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Tocofobia: o quanto é normal ter medo de engravidar?

A tocofobia, um medo excessivo relacionado à gravidez ou ao parto, atrapalha a saúde sexual e bem-estar de milhares de mulheres

8 jan 2024 - 15h38
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Bruna* foi criada em um lar religioso onde sexo sempre foi tabu. Quando perguntava sobre relações aos seus pais, ouvia que esse era um assunto proibido, um tema que apenas adultos poderiam conversar a respeito. E dessa forma cresceu sem nenhuma instrução e muitas dúvidas. 

Tocofobia: O quanto é normal ter medo de engravidar?
Tocofobia: O quanto é normal ter medo de engravidar?
Foto: Pexels / Bons Fluidos

Ao decorrer da infância, a jovem, que hoje tem 25 anos, ouviu diversas histórias sobre mulheres que engravidaram das formas mais inusitadas possíveis. "Cresci ouvindo que não podia me enxugar com toalha de homem porque eu engravidaria. Que uma conhecida havia engravidado virgem porque sentou no ônibus e o assento estava sujo de sêmen, e ela usava vestido curto", relembrou. 

A combinação dos "relatos" com a falta de informação desenvolveu em Bruna um medo grande de cometer algum deslize e, sem perceber, ficar grávida. Uma paranoia de ter um filho mesmo sem ter relações sexuais consumiu a cabeça da jovem, e a situação piorou ainda mais quando ela acessou a internet: "Muitas pessoas veem o medo e o receio alheio e usam disso para ganhar views. E a internet tem muito disso, é um mundo de muito sensacionalismo", diz.

Bruna evitava usar toalhas de parentes ou conhecidos e constantemente olhava para a sua barriga com medo de existir um feto lá dentro. "Vale ressaltar que ainda sou virgem, nunca tive nenhum tipo de contato sexual com outra pessoa, nem sequer beijei alguém, e ficava morrendo de medo de engravidar", relata a jovem.

Do que se trata o medo de Bruna? Conhecendo a tocofobia

Por mais atípico que pareça, esse medo irreal de engravidar é comum, e tem nome. A tocofobia atinge 62% das mulheres, segundo um levantamento publicado na revista Evolution, Medicine e Public Health. Quase 2 mil mulheres foram entrevistadas e demonstraram os sintomas ligados ao Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) e até mesmo depressão.

"Mas esse é o lance da tocofobia, é algo irracional. Você não pensa, você só sente aquele medo e não sabe exatamente de onde está vindo, o porquê de estar sentindo aquilo, e começa a criar paranoias na sua cabeça e ver coisa onde não existe", desabafa Bruna. 

O termo tocofobia vem de origem grega, onde tocos significa parto. "É uma condição patológica que exerce um medo excessivo diante da ideia, ou da possibilidade real da gravidez, ou de um parto", define Renata Santana, psicóloga clínica.  

Segundo a psicologa, a tocofobia pode ser divida em duas: a primária e secundária. O primeiro tipo de tocofobia costuma acontecer durante a adolescência, quando se inicia o ciclo reprodutivo, após a primeira menstruação. As mudanças no corpo, que agora pode engravidar, causam os primeiros casos de tocofobia em jovens.  

A tocofobia secundária advêm de experiências traumáticas na vida sexual, seja em situações que causaram forte incomodo para a pessoa, ou até um resquício de uma gravidez, ou parto, que tenha gerado um abalo. 

"Os sintomas que podem ser destacados quando nos referimos a tocofobia são o medo e a esquiva de cenários relacionados ao tema", explica Renata. Além disso, uma pessoa que sofre de tocofobia também pode ser afetada por descontrole emocional, crises de ansiedade, apetite reduzido ou aumentado, entre outros sintomas que acarretam desconfortos no dia a dia. 

"A pessoa que apresenta tal transtorno pode desenvolver dificuldades com a sua sexualidade, e quando se expõe a alguma situação que representa risco, mesmo que irracional, apresenta alterações comportamentais", descreve a psicologa. Ela ainda acentua que a pessoa que sofre de tocofobia pode ter respostas exageradas para uma possível exposição sexual, como o uso excessivo de métodos contraceptivos e testes de gravidez.

A internet também pode ajudar

Para combater a desinformação na internet e ajudar meninas a perderem o medo irracional de engravidar, Maju Ferreira produz conteúdo em várias plataformas da internet, onde já possui mais de 600 mil seguidores. A médica conta que começou a abordar o assunto em 2020, quando algumas de suas seguidoras pediram ajuda para entender mais sobre o transtorno.

