Bariloche não é apenas para esquiar; veja o que fazer por lá
Queridinha dos brasileiros, cidade tem excelente gastronomia, cervejarias artesanais, diversão para a família e paisagens de tirar o fôlego
Por volta das 8 horas, o avião pousa no aeroporto Teniente Luis Candelaria, a cerca de 11 quilômetros do centro de Bariloche. O que causa estranheza é que, apesar do horário, o dia ainda não tenha amanhecido. Sentar propositalmente na janela e não ver lá do alto as montanhas esbranquiçadas só aumenta a curiosidade de quem está ansioso para ver neve pela primeira vez.
Tal anseio vai diminuindo ao longo do caminho de cerca de 30 minutos até o hotel, enquanto a cidade vai se revelando aos poucos. No horizonte surgem picos cobertos por uma manta branca que já começa a reluzir o brilho do sol. Logo a névoa se dissipa e um céu azul-turquesa dá as caras, refletido no Lago Nahuel Huapi. Casas e hotéis de madeira, em estilo europeu, completam a paisagem. Apenas o frio - a sensação térmica é de 10 graus negativos - indicam que não se trata de um sonho.
A baixa temperatura, no entanto, pode ser amenizada com o conforto de uma boa xícara de chocolate quente, servida com tranquilidade em frente a uma janela com vista para um dos lagos andinos. Mas a verdade é que a ideia de se aventurar montanha abaixo é maior. Por isso, desde as primeiras horas do dia as paradas de ônibus estão lotadas de jovens, crianças e idosos bem agasalhados (e equipados) em direção às estações de esqui.
ATRAÇÕES
Embora praticar esporte ou brincar na neve seja a maior atração local - a temporada este ano vai até 1.º de outubro -, Bariloche oferece passeios para diferentes perfis de turistas e em qualquer época do ano. Seja grupo de amigos, famílias, casais em lua de mel ou mesmo para quem viaja solo, sempre há algo para fazer. Como percorrer a Rota dos Sete Lagos, ir a uma das 26 cervejarias artesanais da cidade, caminhar ao redor do Lago Gutierrez, contemplar a vista em 360 graus do Cerro Campanário ou ir de barco até a fronteira com o Chile. Para aproveitar melhor, esqueça os pacotes de dois ou três dias e aumente sua estada para uma semana.
Esse é um bom intervalo de tempo para entender se Bariloche é um lugar pequeno destinado a brasileiros que querem conhecer a neve ou se é uma cidade grande que recebe milhares de turistas anualmente. Para mim, é a junção dos dois mundos. Ao mesmo tempo que possui 29 mil leitos, restaurantes variados e uma vida noturna movimentada, a cidade mantém o clima e o encanto do interior. As ruas são estreitas e arborizadas, as pessoas dizem bom dia ao cruzar seu caminho e a natureza é companhia constante.
BRASILOCHE
Mas não há dúvidas que o apelido de Brasiloche é justificável, especialmente em julho, durante as férias escolares, quando há voos diretos de São Paulo. Marcelo Rollandi, diretor da agência local Select Travel, focada no público brasileiro, conta que o turista do Brasil não quer apenas um passeio: quer que seja divertido. "A diferença está nos detalhes", diz ele, que conta com 40 brasileiros na equipe da agência.
A paisagem patagônica é o que mais chama a atenção. Todos os dias, quando abria a janela ao despertar, já era imediatamente contagiada pela imensidão do Nahuel Huapi. Formado por água de degelo de glaciares, o lago de 530 quilômetros quadrados tem até ondas, como o mar. Em alguns momentos, tinha a impressão de estar olhando para um telão, antes de me dar conta que o cenário era real. Melhor então colocar um traje bem quentinho para curtir as poucas horas de luz do inverno.
ANTES DE IR
Aéreo: em julho, há voos fretados diretos a Bariloche, saindo de São Paulo. Senão, é preciso fazer escala em Buenos Aires: a partir de R$ 2.068,93 na Latam e R$ 1.553,94 na Aerolineas. Passagens cotadas para setembro.
Site: barilocheturismo.gob.ar
PARA IR POR CONTA PRÓPRIA
Colônia Suíça
Às quartas-feiras e domingos, a feira gastronômica e artesanal da Colônia Suíça é um passeio delicioso. A vila foi o primeiro assentamento europeu da região e hoje segue frequentado por turistas e moradores que vão em busca do curanto, prato típico com carne e legumes assados em um buraco na terra. Meia porção serve 3 pessoas e custa 300 pesos (R$ 40). O lugarejo é despretensioso e aconchegante, longe da movimentação do centro de Bariloche. Fique atento ao horário: os ônibus da linha 10 têm horário fixo e não há muitos após as 18h.
