participaram da pesquisa apenas pessoas com obesidade que apresentavam apneia do sono moderada (casos em que há mais de 15 interrupções respiratórias por hora) ou grave (mais de 30 IAH). Elas foram divididas em dois grupos: no primeiro estudo, aqueles que não faziam nenhum tratamento para o distúrbio do sono. No segundo grupo, os participantes realizavam tratamento para apneia com o gerador de pressão positiva contínua na via áerea (CPAP), um aparelho que aumenta a passagem de ar pela garganta de maneira mecânica.

Ao final das 52 semanas, 43% dos indivíduos do primeiro grupo da pesquisa e 51,5% do segundo grupo tiveram melhora ao ponto de atingir critérios para resolução da doença. Para Drager, isso indica que, independentemente da pessoa estar ou não usando CPAP, o uso da medicação promove uma redução substancial da gravidade da apneia em pessoas com obesidade.

"Eles não estudaram se a pessoa vai ficar sem o CPAP ou não, mas indica que, se a pessoa mantiver um tratamento crônico e se ela tiver uma excelente resposta, pode ser, sim, que alguns pacientes não precisem mais do aparelho porque sua apneia está sendo tratada mediada pela perda de peso", explica.

Diante dos resultados, a farmacêutica Eli Lilly submeteu à Food And Drug Administration (FDA, que equivale à Anvisa nos EUA) um pedido de autorização para usar a tirzepatida no tratamento de apneia obstrutiva do sono moderada a grave e da obesidade. Segundo comunicado, a empresa iniciará as submissões para outras agências reguladoras globais nas próximas semanas.

Para os especialistas entrevistados pelo Estadão, embora os resultados sejam promissores, na maioria dos casos a tirzepatida não vai substituir os tratamentos já conhecidos para apneia do sono. O medicamento surge apenas para um público específico, aqueles com obesidade, e de forma a ampliar o leque de terapias disponíveis.

Os tratamentos desse distúrbio do sono costumam incluir o uso do CPAP, mas também o acompanhamento fonoaudiológico para fortalecimento da musculatura que mantém a garganta aberta e o uso de outros aparelhos intraorais. Em casos específicos, a cirurgia pode ser indicada.

Estadão
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