"Um belo dia, acho que umas duas, três meninas que me seguiam na época me falaram assim: 'Maju, eu tava pesquisando aqui e acho que eu tenho tocofobia, você podia falar sobre isso?'. Eu lembro que fiquei tipo 'que diabo é isso?', e fui pesquisar. Por definição, a tocofobia é o medo excessivo de gravidez ou do parto", relembra a influencer.

A médica se recorda que quando começou a abordar a tocofobia em seus posts, pouco se falava do assunto nas redes sociais, mas o cenário está mudando. "Que bom que as pessoas finalmente estão acordando hoje em dia. O termo é muito mais falado, muito mais conhecido, e as pessoas têm um pouco mais de consciência", reflete Maju. 

A médica ainda explica como as fake news podem ser prejudicais para a educação sexual de jovens. "Para mim, o mal do século em relação às redes sociais são as fake news. É difícil a gente saber o que é verdadeiro e o que não é", opina.

Histórias falsas podem gerar uma descrença nos métodos contraceptivos, ou até levar casais a usarem esses métodos de forma equivocada. Maju Ferreira relembra uma história que ouviu de uma seguidora em 2021. "Era uma menina que tinha tido uma relação e ela usava anticoncepcional, camisinha e coito interrompido ao mesmo tempo. Ela achou que estava grávida e eu falei para ela fazer um teste. Ela fez 17 testes de gravidez", recorda a influencer. 

Não satisfeita, a garota seguiu achando que estava grávida: "Ela não acreditou em nenhum deles. Ela achou que todos estavam incorretos. Foi lá e fez um quantitativo". Os testes de gravidez quantitativos demonstram a quantidade de dosagem do Bhcg na pessoa, hormônio esse produzido durante a gestação. O exame indica gravidez quando o valor está acima de 5,0 mlU/ml. "O resultado dela deu 0,3, ou seja, negativo. Mas ela ainda ficou cismada, achando que tinha que dar 0 redondo. 4 meses depois da relação, ela já deveria estar com 10 mil de beta se estivesse grávida"

Sem passar o medo, marcou um ultrassom. "O médico falou que não tinha uma criança dentro dela, mas ela ainda se perguntou se com 4 meses seria possível ver o feto dentro da barriga". A jovem seguiu revendo o exame e reparando nos detalhes, procurando por algo que pudesse comprovar ter uma criança em seu útero, mesmo após a negativa do médico.

"Ela ficou 9 meses sem transar de novo, até ela entender que não estava tendo uma gravidez silenciosa", finaliza Maju. E essa não foi a única história que surpreendeu a médica. Em um passeio entre amigas, conheceu outra mulher que sofria de um medo exagerado de gravidez. "Ela usava implanon, camisinha e às vezes até pílula do dia seguinte".  A pílula, que possui uma grande concentração hormonal, é recomendada apenas para casos onde a relação ocorreu sem outro tipo de preservativo. 

Tantos temores irracionais podem ser entendidos quando se compreende que o transtorno é um tipo de ansiedade. Maju Ferreira explica que a ansiedade é uma condição dividida em ramificações, e dentro dela existem as fobias. Essas são divididas em fobia social, que remete a maiores dificuldades em falar em público e socializar, e fobias específicas. "As fobias ocorrem quando você tem essa ansiedade relacionada a algum fator estressor. Como a talassofobia, o medo do oceano", exemplifica. É dentro desse grupo que está a tocofobia.

"Um dos maiores problemas em relação a quem tem transtornos de ansiedade é lidar com o desconhecido e com a falta de controle", continua a médica. "Tocofobia é a mesma coisa. Você tem muito mais medo sobre o que você desconhece e o que você não tem controle, então é muito mais difícil alguém ter confiança no método que não conhece. Como você vai botar um 'trem' dentro do seu útero que você não sabe nem que diabo ele faz". 

É dessa forma que a informação de qualidade e um bom entendimento de educação sexual pode auxiliar as vítimas da tocofobia. "Eu acho que é nesse caminho que a informação consegue fazer você tomar decisões mais conscientes", comenta a profissional.

Para aqueles que ainda lutam com o transtorno, Maju ainda reitera que existem diversas formas de transar e sentir prazer sem a penetração vaginal. "Já conheci casais não tinham relação sexual por medo. A gente tem que entender também que o sexo não é só penetração vaginal", declara a médica. "Faça coisas que tem zero chances de engravidar, mas que possam te dar certo prazer sexual, até você conseguir atingir um nível psicológico em que você consiga avançar". Sexo oral, sexo anal, uso de vibradores e outros métodos podem garantir uma satisfação, sem acompanhar as consequências psicológicas de quem sofre de tocofobia.

*nome fictício para manter o sigilo da entrevistada.

Bons Fluidos
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