Cascata de los Duendes
Outro passeio possível de ser feito com transporte público é até a Cascata de los Duendes, no Parque Nacional Nahuel Huapi. Basta tomar o ônibus 51 e descer no Lago Gutierrez, logo depois da ponte. Ao todo, são 13 quilômetros e cerca de 20 minutos de percurso. Ao descer na parada, a placa indica que são 2,5 quilômetros até a cachoeira - a caminhada é feita às margens do belo e tranquilo Lago Gutierrez. Leve água e comidinhas para um piquenique, já que não há comércio por perto. O cenário transmite uma paz única e não há grupos enormes de turistas para atrapalhar a contemplação.
1. Panorâmicas de Cerro Campanário
Os “cerros” que cercam Bariloche são o que chamamos por aqui de morros, montanhas. O Cerro Campanário foi nosso primeiro passeio – ali, cinco mirantes proporcionam uma visão em 360 graus de toda região, incluindo o Parque Nacional Nahuel Huapi. É uma apresentação quase cinematográfica de lagos e lagunas com nuances azul-marinho, separados por estreitos recortes de vegetação com pinheiros, cedros e carvalhos. Tudo isso abraçado por pomposas montanhas com picos branquinhos e congelados.
Os poucos sinais de civilização vistos naquela arte são pequenos chalés, que exalam fumaça de calefação pela chaminé. Para chegar, é possível tomar o ônibus 20 no centro e, em menos de meia hora, descer no km 24 e pagar 280 pesos (R$ 37) para subir até o topo de teleférico. As cadeirinhas levam sete minutos para alcançar os 1.050 metros de altitude. Também há quem chegue ali na excursão conhecida como Circuito Chico, que percorre 66 quilômetros e para em alguns dos principais cartões-postais do entorno de Bariloche.
Fique o tempo necessário para fotografar – e contemplar – a vista. Para se aquecer, há um café, com vista panorâmica, claro. Porém, não se engane pensando que nele encontrará internet. Os cartazes logo informam que o local não tem Wi-Fi. Afinal, a mais importante conexão ali é a dos olhos com a paisagem.
2. Esquis para curtir Cerro Catedral
A magia acontece quando começa a nevar. Parece que os flocos de gelo possuem alegria na sua composição, e todos olham para cima, sorrisos nos rostos. Enquanto alguns tentam tirar as luvas para registrar o fenômeno, o momento passa. E logo cada um volta à sua rotina: fazer bonecos de neve, deitar no chão e mover braços e pernas para criar a forma de um anjo ou simplesmente jogar a neve para cima – ou, por que não?, uns nos outros, numa divertida batalha.
Ir a Bariloche no inverno é sinônimo de curtir a neve de todas as formas – inclusive esquiando. Cerro Catedral, a estação mais próxima da cidade, é a maior do Hemisfério Sul, com 2.388 metros de altitude e 60 pistas de esqui e snowboard.
Para chegar ali, embarcamos no teleférico até a estação de Amancay, a 1.800 metros de altitude. Meu aguardado batismo de neve teve como desafio inicial me entender com o equipamento: colocar as pesadas botas de esqui e caminhar com elas até a pista de iniciantes. Embora eu duvidasse que poderia, Luz Gimenez Prebisch, instrutora há 22 anos, me garantiu: todos podem esquiar. “Só não esquia quem se impõe limitações”, disse.
A princípio, desconfiei da positividade de Luz. Mas, aos poucos, percebi que tudo é uma questão de encontrar o equilíbrio. Por isso mesmo, cair é tão inevitável quanto rir e fazer pausas para fotos.
Após 2 horas de aula prática, deu para aprender o básico para aproveitar os dias seguintes sem a necessidade de guia (mas ainda com tombos). Mas a parte mais divertida foi mesmo me livrar das botas e tomar um vinho quente. Outra opção para repor as energias é o restaurante La Roca, o único nessa parte do Cerro. Com opções tradicionais que incluem hambúrgueres, massas e o clássico argentino bife de chorizo, oferece pratos pelo preço médio de 350 pesos (R$ 47) por pessoa.
Deslizes. Outra forma de deslizar montanha abaixo, mas sem tantos trâmites, é no esquibunda. A cerca de 7 quilômetros do centro de Bariloche, o complexo Piedras Blancas conta com três quilômetros de pistas onde é possível descer com o auxílio de boias (tubing), numa tirolesa ou com os trineos – o nosso esquibunda. Custa a partir de 400 pesos (R$ 54) para adultos e 325 (R$ 43) para crianças até 12 anos, mas há preços diferenciados de acordo com as atividades. O Cerro Otto, ali perto, tem passeios similares, mas estava fechado para manutenção, com previsão de abertura em setembro.
3. Navegação no Lago Nahuel Huapi
Com 530 quilômetros quadrados, o Lago Nahuel Huapi é onipresente em Bariloche. E navegar por ele é um passeio tão fundamental quanto deslizar sobre as montanhas geladas.
O passeio começa a bordo de um catamarã que parte de Puerto Pañuelo, com vista para o charmoso hotel Llao Llao. Ao longo da travessia de cerca de 1 hora até Puerto Blest, é possível apreciar de perto a beleza do encontro do lago com as montanhas e sentir na pele como é entrar em uma floresta fria e úmida.
Mesmo com a temperatura negativa do lado de fora, todos saem para o convés da embarcação. Somos acompanhados por um bando de gaivotas famintas, que vêm em busca dos petiscos que os turistas trazem para fazer a foto com as aves pegando alimento de suas mãos. O entretenimento dura quase todo o trajeto até a chegada a Puerto Blest, onde está o centenário Hotel Blest,que oferece sua estrutura de restaurante, sanitários e internet para os visitantes.
Quando atracamos, o grupo se divide entre quem vai fazer o Cruce Andino até o Chile, a navegação pelo Lago Frías (cuja coloração verde-esmeralda se dá pelas partículas de rochas desprendidas do glaciar do Tronador) e quem decide ficar. Quem prefere a terceira opção almoça por ali e, depois, pode encarar uma caminhada de 3 quilômetros floresta adentro, até a Cascata dos Cântaros.
Procure, se possível, fazer o tour em dias de sol e céu limpo, para não ter a visão prejudicada pelo intenso nevoeiro cinzento. Subir os 700 degraus para chegar ao topo da montanha, em busca de uma panorâmica do Lago dos Cântaros, e não enxergar nada além de nuvens seria um tanto decepcionante. Por sorte, foi possível avistar as águas calmas do lago, refletindo a vegetação ao redor, apesar da nebulosidade. O passeio dura o dia todo e custa a partir de 1.320 pesos (R$ 177) na Turisur.
4. Navegação no Lago Nahuel Huapi
Pegar estrada em um dia ensolarado ao som de Here Comes the Sun dos Beatles parece uma cena roteirizada para o cinema. A impressão é que o diretor pode gritar “corta” a qualquer momento, mas, nesse cenário, quem dita as regras somos nós. Foi assim, com jeitão de road movie, que começou minha jornada pelos primeiros quilômetros da Rota dos Sete Lagos.
Desde 2016, o trajeto de Bariloche a San Martin de los Andes é asfaltado, o que facilita para que os passeios possam ser feitos em um mesmo dia. A estrada sinuosa se estende por 110 quilômetros entre montanhas nevadas, lagos cristalinos e densas florestas de pinheiros. Ou seja, as 10 horas de passeio se justificam.
A Rota 40 pode ser feita de carro, bicicleta (duração de 3 a 4 dias) ou em passeios agendados nas agências do centrinho. O preço médio é de R$ 150.
O percurso também pode ser iniciado a partir de Villa La Angostura (a 80 quilômetros de Bariloche), um recanto tranquilo, repleto de casinhas de madeira com ares de romance e ideal para quem quer esquiar sem grandes muvucas na charmosa estação de Cerro Bayo.
Surpresas. Os tais sete lagos que dão nome à rota são Lácar, Machónico, Villarino, Falkner, Escondido, Espejo Grande e Correntoso, mas a verdade é que há outros pelo caminho. São muitas paradas para fotografá-los, sempre com um cenário diferente. E quando você acha que não pode se surpreender ainda mais, eis que surge um lago que parece um espelho, refletindo toda a paisagem ao redor, com uma imagem bucólica de um cordeiro cruzando a estrada ou a clássica imagem do inverno patagônico com neve nas pontas das árvores às margens dos lagos.
Tudo é calculado quando se está com um guia, e assim, chegamos a San Martin de los Andes para almoçar à beira do Lácar. Ficamos cerca de 2 horas por ali, tempo suficiente para comer e passear ao redor do lago. Há quem prefira passar uns dias esquiando em Chapelco, antes de retornar. E fica a dica: o roteiro também é uma delícia se feito no verão.
5. Boas opções à mesa
De dia a cidade nos fascina com sua beleza natural. Ao cair da tarde, somos seduzidos pelos sabores de sua gastronomia variada. Eu imaginava que comer bem em Bariloche significaria desembolsar muitos pesos, mas não é bem assim. É possível comer muito bem, gastando menos do que você provavelmente gastaria em um jantar em sua cidade.
Se a fome chegar antes do anoitecer, dá para petiscar em uma das muitas chocolaterias do centro cívico – afinal, Bariloche é a capital do chocolate na Argentina. Uma delas é a Rapa Nui, que produz todos seus chocolates artesanalmente. No paraíso dos chocolates não tenha medo de errar: do chocolate quente a base de frutas vermelhas ao hambúrguer de filé mignon com pão feito de cacau (270 pesos), tudo era delicioso. Deixe espaço para os sorvetes ou pelo menos para o Franui, framboesas frescas coberta com chocolates branco e meio amargo (110 pesos ou R$ 14 o pote). Leticia Fenoglio, uma das gerentes e herdeira do patrimônio doce, disse que cresceu brincando ao redor das sacas de cacau. Para ela, seu pai, Diego Fenoglio, é uma espécie de Sr. Wonka do filme A Fantástica Fábrica de Chocolate (1971), e segue criando novas receitas.
O chef Pablo Quiven recebe os clientes em seu restaurante, especializado em culinária patagônica gourmet, com um menu de 7 passos, com pratos cheios de personalidade. O favorito da mesa foi o mini scone de queijo com tartar de truta e sorvete de salmão (é isso mesmo: sorvete salgado e incrível). Cada passo é tão bem pensado que até parece uma obra de arte. Como o cheesecake de mexerica que vem apresentado em formato de... mexerica. Com direito a folhinha e tudo. O jantar custa 1.500 pesos (R$ 200); . Faça reserva.
Já se você deseja comer bem, mas sem gourmetizar,o El Patacón é boa pedida. Com decoração rústica, a casa oferece as melhores carnes da região, como o clássico cordeiro patagônico na brasa ou lombo de cervo ao molho de malbec. O jantar custa em média 530 pesos (R$ 70) por pessoa.
Refugio Berghof
Localizado no Cerro Otto, é um dos restaurantes mais encantadores. Tanto pela vista panorâmica do Lago Nahuel Huapi quanto pela comida caseira de qualidade, como a truta recheada ou o guisado de cordeiro de lamber os dedos – o prato principal custa cerca de R$ 35 por pessoa. Caso você queira uma experiência diferente, o restaurante oferece um jantar especial a luz de velas e ao som de tango, mas é preciso fazer reservas ou contratar um passeio com essa opção. O da Select Travel custa 2.350 pesos (R$ 312), com transporte, bebidas e refeição incluídos.
O hotel de luxo Llao Llao, escolhido por Barack Obama para se hospedar durante sua visita à região, tem um chá da tarde memorável, aberto mesmo a não hóspedes. Na carta de chás, o Llao llao blend mistura chá preto com amêndoa e frutos vermelhos da Patagônia. Para acompanhar, o confeiteiro prepara sobremesas deliciosas de ver e provar, mesclando sabores clássicos com produtos regionais. Entre as opções, torta de rosa mosqueta, bolo red velvet com framboesa, torta de pistache com creme, mousse de chocolate e mais. Faça reserva; US$ 40 por pessoa.
6. Paraíso das cervejas artesanais
Na segunda quinzena de julho, Bariloche fica abarrotada de adolescentes argentinos que terminaram o ensino médio e, como encerramento de um ciclo, fazem uma viagem juntos (é só reparar em grupos vestidos com a mesma jaqueta). As casas noturnas são dominadas por eles. Algumas não permitem a entrada de maiores de 25 anos – outra cobram mais caro dos mais velhos.
Por isso, a atração noturna para adultos são mesmo os bares – e há uma grande variedade deles próximo ao centro. As cervejarias artesanais se destacam e não é por acaso. Além da pureza da água – fundamental para uma boa cerveja – a região é repleta de fazendas de lúpulo.
Ao todo, são 26 cervejarias que oferecem de clássicos como golden, IPA e stout a sabores com toques regionais, como a de framboesa da Cervejaria Blest, que eles chamam de “a champanhe das cervejas”.
Caso você fique com dúvida em qual cervejaria ir, siga para a esquina das ruas 20 de Febrero e Morales e escolha uma para cada dia (ou mais de uma, como preferir). A maioria oferece desconto no happy hour.
Comecei pela Manush, uma casinha com cara de pub que vende a cerveja direto dos barris – nada de garrafa. A Wesley Brewery – cujo slogan é “que nunca te falte” –, além das cervejas (a partir de R$ 9 o pint), também oferece música ao vivo nos fins de semana. Outras clássicas são a Antares e a Berlina, mas não tem erro: a felicidade é certa em qualquer uma delas.
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